Era Setembro, o sol da primavera iluminava toda a Vila. No dia em que cheguei aqui estava com pressa para ir embora, mas depois de quatro meses não parecia estar tão apressado assim.

Pela manhã eu costumava ir na casa do doutor para ajudá-lo com algumas coisas, eu não sou médico mas gosto de ser prestativo, sentia que se eu não ajudasse em algo pareceria folgado.

Todos na Vila tinham um trabalho, havia pessoas que cuidavam do gado, outras cuidavam da plantação, tinha médico, ferreiro, costureira, tinha até guardas; Yelena não fazia nenhuma dessas coisas, ela morava em um castelo que ficava na montanha mais alta da Vila.

Eu não a via com muita frequência nos primeiros meses, mas quando começamos a cavalgar juntos pela manhã tivemos mais contato posteriormente.

Era quatro e meia da manhã quando sai para cavalgar, era o horário ideal, não tinha o sol forte e ainda podíamos aproveitar o dia clareando.

Já havia cavalgado com Hércules, um dos cavalos que ficava no estábulo e não tinha dono, por uns vinte minutos e parei em um monte para apreciar a vista. Aquele lugar, por mais que fosse um lugar novo e estranho para mim, tinha uma vista maravilhosa. A grama era de um verde vivo, não havia muitas árvores onde eu estava mas dava para vê-las no horizonte, me sentia bem sempre que ia até lá.

Enquanto estava ali, vi a Yelena se aproximar com o seu cavalo e se juntar a mim. Nós não falamos nada por um tempo, olhei para ela e o sol iluminava o seu rosto, fazendo com que seus olhos castanhos ficassem mais claros e o vento balançava o seu cabelo na direção do horizonte.

- Que tal um jantar lá em casa hoje?

- Na sua humilde residência?

- Ha ha, sério por favor. Vai ser um jantar para comemorar meu aniversário.

- É claro que eu vou.

Passamos um minuto em silêncio, quando Yelena começou uma contagem regressiva.

- 3, 2, 1 - E ela saiu em disparada com o cavalo, apostar corrida com ela nunca era justo.

Quando cheguei na Vila o cavalo da Yelena já estava no estábulo, guardei Hércules e fui em direção a casa do doutor.

Enquanto trabalhava com o doutor descobri que ele tinha um filho, Ethan, às vezes eu passava a tarde com ele. Ethan se parecia comigo quando eu era pequeno, sempre com o cabelo desgrenhado, olhos claros, até poderia conseguir alguém se não fosse visto como alvo de piadas na sala. As piadas feitas para mim eram geralmente pela condição financeira da minha família.

Ou pelo fato de eu nunca conseguir ler um parágrafo na sala de aula; as letras simplesmente se misturavam e não faziam sentido nenhum para mim.

Já Ethan, seu único problema era que não tinha muitos amigos, mas isso se resolvia fácil com o tempo.

Na escola eu ficava a maior parte do tempo com minha irmã, ela era mais nova e eu tinha essa coisa de querer ficar perto dela caso algo acontecesse. Mas eu falhei em relação a isso.

- Bom dia, doutor.

- Olá, Ren, como está a agenda para hoje?

- Nada mal, vamos ter que passar a tarde aqui hoje. - Era incrível como as pessoas da Vila conseguiam ficar doentes todas no mesmo dia.

Como disse antes, eu não sou médico, então eu ajudava o doutor agendando os pacientes, limpando o chão, às vezes dando os instrumentos quando é algo mais grave. Como ia passar a tarde na casa do doutor, pedi para um dos funcionários do castelo avisar a Yelena que iria chegar tarde para o jantar.

Depois de terminar o trabalho, fui direto para casa tomar um banho e vestir uma roupa decente.

Para chegar até o castelo havia uma escadaria onde tinha no mínimo uns cento e cinquenta degraus, me cansava só de olhar toda vez que passava por ali. Yelena me chamava para sua casa com uma certa frequência, passávamos a maior parte do tempo observando as estrelas e falando sobre a vida.

