Pode conter gatilho
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Londres, 17 de março de 2002
Para minha querida irmã Ayo,
"Se tudo der errado, eu ainda posso me matar"
Foi isso que eu pensei quando ainda estava viva.Se você encontrou essa carta irmã é porque eu provavelmente já estou morta.
Pra contexto enquanto eu escrevo isso eu ainda tenho quatorze, e agora na minha época você ainda tem apenas três anos.Eu não queria deixar você sozinha e na verdade me culpo um pouco por estar fazendo isso, acho que parte do motivo pelo qual escrevo isso é a culpa no meu coração por te abandonar, mas eu simplesmente cansei de tudo isso na verdade eu já estava cansada da minha vida a um tempo já e por você estar lendo isso eu provavelmente já tive coragem o suficiente para acabar com tudo.
Vou te contar um pouco sobre como cheguei até aqui já que suponho que você não saiba o motivo de isso tudo ter acontecido.
Não lembro direito quando as coisas começaram mas acho que foi a partir do meus doze anos por aí, bom acho que na sua infância nossos pais também te criaram na igreja certo?, assim como fizeram comigo?, suponho que sim.
Bem desde pequena eu fui criada e levada a igreja ensinada que Jesus é nosso senhor e Salvador e todas essas coisas mas pra ser sincera desde os meus doze eu percebi que eu nunca me senti parte daquilo e que lá não era o meu lugar e então eu passei a ir apenas para agradar nossos pais e pra conseguir a aprovação deles já que no fundo eu realmente queria que eles me aceitassem eu queria que eles tivessem orgulho de mim, e isso me destruía por dentro porque eu sabia que eu nunca conseguiria ser a garotinha perfeita de quem eles sentiriam orgulho.
Naquela época eu também achei um aplicativo de histórias e logo eu me perdi naquele mundo e comecei a ler cada vez mais, lembro que mamãe e papai me criticavam dizendo que eu não fazia nada só dormia e lia aquelas histórias no celular, mas eles não podem me culpar aquelas histórias eram minha fonte de alegria eram a única coisa que fazia eu esquecer por um momento aquela realidade horrível e triste em que eu me sentia.
Também naquela época eu ganhei amigos... mas amigos que só eu podia ver ou melhor ouvir, seus nomes que eu escolhi eram Kioshi que tinha 23 anos, Destrian que tinha 27 e Blanc que tinha 20. Eles não ficavam comigo o tempo todo geralmente apenas quando eu os chamava ou quando eu precisava de ajuda emocionalmente, eles eram meus melhores amigos os únicos que sempre estavam comigo que não me julgavam e me ajudavam quando eu precisava e eu sou muito grata a eles por isso.
Tempos depois mais uma bomba eu me descobri lésbica, mas o problema não era esse eu estava bem comigo mesma em relação a isso eu me aceitava e não via problema nenhum nisso, o problema eram mamãe e papai eu tinha medo da reação deles e já sabia que eles não me aceitariam já que eram extremamente homofobicos, e contra qualquer coisa relacionada a esse assunto e infelizmente eu ainda queria orgulhalos, então passei a acrescentar mais uma coisa a lista de coisas que eu escondia dos meus pais, e acredite irmã por experiência própria minha aprenda ninguém pode se esconder da verdade ninguém pode demorar quantos anos for mas um dia a bomba vai estourar e a verdade será revelada por isso eu peço irmã que seja verdadeira consigo mesma e com as outras pessoas com quem você ama por que as mentiras só vão machucar você é as pessoas ao seu redor.
Mas enfim voltando a história piorou quando eu fiz doze porquê mamãe queria que eu me batizasse principalmente porquê papai também iria e eu não queria magoa - la então eu fui e me senti péssima porque por mais que eu não acreditasse naquilo ainda me sentia mal por estar mentindo pra ela, mas eu aguentei e sustentei a mentira por mais alguns meses até que descobri que queria me tornar uma bruxa e que acreditava em outros deuses e isso principalmente eu escondi a sete chaves de todo mundo e consequentemente escondi mais uma coisa dos nossos pais.
E isso foi me destruindo por dentro, eu estava sozinha não tinha amigos verdadeiros e as poucas meninas que me acompanhavam na escola eram interesseiras e sempre me excluía e mesmo cercada de pessoas eu sempre me sentia sozinha e rejeitada isso estava acabando comigo.
Eu passei a ter problemas como insônia e paralisia do sono e quando dormia eu tinha pesadelos horríveis a maioria com a morte dos nossos pais e a sua morte. A vida pra mim não tinha mais graça e nem cor era como se toda a minha felicidade tivesse sido tirada de mim e até mesmo desenhar que era uma das coisas que eu mais gostava de fazer se tornou monótono e sem sentido e isso me quebrou ainda mais pois era desenhando que eu lembrava de uma das melhores memórias que eu tenho, quando nosso pai me deu um lápis pela primeira vez e me ensinou a desenhar, mas olhando agora essa memória não passa de um borrão, uma coisa que aconteceu a século atrás e doeu quando percebi que a alegria que eu sentia ao me lembrar disso já não existia mais.
A partir daí eu só decai mais, eu não tinha mais fome nem vontade de comer e depois de algum tempo eu parecia mais magra que um esqueleto e comecei a sofer bullign na escola por causa disso, nossos pais fingia não notar e ignoravam todos problemas que eu tinha, eu acho que porque eles estavam tristes e se culpando por não terem conseguido ser bons pais, mas uma vozinha na minha cabeça sempre dizia que era por eles não se importavam comigo e que eu não passava de uma peça na vida perfeita deles e eu não posso deixar de pensar que talvez uma parte disso seja verdade.
E então chegamos até aqui, antes disso tudo acabar eu tenho uma coisa para te pedir irmã: viva. Essa é a única coisa que eu te peço, que você viva e realize todos os seus sonhos e que seja feliz não importa como, eu sei que é egoísta e hipócrita eu te pedir isso mas esse sempre foi o meu maior desejo Ayo, que você fosse feliz mesmo sem mim ao seu lado eu te peço minha irmã que nunca se esqueça que eu te amo, que eu sempre vou te amar e que nunca vou te abandonar e estarei sempre ao seu lado te protegendo do meu jeito.
De sua querida irmã
Maeve