Capítulo único

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— Qual a importância do mito em uma sociedade? — o professor perguntou enquanto sentava-se sobre a mesa que lhe era designada. Nós, alunos, assustamos, ele era muito novo e tinha coragem de sentar na mesa? 'Tá, é a faculdade? Sim, mas esse aí não tinha medo de morrer pelas mãos do reitor. — Vamos, eu não fiz uma pergunta retórica.

Ele passou os olhos pelo pequeno auditório que a sala parecia e os travou em mim. Senti meu corpo inteiro suar frio, os olhos negros como uma noite sem luar eram estranhamente inquisitores.

— Nenhuma? Já que é um mito? — uma voz atrás de mim se pronunciou.

— Você está errado. Eu vou contar uma história 'pra vocês e então a resposta estará clara — ele pausou seu discurso. — Tupã, o Deus Trovão da religião ameríndia tupi-guarani, criou o Sol para iluminar sua tribo e trazer vida à natureza. Ele ia do leste ao oeste e refazia seu caminho, iluminando as tribos em um dia que nunca acabava pois não havia a noite. Um dia, Tupã desceu à Terra para caçar e um índio curioso tocou o Sol, estilhaçando-o completamente — deu uma pausa para respirar, correndo os olhos pela sala e logo voltou a contar a história:

— Tupã enfurecido, recriou o Sol, mas agora ele andava somente do leste para o oeste e quando ele completava seu percurso a Terra caía em uma escuridão nunca antes vista pelos índios. O Deus Trovão, viu o medo espalhar-se entre suas criações e, por misericórdia, criou a Lua, que iluminava parcialmente a noite acalmando os corações dos nativos, assim como velava o descanso dos nativos — parou novamente dessa vez para colocar um dos pés sobre a mesa, repousando o braço sobre o joelho flexionado. — Assim é contada a origem da noite pelas tribos de descendência tupi-guarani na América do Sul. O mito é um resquício de uma religião e é sim essencial para uma sociedade, por isso você está errado, mas eu quero saber a importância dele, alguém arrisca?

— Explicar o mundo? — uma garota de cabelos curtos e pretos respondeu com um tom de dúvida.

— Sim, desenvolva essa ideia por favor.

— Os mitos explicam ações naturais e eventos sociais. É 'pra isso que eles servem.

— Sua resposta não está errada, mas não está completa, falta uma coisa essencial na sua explicação — disse olhando para ela, virando-se para os outros alunos perguntou: — Por quê? Sim, eles explicam ações naturais e convenções sociais, mas qual o motivo?

— O medo — meu pensamento escapou em uma fala alta, arregalei os olhos levemente, quando o professor Min olhou-me, fazendo um simples gesto para continuar com a minha resposta. Tremi na base, estava desacostumado a ter tanta atenção assim e de repente virei o centro das atenções na primeira aula do semestre. — O medo é a origem do mito, ele serve 'pra atenuar… Amenizar o medo diante das ações naturais. — parei, tentando montar uma linha de raciocínio coerente em pouco tempo. — O ser humano tem medo do desconhecido, hoje temos a capacidade de explicar a natureza de maneira científica, dissociando elas de ações divinas. — Respirei, recuperando o fôlego. — Mas, na falta da tecnologia, nós criamos mitos, histórias explicando o mundo, deixando-o menos assustador.

Ele estreitou os olhos para mim, analisando-me de modo minucioso. Retraí sob o olhar dele, escondendo-me precariamente sob o casaco preto que eu usava. Senti o rosto corar e vi o óculos embaçar, minha timidez não queria ceder de maneira alguma.

— Está certo. — Ele sorriu de modo fofo, correndo o olhar pela sala. — É exatamente essa resposta que eu queria, qual o seu nome? — Os olhos felinos dele cravaram nos meus.

— J-jeon Jeongguk, professor.

— Sua resposta foi precisa, Jeon-ssi. — Ele levantou da mesa dando passos lentos pelo pequeno palco onde estava a mesa no centro e na parede atrás dela o quadro negro. — O mito serve para diminuir o medo sobre os eventos naturais. Eu vou contar a origem da via Láctea para vocês sob a percepção mítica dos gregos. A origem das estrelas no céu é atualmente explicada pela astrologia como corpos que à partir de reações químicas, emitem luz. Mas na antiguidade não havia essa compreensão dos astros, eles tinham medo de que os pontinhos brilhantes do céu resolvessem cair sobre a cabeça deles, um exemplo de estrela cadente, e muitos outros temores. — Ele riu de sua própria fala, continuando a história:

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