Quando cheguei ao topo, a única iluminação que tinha era de dois lampiões, um em cada lado da porta. Ao me aproximar da porta ela se abriu e ao entrar havia dois guardas na entrada, os cumprimentei e entrei.

Entrei na sala de jantar, porém Yelena ainda não estava ali, resolvi sentar e esperar. Depois de uns dois minutos ela entrou na sala. Ela usava um vestido longo e justo preto, seu cabelo estava com o penteado que sempre usava e seu cabelo parecia mais escuro a noite. Ela se sentou na cadeira em frente a minha e os criados colocaram os pratos na mesa.

- Desculpe por chegar tarde, tinha muitos pacientes hoje e... - Não sabia como me desculpar e por algum motivo sentia que devia. Era o aniversário dela, e tinha medo que ela pensasse que para mim, ficar com o doutor era mais importante que chegar no horário do seu aniversário.

- Não tem problema, o importante é que você está aqui, né. - Se estava tudo bem porque ela parecia irritada?

- Sim. -Fiquei com vergonha de falar qualquer outra coisa além disso.

Parece que ela sentiu que eu fiquei desconfortável durante o jantar e tentou me fazer sentir melhor.

- Não tem porque você ficar assim Ren, estou feliz que esteja aqui. - Ela segurou minha mão e deu um sorriso.

Quando eu ia desejar feliz aniversário a ela, uma gritaria absurda começou do lado de fora.

- Parece estar vindo da Vila. - Falei assustado a ela. Mas parece que ela já tinha percebido isso. Ela se levantou abruptamente, soltando a minha mão e indo em direção às portas do castelo, onde havia torres de vigilância. Yelena correu para uma das torres e eu fui atrás dela.

Quando consegui ver a Vila, havia guardas lutando com pessoas que nunca vi antes, elas usavam roupas de couro pretas com detalhes em vermelho e alguns deles usavam máscaras que cobriam até o nariz.

Uma vez questionei o doutor do por que a Yelena morava em um castelo e não em uma cabana como todos. Ele me disse que a Vila precisava de alguém para deixar as coisas sob controle e ela foi escolhida para estar ali naquele castelo. Com isso, eu percebi que as cavalgadas diárias não eram para aproveitar o dia, e sim para fazer uma patrulha pelos arredores da Vila.

Não sabia o porquê dessa preocupação até essa noite.

Olhei para a Yelena e não sabia distinguir se ela estava com raiva ou com medo de alguém na Vila sair ferido. Havia crianças e pessoas incapazes de se defender ali, e ela sabia disso, então pegou sua espada que ficava na sala, e seu outro cavalo que ficava na montanha caso precisasse sair com urgência, e saiu em disparada em direção a Vila.

Ela tinha uma expressão de ódio ao sair do castelo, uma expressão de que aquela não era a primeira vez que isso acontecia. Eu não tinha armas, então tentar lutar seria uma ideia ridícula, mas eu desci mesmo para ajudar quem estivesse precisando.

Fui primeiro na casa do doutor, eles não estavam lá. Fui nas outras casas até achar uma família que se escondia em um canto da sala. Se eu não tirasse as pessoas da Vila eu não sabia o que poderia acontecer.

Quando estava saindo com a família, era uma mãe e seus dois filhos, supus que o pai das crianças estivesse no combate, pelo fato de já tê-lo visto com as crianças outras vezes, quando vi um dos guardas guiando as pessoas para longe da Vila.

Levei a família até o guarda e fui procurar o ferreiro, precisava de uma espada.

Quando entrei na casa do ferreiro não o encontrei, mas encontrei uma das pessoas de preto, ele estava com uma mochila com várias armas que pertencia ao ferreiro.

Assim que o vi tentei impedi-lo de sair, mas era um cara cheio de armas contra um desarmado. Se tem uma coisa que eu aprendi com as corridas de cavalos injustas com a Yelena, é saber ganhar mesmo na desvantagem.

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