Nascer implica a façanha de ser antes de tudo um campeão. Pelo menos foi o que disse-lhe Mary, sua psicóloga. "Tenha orgulho de seu troféu da vida. Você vendeu a batalha. Você é um vencedor. Você é único", repetia-lhe insistentemente em todas as sessões.
Desde o primeiro momento, era impossível para Adriano ignorar os dentes pequenos e amarelados de cigarro que ela insistia em deixar à mostra, como se estivesse aprendendo a sorrir. Isso era horrível para ele, pois essa imagem parecia fixa em sua mente mesmo horas após a consulta.
Adriano fingia ouvir aquela frase com a curiosidade habitual que apresentava para as questões que despertavam seu interesse. Na verdade, identificado tardiamente como portador do espectro do autismo, com o diagnóstico de Síndrome de Asperger, internamente ele se perdia nas imagens que o comentário de Mary era capaz de produzir .
Aquelas palavras estimulavam a produção de um filme em sua mente - e ele era capaz de pensar detalhadamente em cada etapa, desde sua concepção até o momento derradeiro de seu nascimento, comportamento que provavelmente era a razão de seu déficit de atenção. O cérebro de um autista é fascinante, ouvia constantemente daqueles que tomavam conhecimento de sua condição.
A questão era que Adriano não se sentia campeão. Na verdade, nem mesmo sequer vice-campeão, já que era gêmeo. Será que deveria dividir o troféu com seu irmão? Ou será que haveria um troféu para cada um? Quem veio depois roubou o troféu que seria do que viera primeiro? Seja como for, depois de conhecer Mary, a "mochilinha" de Adriano (outra ideia que lhe apresentara juntamente com seus dentes pequenos e amarelados) ficou pesada com a presença daquele troféu.
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Apenas eu
Teen FictionSer adolescente já é condição suficiente para se experimentar uma quantidade sem fim de problemas. Quando esse jovem é autista, parece que os desafios se intensificam. Adriano é um jovem autista de 17 anos que se sente diferente. Apesar de ter intel...