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A carruagem real seguia rumo ao castelo, estavam voltando ao seu reino depois de anos longe de casa, estudando tudo sobre uma vida real, principalmente a princesa, pois era a próxima sucessora na fila do trono. Ela era tratada diferente de seu irmão, desde que seu pai quebrou as leis de que apenas homens poderiam ocupar o trono real, fazendo-a ser a próxima a governar Lastros, um grande e lindo país. Aurora e Cherry tiveram que sair às pressas após saber que seu pai estava doente, infectado por uma doença nova e quase desconhecida, que vinha tomando várias pessoas de seu país, e que eles teriam de estar presente caso algo grave acontecesse ao rei, para que o herdeiro assumisse ao trono em seu lugar. O rei Elton os havia deixado nas mãos de anciãos da montanha que lhes ensinavam tudo que haviam de saber para serem bons governantes. Era uma escola especializada apenas para a realeza. Príncipes e princesas de vários lugares do mundo iam até lá para estudar com os anciãos. Ensinavam-nos a melhor maneira de governar um país, davam-lhe fragmentos de sabedoria para que soubessem lidar com os piores problemas políticos de seu país, para que não levassem seu reino à falência como o rei o vinha fazendo com impostos muito altos e várias festas reais, para que sua popularidade entre outros reis fosse maior. Elton vinha sendo muito medíocre nos últimos anos.

— Acho que vai gostar de nos ver.— A atenção do menino fora voltada para a princesa.— Acho que papai sentiu saudades. Talvez seja por isso que estamos voltando mais cedo para casa. O que acha?

A enorme vontade de revirar seus olhos não o deixava, o garoto não suportava sequer ouvir a voz da irmã, e esse ódio todo vinha de sabe que ao quebrar a lei, seu pai o havia posto atrás de sua irmã mais velha, para possuir o trono. Cherry queria ser o rei. Não conseguia descobrir como Aurora conseguiu guardar tanta doçura dentro de si, mesmo tendo crescido longe de seus pais, mesmo tendo sido criada por anciãos rígidos e rabugentos que lhes puniam severamente quando erravam. E Cherry sofreu muito nas mãos deles por sua arrogância, isso o tornou ainda mais cruel. O adolescente inclinou levemente a cabeça na direção da pequena janela, controlando a vontade de bufar.

— Ele é um rei!— Quase cuspiu as palavras com ódio.— Pensa mesmo que perderia seu tempo sentindo saudades de nós? Deve ter tantos afazeres que sequer lembrou-se de nossa existência.

A carruagem balançava de um lado à outro, sacudindo seus estômagos vazios enquanto era puxada por cavalos. Já haviam saido de dentro da floresta, estavam muito próximos de adentrar o reino e o povoado ao seu redor, eles se aproximavam dos portões da cidade. Aurora sentia um leve antojo pelo balançar do veículo. Ela sabia sobre a doença que atingiu seu país, mas sequer imaginava que seu pai havia sido acometido por ela.

— Eu penso o contrário.— Ela quase cochichou, mas encarou o irmão com positivismo.— Penso que com a morte de mamãe, papai deve ter se sentido sozinho e por isso pediu para que voltássemos ao castelo.

Cherry riu descaradamente com a resposta ingênua e bondosa da irmã. Ao seu lado, Felícia, a principal dama de companhia de ambos, o olhava com repreensão, mas não surtia efeito no príncipe. Delicia não entendia como Cherry poderia ser tão maldoso com a irmã, mesmo sendo severamente advertido pelos anciãos durante tantos anos.

— Todos sabemos que foi Elton quem mandou matar a nossa mãe!— Bufou.— Ele a mandou para a forca injustamente e deve estar mandando nos chamar para fazer o mesmo, já que segundo ele, mamãe o traiu.

— Não foi bem assim que aconteceu...

A garota tentou argumentar, mas nada do que dissesse tiraria a culpa que seu pai tinha por ter mandado matar sua mãe. Ela bufou quando percebeu que seu irmão sequer prestou atenção à sua última frase. Cherry se sentia revoltado por não ter crescido ao lado dos pais, por tê-los visto poucas vezes e quando finalmente estava perto de sair do internato e ficar perto de sua mãe, descobre que seu pai e rei ordenou sua execução por alta traição. Segundo boatos, ela, junto com seu amante  teria tentado o envenenar para tomar conta de seu reino. O rei Elton August não teve outra alternativa a não ser cumprir a lei e pedir sua execução pública ao lado do segundo traidor.  No entanto, Cherry não acreditava que a mãe poderia ser alguém tão ruim, apesar de saber que a ideia de não ter os filhos por perto tinha vindo dela e que todas as vezes que a viu sequer recebeu um abraço ou teve sinais de seu amor de mãe. Um outro motivo para ser tão amargo e aborrecido, era porque quando saiu de Lastros, ele era o sucessor do rei, mas então, de repente descobriu que não seria mais assim e teve que ver sua irmã tomar seu lugar, um lugar que ele julgava ser seu por direito.

