Capítulo 8

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Alina Jones

A música sai pelos fones enquanto ando pelas ruas de Nova York, conhecendo mais meu bairro.

Hoje é domingo e, desde o último acontecimento com Ethan, não falei mais com ele sobre o assunto, e muito menos ele. Achei até estranho... Ele estava tão decidido em me fazer mudar de ideia e, de repente, nem falar comigo direito.

Nesses últimos dias ele parecia estar prestes a explodir de raiva, quando nos esbarrávamos nos corredores da empresa, vi que havia um machucado no seu supercílio e sua bochecha parecia arroxeada, deve ter sido do dia do assalto, o assaltante provavelmente revidou e eu devo não ter notado.

   Avisto um parque repleto de famílias e crianças com seus animaizinhos, ou algum doce na mão. Uma cena tão comum que nunca tive a oportunidade de vivenciar.

   Compro um cachorro-quente que estava à venda logo que adentro a área, sento-me no banco e observo ao redor curtindo a brisa meio gélida de outubro.

   Penso em como minha vida está gradualmente melhorando. Apesar de meus pesadelos não largarem minha mente, consigo sentir que tenho uma esperança.

   Me mudei, consegui um emprego, particularmente, bem rápido, num bom lugar e um bom salário. Minha casinha ainda está em processo de mudança, mas aos poucos, está ganhando minha personalidade.

   Não é fácil, a vida de um adulta. Contas, estresse, deveres, responsabilidades. Não que eu já não entendia disso antes de me mudar, pelo contrário, eu  comecei a trabalhar muito cedo, ajudava minha mãe a pagar as contas, e entendia muito como era trabalhar para se sustentar.

   Mas antes eu tinha um apoio, mesmo que não estar 100% do meu lado, ou ciente do que estava acontecendo ao seu redor, eu tinha minha mãe. Era um dor ver ela se definhando naquele mundo, se afundando cada dia mais e eu sem poder fazer nada.

   Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que não podem ser ajudadas, tem que acontecer de dentro para fora.

   Mas ela não queria ser ajudada, eu tentei, tentei muito. Fui do céu ao inferno para encontrar maneiras de tirá-la disso tudo. Mas não foi suficiente e eu não deixaria isso me afetar.

   Eu não iria conseguir sair de lá com ela. Aquilo virou seu ponto de conforto, ela aprendeu a viver com isso, então eu fui embora, sem olhar para trás. Sozinha.

   Todo mundo fala sobre se curar, sobre superar as dores, sobre amadurecer com os machucados... Mas o que ninguém fala é que você estará sozinho nesse processo. É você quem vai cuidar das suas dores, é você quem vai estar lá, do teu próprio lado, tentando reerguer tudo sozinha.

   Disperso as memórias que insistem invadir meus pensamentos e enxugo a única lágrima que ousou escapar de meus olhos.

   — Não esperava lhe encontrar por aqui, senhorita Jones. — Alguém fala puxando um lado do meu fone, me assustando.

— Jesus. — Ponho a mão no meu peito murmurando para mim mesma.

Ele se da a liberdade de se sentar ao meu lado, e continua a falar:

— O que faz por aqui? — Pergunta visivelmente curioso.

— Apenas conhecendo os arredores. — Falo olhando para frente, e continuando a comer minha comida — E você? — Retruco mais curiosa ainda, não consigo imaginar um brutamontes desses fazendo uma caminhada de fim de tarde em um parque.

— Estava em uma reunião, em um restaurante aqui por perto, precisei sair para respirar um ar fresco. — Sinto tirar seu olhar de mim e focar em algum ponto a sua frente — Me desculpe. — Ele murmura tão baixo que quase não ouço.

— Como? — Olho para ele confusa.

— Não se faça de sonsa, você ouviu. — Ele revira os olhos.

— Eu ouvi, só não entendi o motivo das desculpas. — Respondo no mesmo tom arrogante dele.

— Não devia ter insistido nenhuma ação quando você estava visivelmente bêbada... apesar de parecer querer muito aquilo. — Ele fala a última parte baixo e meio inconformado.

— Eu não estava agindo conscientemente. — Falo entredentes começando a ficar com raiva.

— Enfim, como você disse, estava bêbada, então vamos apenas esquecer aquele ocorrido, ok? — Fico surpresa com o que diz — Não quero ter um relacionamento ruim com minha nova secretária, então vou respeitar sua decisão.

   — Uau. — Minha sobrancelhas se elevam — Que bom que pensa assim, não queria ficar naquele clima chato toda vez que nos encontrássemos.

    Ele apenas acena me encarando meio, curioso? Desvio meu olhar e foco nas crianças brincando no parquinho.

Sinto ele se levantar quando fala por fim:

— Certo, senhorita Jones. Vejo você amanhã. — Ele cruza os braços atrás do corpo, curvando-se levemente em um aceno de despedida e começa a voltar por onde veio.

E imaginar que, eu pensei que uma caminhada não iria melhorar nada. Esse dia só está ficando melhor e melhor, e eu agradeço muito por isso. Minha vida sempre foi um inferno, mas acho que até o diabo se cansa de atormentar a alma de pessoas as vezes.

   O frio me abraça da noite que começa a surgir, encolho-me no casaco fino que botei mais cedo.

   Levanto-me e ligo novamente a música no meu celular. Taylor Swift canta em meus ouvidos e um arrepio involuntário se transforma na minha coluna.

"E eu sei que isso foi há muito tempo
E que não havia mais nada que eu pudesse fazer
E eu esqueço de você por tempo suficiente
Para esquecer a razão de precisar te esquecer
(...)
E talvez nós tenhamos nos perdido na tradução
Talvez eu tenha pedido demais
Mas talvez isso fosse uma obra prima, até você rasgá-la por completo
Correndo assustada, eu estava lá
Eu me lembro disso tudo muito bem"

    Tem certas coisas que parecem que foram feitas para você, ou aparecem no momento certo. Essa letra faz meus olhos marejarem por voltar nos pensamentos, sem querer, que tive mais cedo, da minha mãe.

   As vezes queria saber o porquê que nunca tentou me achar, porque não me ligou quando sai. Eu pensei em voltar, tantas vezes, que parece um crime dizer a quantidade. Eu queria saber como ela está passando, sem me ter para ajudá-la quando desmaiava desacordada, quando vomitada as tripas para fora... E apesar de me criticar quando não fazia seus gostos, ela tinha momentos mais "sóbrios" que eu sei, que lá no fundo, ela gostava de mim.

    A música é interrompida por uma chamada repentina, e eu olho para cima piscando repetidamente para que as lágrimas sequem.

   — Alô? — falo ao atender.

   — Boa noite. Você tem algum parentesco com senhora Margaret Jones?

    Um pressentimento ruim sobe pelo meu corpo e respondo acanhada. E nada no mundo, me prepararia para o que a mulher me falou em seguida.

   — Sim... Eu sou filha dela.

   — Bom, sua mãe deu entrada no hospital Downtown esta manhã. Ela sofreu uma overdose devido a mistura de drogas ilícitas o que causou um infarto, e agora se encontra em coma induzido.

  

InfernumOnde histórias criam vida. Descubra agora