Sasuke torceu o nariz, como costumava fazer quando algo o incomodava. Na mesa de jantar apenas o barulho dos talheres podiam ser ouvidos, e, vez ou outra, alguns suspiros irritadiços de sua mãe.
Pareciam três estranhos jantando, ou que comiam após um funeral. Funeral este de seu irmão, que estava enfiado na casa do namorado há exatos cinco dias.
Do contrário de si mesmo, que não costumava levar desaforo pra casa e gostava de resolver os problemas mesmo que com isso arrumasse ainda mais confusão pelo caminho, sabia que o irmão era o seu extremo oposto.
Itachi era a verdadeira personificação do "Deixa disso", adotando muitas vezes a política do mínimo esforço e engolindo quantos sapos fossem necessários se isso significasse ter um pouco de paz. Ele preferia fingir que não viu, não ouviu, empurrando com a barriga o máximo possível.
Quando a situação se tornava insustentável, entretanto, ele simplesmente se afastava, se recolhia em seu próprio mundo. E Sasuke tinha certeza de que aquela era exatamente uma daquelas hipóteses.
Ele só se perguntava o que teria acontecido de tão terrível para que, ao invés de se esconder em seu quarto como de costume, o irmão saísse de casa. Isso nunca tinha acontecido antes.
Por isso, decidiu que era a hora de acabar com aquele silêncio de uma vez por todas:
— O que foi que vocês fizeram com o Itachi?
E embora a pergunta fosse direcionada para os dois adultos ali, apenas um deles foi vítima do olhar cortante e acusatório do mais jovem.
Fugaku soltou os talheres no prato. Não bastasse o olhar da esposa, agora tinha também o do filho.
— Eu só espero que você conserte o que fez. — Mikoto falou antes que se retirasse da mesa após um pedido de licença.
— Não vai terminar de comer? — Foi tudo o que Fugaku conseguiu perguntar antes que Sasuke fizesse exatamente igual à mãe.
Com exceção do pedido de licença, obviamente.
A mulher lavava o próprio prato e tinha uma carranca idêntica à do filho caçula em seu rosto bonito. Estava tão perdida em sua própria irritação que nem ao menos notou quando Sasuke adentrou a cozinha.
— O que o pai fez com ele?
Mikoto sorriu. Os filhos tinham aquele efeito sobre ela. Não importa o quão irritada estivesse, sempre se renderia aos encantos de Sasuke e Itachi. Ainda mais quando notava a bonita relação de cumplicidade dos irmãos.
Sempre protegiam um ao outro, custe o que custar. E até mesmo sem conhecimento do que quer que tivesse acontecido.
— Pergunte ao seu irmão. — Ela disse com os olhos fixos no prato de Sasuke, que tomara para lavar.
— É tão ruim assim? — O adolescente franziu a testa preocupado.
A mãe colocou os pratos no escorredor. Parecia embaraçada enquanto pensava no que dizer, e aquilo só serviu para deixar Sasuke ainda mais intrigado.
— É… Pessoal, meu amor. — Ela sorriu, um rubor mínimo colorindo as bochechas brancas.
Mas o que é que estava acontecendo ali, afinal?
Algo não estava certo.
Era o pensamento que rondava a cabeça de Shisui nos últimos dias. No primeiro, estranhou a mochila nas costas do namorado quando este chegou ao seu apartamento, no segundo dia adorou o fato de tê-lo nos braços mais uma noite para que dormissem juntos, mas foi no terceiro dia que realmente passou a se preocupar, de fato.
Não fazia o tipo de pressionar. Na verdade, nem via tal necessidade, já que sempre tiveram uma relação de companheirismo e diálogo. Agora, entretanto, quando alcançavam o quinto dia seguido, Shisui sentia que precisava fazer algo a respeito.
Em três anos de relacionamento, Itachi nunca passara mais de dois dias seguidos em seu apartamento. Era muito ligado à família e principalmente ao irmão caçula, de modo que não tinha o costume de ficar tantos dias fora de casa.
