Creio que não possua lembranças minhas, no entanto, isso torna tudo um pouco mais agradável. Venho a ti por meio desta carta somente agora, pois tentei alcançar-te de outras maneiras um tanto mais sutis, portanto não me culpe pelas palavras que lera a seguir. Acredite, eu tentei.
Há quanto tempo quero lhe dizer tudo isso, eu o conheço e sei que não possui ruindade em todos os teus atos, afinal, estão todos sobrevivendo a cada dia. Mas por que não te contenta? O que eu não vejo? O que é tão precioso que lhe causa ganância e egoísmo, faz-te perder a noção do próximo, uma cegueira de avareza.
Como está sujo filho: imundo, desprezível e desonrado. Não queria eu contar-lhe isso, mas não escuta teus irmãos. Eu ofertei a ti irmãos próximos, lhes concedi amor, e mesmo assim eu vejo o sangue em tuas mãos! Não obstante ouço os gritos de teus irmãos e irmãs. E como filho! Como ousas dirigir a eles tamanho desprezo e repugnância?
A causa disso é sua pele? Ou teu bolso? Talvez seu gênero? De certo, seus desejos carnais? É tão triste para mim lhe observar queimar tua pureza assim... Mas tua hipocrisia é teu maior defeito, o chama de Javé e mostra aos outros a glória deste, mas maltrata teu irmão por chamá-lo de Alá. Tenho condolências a ti, meu filho, pois terei de acompanhar sua carne ser dada sem piedade aos vermes das profundezas. Já a tua essência? Apenas espero que teus irmãos mais próximos não esqueçam seu nome.
Eles mentiram para você, ninguém precisa morrer. São todos iguais, iguais no nascimento, na justiça dos homens e na morte. Não te preocupa em ser melhor, pois o pior é inexistente. Não te preocupa em ser bonito, pois nunca será. Jamais! Afinal não existe comparação, não existe termômetro, base, nada... És único e semelhante, não peço que entenda. Apenas que reconheça sua miséria e os teus infortúnios. Pois ninguém precisa morrer, nem ele, nem ela, nenhuma vida precisa escorrer por suas mãos... Escuta-me, pois estou cansada.
Eu vi vocês levando aos poucos quando pequenos, mas conforme crescia a malícia, crescia sua sede, a sede de ti e dos teus irmãos. Sempre brigando, sempre sujos. Não importava o quanto tinham sempre precisavam de mais, cobiçando pessoas como desejavam ouro, rejeitando como o mar rejeita a areia apesar de saber que ela é sua base. Isolando o comum, tornando bizarro o prazer, cercando suas ovelhas que desde filhotes são criados para rejeitar e classificar. Mas a escolha era de vocês. Eu nunca interferi, mas eu estava lá, nem sempre para cuidar, às vezes para tirar é verdade. Entretanto o grande estrago nunca foi minha culpa. E quase sempre havia sangue no chão, quase sempre havia mentiras nas entrelinhas, constantemente mais e mais. Maldita ambição que corrói a cada dia mais o coração de meus filhos! Mas eles permitem, existem almas boas como existem cruéis, mas já não posso suportar...
Encarecidamente, Mãe
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Assinado Mãe
KurzgeschichtenImagine uma carta endereçada a você. Não importa quem você é, essa carta é para você.