A carruagem continuava seguindo rumo ao castelo, já estava dentro do reino, aproximando-se cada vez mais, passando por casinhas e comércios espalhados pela cidade. Então a menina decidiu abrir as cortinas de sua pequena janela e olhar para seu reino, o lugar que moraria a partir daquele momento. Ela encarou o lado de fora, vendo pessoas andando de um lado a outro, alguns comerciantes vendendo seus produtos debaixo de pequenas barracas, clientes por todos os lados, analisando seus produtos de interesse. Mas o que chamou sua atenção não foi aquilo, ela percebeu que apesar de vários estarem de um lado a outro gastando seu dinheiro, haviam também muitíssimas pessoas necessitadas financeiramente, mendigos e pedintes completamente desprezados e humilhados. Eles imploravam por um pedaço de pão. Aquilo a quebrou por dentro. A primogênita pensou que se um dia assumisse o trono, não gostaria de ter mendigos em seu reino, ela queria acabar com a miséria.

— Por que há tantos que não têm o que comer?

Perguntou à sua dama de companhia ao seu lado, sentindo a boca amargar pela dor de não compreender como uns tinham tanto, enquanto outros não tinham nada. Ela se sentia mal por estar bem vestida, nunca ter sentido fome e ter sempre uma roupa para cada acontecimento.

— A miséria é algo inevitável em qualquer reino, querida.

— A miséria é algo injusto, Clara. Por que temos que ter tanto enquanto outros não tem nada?— Ela suspirou.— Não deveria ser assim. Vê como são desprezados por aqueles que têm?

— Quer trocar de lugar com algum deles, querida irmã?— Cherry intrometeu-se.— Se não é grata pelo que tem, poderia dar aos pobres, vê-los gastar até o último centavo indevidamente e se tornar um deles, o que acha?

Clara e Felicia sentiram-se ofendidas pelo comentário. Elas vieram de famílias muito pobres, não tinham o que comer e cada centavo que entrava era usado para coisas necessárias, eles não gastavam indevidamente como comentou o príncipe.

— Não seja indelicado com sua irmã.

— Não se torna indelicadeza quando se está falando a verdade, Clara.— Rebateu.— Veja.— Ele mudou o assunto, olhando pela janela.— Chegamos.

A carruagem parou por um momento e então o portões do Castelo foram abertos pelos guardas altamente treinados para proteger o grande e luxuoso castelo. Eles logo voltaram a ser carregados portão adentro até que chegaram finalmente o mais perto possível da grande escadaria que levava até a entrada. As damas de companhia foram as primeiras a descer do veículo e mantiveram a porta aberta para que Cherry descesse seguido de Aurora. Ambos caminharam elegantemente, subindo degrau por degrau, cada um com sua dama de companhia na retaguarda. A cada passo que dava Aurora se sentia mais ansiosa e ao mesmo tempo com medo do que a esperaria atrás daquelas portas. Ela sabia que seu pai não era nada do que idealizou, que seria diferente de tudo o que pensou. Ele não era um homem bondoso e compassivo que cresceu imaginando, mas era tão positiva que pensava que um dia o homem poderia mudar. As grandes portas foram abertas, Cherry seguiu para dentro de cabeça erguida, finalmente estava em sua casa e agora seria capaz de fazer o que fosse preciso para se tornar rei, mesmo que para isso tivesse que sujar suas mãos. Sua jornada acabara de começar. Aurora por sua vez, antes de adentrar o castelo, olhou para trás, vendo algumas pessoas paradas lá, olhando pelas grades dos portões, elas encaravam a futura rainha entrar, imaginando que finalmente lhe daria um reino melhor assim que seu pai morresse. Todos da cidade sabiam da doença do rei, a doença que vinha matando muitas pessoas havia acometido Elton e era desejo das pessoas que ele falecesse e então, finalmente teriam alívio pelos tão altos impostos.

— Vossa alteza?— Clara chamou sua atenção.— Vamos, temos muito a fazer. Seu primeiro dever como sucessora do rei é ser a primeira a ir vê-lo em seus aposentos. Depois disso, iremos até a sala do trono, há questões políticas a serem resolvidas.

— Tudo bem.— Suspirou, encarando o interior do Castelo.— Eu consigo.— Deu um passo, entrando finalmente no castelo.— Vamos, Clara.

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⏰ Última atualização: Jun 19, 2022 ⏰

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