Capítulo 4 - ji pov

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De madrugada, comecei a ouvir alguém chorando bem baixinho. Era um choro abafado e cheio de soluços, por mais que a pessoa estivesse dando seu máximo para que o som saísse quase mudo.

Primeiro pensei que fosse coisa da minha cabeça, mas depois me dei conta de que o choro era de verdade. E estava saindo daquele cômodo.

Me virei lentamente na cama para conseguir ver ela. Estava de costas para mim, encolhida no meio do edredom.

Fiquei a observando por alguns minutos. Fiquei repassando na minha mente a nossa conversa depois do banho. Não sei se acabei falando alguma coisa errada. Eu nunca tinha a visto falar mais de uma frase de uma vez só antes, então achei que finalmente a conversa ia fluir. Mas não foi bem assim. Ela acabou parando do nada e foi dormir. Não era para eu ter ficado surpresa, já que ela era fria daquele jeito mesmo, mais sei lá, por um segundo eu pensei que naquele momento ia ser diferente.

Queria me levar e perguntar oque estava acontecendo, mas estava com receio. Nessas horas a gente só quer ficar sozinho. Mas tudo teria sido diferente pra mim, se pelo menos uma pessoa tivesse me escutado e apoiado.

Ela precisava de ajuda e eu estava a poucos centímetros de distância.

Tirei o edredom de cima das minhas pernas e me levantei da cama. Caminhei lentamente até a dela. Achei melhor chamar a sua atenção antes de falar qualquer coisa do nada, então estiquei me braço para tocar seu ombro direito, mas não adiantou muito. Ao sentir minha mão, ela se virou rapidamente em um pulo, assustada.

- A gente não tá mais lá. Fica calma, ninguém vai te atacar. - sussurrei.

Ela limpou rapidamente as lágrimas que ainda escorriam pelo rosto e se virou de novo.

Ficamos alguns segundos em silêncio.

- Oque aconteceu? - perguntei calma.

- Nada. - respondeu seca, forçando a voz para parecer o mais normal possível.

- Eu ouvi você chorando.

- Me deixa em paz. Vai voltar a dormir, vai. - respondeu depois de alguns segundos.

Me calei e sentei no chão, com as costas apoiadas na cama dela. Eu estava preocupada, mas sabia que tinha que ir com calma. Eu não podia insistir. Depois de alguns minutos de silêncio, abri a boca de novo. Não desistiria tão fácil assim.

- Para de fingir que tá tudo bem quando não tá. Sei que você sabe que só vai piorar.

O silêncio se instalou no ar de novo e dessa vez foi por mais tempo. Como não sabia se ela ia falar mais alguma coisa ou não, comecei a me ajeitar para dormir no pé da cama. O piso do quarto era coberto por um daqueles tapetes felpudos bejes, então não era tão ruim assim. Desde que não fosse pisotiada pela manhã, iria ficar tudo bem.

Já estava quase pegando no sono quando ouvi ela se mexendo De repente, vejo sua figura se sentar do meu lado. Ela me entregou um dos travesseiros e colocou o outro no chão para se deitar, sempre de costas para mim. Eu esperava por tudo, menos por isso.

- Foi mal. - sussurrou ela depois de alguns minutos, com a voz rouca - Você tá brava?

- Se eu tivesse, pode ter certeza de que não estaria aqui deitada no chão com você e sim na cama de outro quarto. - eu disse, brincalhona.

- Certo. - disse ela, soltando uma risada nasal - Eu não queria ter te acordado. Devia ter descido lá pra sala.

- Não tem problema. - disse, esperando ela dizer mais alguma coisa. Como não disse, perguntei. - Não vai me falar mesmo?

Ela suspirou e se deitou de barriga para cima. Mesmo no escuro, pude enxergar um pouco do seu rosto. Estava um tanto vermelho e seus lábios estavam inchados.

- Eu tava pensando no meu irmão e na minha mãe. - disse ela, com a voz falha. Uma lágrima solitária escorregou pelo canto de seu rosto, até cair na fronha branca do travesseiro. Me entresteci. Então esse era o motivo.

