Prólogo.

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    Era tarde da noite quando ela ouviu o barulho da porta se abrindo, e com ela, seu marido a ultrapassar de cabeça baixa e do jeito costumeiro que ela aprenderá a ignorar conforme o tempo de que ele não era mais o mesmo garoto que conhecerá a alguns anos atrás.

  - Boa noite - comprimentou, e ela só o encarou com um sorriso curioso, talvez ela desconfiasse de algo, mas ao mesmo tempo, não conseguia se importar, sua filha era a única prioridade em sua vida, e isso Letícia aprendera com o tempo, já que a ironia era achar ridículo sua mãe viver em sua função quando mais nova, agora simplesmente as coisas não eram como antes.

   O mesmo homem que passará por ela era seu marido, Gustavo e o mesmo garoto que era seu vizinho, e o mesmo que também fora seu único e último namorado, que agora era seu marido. A questão era que a mulher não sentia que a relação fazia sentido, mas ao mesmo tempo encarando o homem agora deitado em sua cama, sabia que mesmo não entendendo, sua filha precisava ter aquilo que ficara ausente no ápice de seus laços de família.

   Quando era pequena, a mãe a fazia acreditar que a amava quando dizia que sabia o que era melhor e o que não era para a própria filha, e como uma garotinha naquela idade poderia protestar? Afinal era apenas uma criança necessitada de carinho e atenção, mas, a única que tinha, era de sua mãe, já que o pai passava horas e até dias trancafiado no bar, bebendo e reprimindo os próprios problemas e sonhos que tivera que desistir por "más escolhas" Com isso, suas habilidades sociais se moldaram a partir de uma mãe que não a deixava escolher o próprio futuro e gosto, novamente criando um estereótipo na garota de que ela também só teria uma vida perfeita assim que encontrasse alguém a quem lhe daria um filho e uma casa para cuidar, e assim, o ciclo continuaria.

  Mas nunca foi tão fácil assim para a mãe de Letícia segura-la por muito tempo.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

  - Temos que conversar - Ele disse, antes de sair para o trabalho no dia quente da manhã seguinte.

  - Tá - respondeu, estava ocupada demais terminando de fazer a lancheira da filha. Letícia só saia para trabalhar a tarde, e de manhã cuidava da casa, tão bem que as vezes não prestava atenção nas coisas, como deveria prestar.

  - Precisamos terminar.

  O silêncio permaneceu firme pelo ambiente, e a mulher piscou, se virando pela primeira vez naquela manhã para encarar de verdade o marido cansado e com olhos chorosos.

  Pela primeira vez, havia prestado atenção no que ele falava.

  Ela não sabia o que dizer, mas também, o que diria? Sabia que as coisas tinham mudado, sabia que tudo estava diferente, que agora os dois não brincavam mais de se gostar, que ela não brincava mais de gostar dele, que agora eram marido e mulher e que depois de um casamento as coisas mudam.

  Sem resposta, ele se aproximou dela e a encarou, alguma coisa em seu olhar lhe dizendo não verbalmente que talvez Gustavo guardava expectativa ao dizer aquilo. Não era uma coisa muito confortável, mas parecia que ele queria tentar saber se ela ainda era a mesma pessoa que ele jurou amar em algum momento de sua vida.

  - Eu não sei. Só sinto que você, talvez, não sinta mais a mesma coisa que sentia antes por mim.

  "Você não deveria resolver as coisas assim" pensou em dizer, mas apenas balançou a cabeça olhando para os lados.

  - Não acho certo

  - O que?

  Ela olhou em seus olhos

  - Não acho certo você me dizer isso agora, eu...nossa filha precisa ir para a escola, e você tem que ir trabalhar, você não pode falar as coisas assim, e simplesmente ignorar que nós temos uma filha que precisa de nós dois.

  Murmurou a última parte.

  - Tudo bem. - Foi o que ele proferiu depois de certo tempo pensando, ficou incomodado com a sinceridade em sua voz, mas não ousou persistir no assunto. Estava chocado de que a esposa não o perguntará o "porquê" nem o olhara direito nos olhos.

  Quando saiu de casa, percebeu que o mais machucado de lá fora ele.

  Resignada, ou talvez na tentativa de reprimir uma verdade que sabia que um dia ouviria, a mulher fora atrás da filha. Era uma garotinha esperta, de cabelos pretos e olhos risonhos, o sorrisinho sapeca não se desmanchava do rosto até serena dormindo. Mas ali, sozinha com a única filha, naquele quarto escuro, nem percebeu quando as lágrimas pessadas desmanchavam seu rosto com um lamentar leve de, finalmente serem libertas.

  - Mamãe? - Maju acordou, esfregando os olhinhos enquanto observava a mãe fungar.

  - Meu amor - pegou a filha nos braços a apertando levemente. - A mamãe precisa de muitos abraços hoje.

  - Por quê? - Riu, achando graça.

  Letícia riu também, sem jeito.

  - Para não esquecer que você me ama filha.

  Não doeu perde-lo, mas doeu saber que, não veria mais o Gustavo amigo que sempre acreditou ter ao seu lado.

  Letícia ainda era, no fim uma garotinha, com medo de ser abandonada no escuro.

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