GLAVA I

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Eu abro os olhos pela terceira vez naquela...noite? Não dá pra saber, as cortinas empatam toda luz externa de ultrapassar, deixando o quarto no completo breo, a não ser pelo feixe de luz debaixo da porta.
Posso ouvir alguém falando bem distante, é a voz da minha mãe. Concentrando-me, consigo ouvir que é uma única voz, então ela está falando no telefone.
Minha visão foca naquela sombra ao lado do guarda-roupas, está me encarando novamente. Ela fala algo que eu não consigo entender.
Tateio embaixo do travesseiro, procurando meu celular.

- Oito horas?

Era cedo, cedo demais pra fazer alguma coisa.
Olhei para o rumo do guarda-roupa e a sombra havia desaparecido, como toda ilusão criada pela mente de alguém que acabou de acordar.
Fechei os olhos e tentei dormir novamente. Sem sucesso, levantei, liguei as luzes e desci.

[...]

Coloco meu último pedaço de sanduíche na boca enquanto encaro a ótima situação em que a sala de estar se encontra. Garrafas de vinho largadas por toda parte, algumas vazias, outras com um resto do conteúdo e vários papéis bagunçados. No lado oposto, minha mãe na cozinha cortando carne enquanto fala no telefone, provavelmente com alguém do trabalho.
Ela tinha parado de beber, mas às vezes ainda tem umas recaídas. Não a culpo. Deve ser complicado criar uma criança sozinha, sem ajuda de ninguém.
Meu pai morreu há 12 anos. O laboratório dele explodiu após um experimento mal executado.
Desde então minha mãe teve que dar conta de tudo.

Vejo ela abrir a portinha acima dela e tirar duas caixas de remédio. Tira os comprimidos das cartelas e joga na boca, engolindo sem água.

Minha mãe tem uma doença desde o nascimento que a faz ter tonturas, fadiga e desmaiar repentinamente. É interessante como em alguns dias ela está totalmente cansada, mas em outros acorda como se nada tivesse acontecido.
Pra evitar desmaiar do nada em dias corriqueiros de trabalho, onde é preciso falar com clientes pra vender os imóveis, preencher documentos e dirigir, ela ingere esses medicamentos que a deixam 100% acordada. Em contrapartida, de noite, não consegue dormir.
Mesmo com todos esses anos visitando clínicas particulares excelentes, não conseguiram descobrir o que ela tem exatamente.

Ela coloca a comida em alguns potes e guarda na geladeira.

- Quando você chegar, tem comida aqui - aponta para as vasilhas montadas uma em cima da outra.- Só esquentar.

- A senhora vai chegar tarde?

- Acho que sim, vou fazer hora extra.- afirma pegando papéis soltos e colocando na sua bolsa- Ah, Khanya, você pode ...

- Sim, posso arrumar- respondo já sabendo o que ela iria perguntar.

- Obrigada, filha. Não esqueça sua chave. Deixei uma lista com algumas coisas pra você comprar. Muito cuidado por aí, tem gente sumindo. Tenha um ótimo primeiro dia - Fecha a porta e escuto a mesma ser trancada.

- "Ótimo primeiro dia"...haha. - Dou risada.
O primeiro dia no colégio é igual a todos os outros do restante do ano, a diferença é que tanto alunos como professores podem faltar e não levam falta.
Então por que eu vou? Bom, esse ano é a reabertura da biblioteca, não quero perder.

Levanto e começo a recolher as garrafas e papéis espalhados. Pego a lista de compras e guardo na mochila.

Ao sair de casa, recebo alguns olhares estranhos dos vizinhos.

- Ei, é ela a filha daquela mulher?

- Aquela que ...

- Pobre menina. Nem pra ter uma mãe decente...

- Bom dia, senhoras - Digo passando por elas.

- Ah, bom dia, Khetlen- Me responde levando um susto.

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⏰ Última atualização: Oct 29, 2021 ⏰

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