- Quer compartilhar?

Ela respirou fundo e depois de alguns minutos começou a falar.

- Minutos antes da minha morte, fiz um pedido para Gi-Hun. Pedi para ele prometer que cuidaria do meu irmão para mim, caso conseguisse sair vivo. - ela disse, finalmente olhando para mim. Seus olhos estavam cheios d'água. - O problema é que ele nunca chegou a falar "eu prometo". - completou e as lágrimas começaram a cair.

Me virei e fiquei de bruços no tapete, me aproximando mais dela. Sequei levemente suas grossas lágrimas com a ponta dos meus dedos.

- Ele é um homem bom. Tenho certeza de que está cumprindo a promessa neste exato momento. - disse, tentando amenizar a situação. Realmente era uma desgraça. Uma tragédia.

- Mas eu nunca vou ter a certeza. Eu morri sem ouvir ele prometendo e meu irmão não tem mais ninguém além de mim. Ele só tem 10 anos  Ji-Yeong. É só uma criança. - disse, chorando mais ainda.

- Vem cá - Sentei no chão e fiz ela deitar a cabeça no meu colo. Seus fios pretos estavam grudados em sua bochecha, então os afastei.

- Eu prometi pros meus pais que ia sempre tomar conta dele. - sussurrou - Quando minha mãe foi pega pelos agentes de segurança da China na fronteira, ela me fez prometer que eu ia cuidar dele. Independentemente de qualquer coisa, eu sempre estaria do lado de Cheol.

Ela virou a cabeça pra cima e me olhou.

- Eu prometi que iria trazer minha mãe de volta e voltar para buscar ele no orfanato, mas eu falhei. Eu falhei com todo mundo. - disse, esfregando o rosto com as mãos.

- Ei, não diga isso. Você sabe que fez o possível e o impossível para conseguir. - disse afastando suas mãos de seu rosto.

Seus olhos estavam desolados. Eu não me arrependia nem um pouco de ter morrido por ela e por sua família. Ela era a única que realmente merecia ter saído de lá.

- Eu não vou ver ele crescendo... não vou participar da vida dele. E se ele crescer pensando que eu o abandonei? - perguntou, com os olhos arregalados. Meu coração se apertou. Por muito tempo, ela foi praticamente uma figura materna para o irmão. Era como se uma mãe tivesse perdido seu filho. Eu sabia bem como era isso. Eu era uma filha que tinha perdido a mãe.

- Não, não, não. Ele não vai pensar isso. Ele te conhece e sabe que você nunca seria capaz. - falei, dando um meio sorriso - Você lutou até o último segundo de vida. Eles ficariam muito orgulhosos de você. Todos eles. Principalmente Cheol.

- Você acha mesmo?

- Claro! Não é todo mundo que tem uma irmã guerreira dessas.

Ela sorriu de lado e ficou me olhando. Ficamos assim por alguns minutos, até que seu rosto começou a se fechar novamente.

- Eu que morri, mas é como se eles tivessem morrido. Eu perdi eles. - sussurrou - Obrigada por estar aqui comigo. - disse, esfregando os olhos.

Sorri para ela e comecei a acariciar seus curtos fios.

- Minha mãe fazia isso quando eu era pequena. - disse, fechando lentamente os olhos.

Ela logo pegou no sono. Seu rosto ainda estava úmido e vermelho. Mesmo com as pálpebras pesadas, me forcei a ficar por mais alguns minutos acordada só para analisar seus traços. Ela era diferente. Parecia uma obra de arte.

Ela não merecia passar por aquilo. Merecia ser feliz. E eu ia garantir isso.

𝕋𝕠𝕘𝕖𝕥𝕙𝕖𝕣 𝕒𝕘𝕒𝕚𝕟- 𝕊𝕒𝕖-𝔹𝕪𝕖𝕠𝕜 𝕒𝕟𝕕 𝕁𝕚-𝕐𝕖𝕠𝕟𝕘  Onde histórias criam vida. Descubra agora