O artesão de corações | ranwan

Chuva

Wanning observava através da janela de sua loja a chuva cair do lado de fora. A neblina cobria boa parte da paisagem e as árvores estavam e um tom escuro de verde. Sinceramente ele gostava de dias assim mas não sabia ao certo o motivo disso.

Ouviu o sino soar assim que alguém entrara na loja. Infelizmente não era aquela visita costumeira que por alguma razão não sabia o porque de gostar de recebê-lo. A pessoa no lugar era na verdade um jovem de aparência esbelta e que provavelmente estava na casa dos 20.

Wanning se lamentou internamente ao notar que seu descanso havia acabado. Levantou-se do banquinho de madeira e saudou o seu recém cliente, logo perguntando no que poderia ajudá-lo.

"Bem..." ele pareceu pensar por alguns segundos "Vocês vendem alguma poção de desejo?"

"Temos vários modelos dessa categoria. Qual seria do seu agrado?"

O cliente ficara sem jeito. Tocando suas próprias mãos em sinal de vergonha.

"Se-sexual...!" no fim ele disse em um gaguejo, percebendo logo após a reação exagerada que tivera - mas que felizmente Wanning não havia ligado.

"Hum..." Wanning levou seus olhos acastanhados pela prateleira afim de achar o produto "Creio que essa poção seja a que você deseja." entregou o frasco para o rapaz "Mas fique atento às instruções. Ela está logo atrás do vidro, tem algumas reações que podem não ser o que você esperava então tenha certeza se irá levar ou não."

"Tudo bem... Do mesmo a poção não é para outra pessoa." Wanning ficou confuso ao ouvir tal coisa. Se não era para enfeitiçar alguém, então seria para o que?

"É para uso próprio." o rapaz confessou "Sabe, eu não sinto desejo sexual por minha companheira, por mais que eu a ame e queira sua companhia. E após ela brigar comigo por isso e me chamar de estranho, optei por tentar tomar essa poção. Então não me importa quais são os riscos, se isso irá me curar, então para mim já basta."

"Creio que fora uma decisão difícil a ser tomada." Chu Wanning falou ao escutar o relato do outro.

"Não, não foi." sorriu ao suspirar "É loucura dizer que eu faria de tudo pela pessoa que amo?"

"Loucura seria se você não o fizesse."

"Sim. Você tem razão... Bem, quanto custa esse frasco?!"

Wanning demorou a responder, sentindo-se um tanto quanto receoso. Deveria ele dizer o que estava pensando? Certo, não precisou pensar muito nisso quando automaticamente colocou pra fora:

"Mas ela também pode fazer sacrifícios por amor."

"Como?" o cliente pareceu confuso "O que disse?"

"Se ela te amasse verdadeiramente tentaria entender o seu lado. E por incrível que pareça, é normal você não se sentir atraído sexualmente por alguém. Isso não te faz estranho. Sexo não é a base de um relacionamento."

"O que você quer dizer com isso?"

"Que talvez ao invés de uma poção assim, seria melhor..." Wanning voltou a procurar outro frasco na prateleira e assim que achou, continuou a falar "Essa."

O rapaz que até então estava quieto ao ler o nome no frasco, sentiu algo quebrando dentro de si.

"Desilusão...?" leu em voz alta, não acreditando no que estava vendo.

"Talvez o que você precise não é uma cura. Afinal não existe cura para algo que não esteja doente. Como um artesão de corações o meu papel é de entender o que o meu cliente verdadeiramente deseja. E o que você quer não é se adaptar ao gosto dela, e sim de sair disso. Não é por amor e talvez nunca tenha sido."

"Eu..."

"Mas o frasco do desejo custa 70 moedas de prata."

"Hum..." o cliente engoliu a seco "E o outro?"

"50 moedas de ouro."

"Irei levá-lo."

E então após pagar pelo frasco, o rapaz foi embora. Ele se despediu de forma desengonçada antes de sair da loja e enfrentar aquela chuva. Wanning por um momento não entendeu o porque dele ter vindo para loja em um dia chuvoso, ainda mais sem algo para o proteger dela.

E então, Wanning percebeu.

Ele não precisava saber.

Não precisava encontrar o motivo do porque gostava de dias chuvosos.

Não precisava entender o porque de alguém ter vindo desprotegido em um dia de chuva com intenções ainda confusas.

E muito menos não precisava explicar o porque se sentiu inquieto quando viu que o rapaz de sorriso alegre e pele beijada pelo sol não havia o visitado naquele dia.

Ele não precisa explicar, afinal ele já sabia a razão.

Continua...