Dividido entre questionar ou não a respeito, só percebeu que já o tinha feito, e da pior forma possível, quando Itachi levantou os olhos para si, parecendo zangado:
— Eu não estou entendendo, Shisui… — Ele começou, e apenas o tom de voz passivo agressivo já lhe dizia que vinha tempestade por aí — Você quer que eu vá embora, é isso?
E foi assim que agora dormiam um de costas para o outro, Shisui revivendo toda a discussão enquanto tentava dormir. Já eram quase duas, e ele tinha certeza que não conseguiria adormecer tão cedo.
Seria uma longa noite.
Para o total desgosto da família tradicional do marido, Mikoto podia ser chamada de qualquer coisa, menos de uma esposa submissa. Dotada de personalidade forte, tomava conta de qualquer lugar, seja ele a sua casa ou a sua delegacia, onde mantinha seus subordinados a rédea curta.
Naquela manhã de domingo não foi diferente quando, após um cutucão indelicado para que acordasse o homem ao seu lado, deu-lhe um ultimato:
— Vá falar com Itachi e não ouse voltar pra casa sem o nosso filho! — Ela disse para um Fugaku ainda grogue de sono, com direito a remelas e um filete de saliva escorrendo pelo queixo quadrado.
Ah, as maravilhas da intimidade.
Sem saída, tudo o que o homem fez foi obedecer, saindo de casa às pressas e sem nem ao menos fazer o desjejum. Seu destino? A casa do genro. Só esperava não ser expulso de lá a pontapés.
E que Deus o ajudasse a trazer Itachi para casa se não quisesse dormir no quintal.
Itachi acordou cedo naquele domingo. Nunca pensou que pudesse se sentir um intruso na casa do próprio namorado.
Na verdade, a voz sensata em sua cabeça lhe dizia que Shisui apenas se expressou mal. Existiam várias formas de se dizer algo, e talvez ele apenas não tenha escolhido a forma certa.
Por outro lado, a voz da insegurança insistia em dizer que estava atrapalhando, que era um peso, que seu namorado era alguém que prezava o próprio espaço e que o estava invadindo.
Por isso, quando na noite passada Shisui perguntou brincalhão se Itachi estaria com o intuito de morar consigo, acabou por agir mal, colocando tudo a perder. Não bastasse o clima constrangedor em casa, agora teria que aguentar isso na casa do namorado, onde se refugiava justamente de uma situação parecida.
Estava sentado no sofá enquanto aguardava a cafeteira fazer o seu serviço. Tinha a cabeça entre as pernas enquanto arruinava ainda mais os cabelos negros, revirando as mechas entre as mãos, num ato típico de nervosismo.
Murmurava palavras desconexas vez ou outra que apenas fariam sentido em sua própria cabeça, já que finalizavam seus pensamentos. Para qualquer espectador seria dado como louco, certamente.
Mas onde é que estava com a cabeça quando pensou que seria uma boa ideia colocar o endereço de sua casa para o recebimento de um produto de sex shop? Principalmente aquele tipo de produto.
Tinha vontade de morrer sempre que o seu maldito cérebro fazia com que revivesse a cena: Fugaku animado abrindo a caixa de papelão e tirando de dentro dela nada mais nada menos do que um vibrador de 21 centímetros.
Impiedosa, sua mente fazia com que se repetisse a cada minuto durante aqueles últimos dias. Já tinha revivido o momento em tempo real, em câmera lenta, preto e branco, colorido, todas as formas mais constrangedoras possíveis.
E Itachi pensou estar tendo mais um de seus insights de extrema vergonha quando, após ouvir o interfone e abrir a porta, dar de cara com ninguém menos do que o personagem que habitava a sua cena de constrangimento.
Mas era real, e Fugaku o encarava parecendo ainda mais envergonhado do que a si próprio.
— Mas o que é que você está fazendo aqui?
Fugaku engoliu a saliva pela terceira vez naquele dia. Em vinte e três anos, podia contar nos dedos das mãos quantas vezes ouvira seu filho mais velho levantar a voz. Do contrário de Sasuke e da esposa, Itachi costumava ter uma personalidade menos combativa, e não era dado a rompantes de temperamento como aquele.
Enquanto isso, Shisui saía de seu quarto quando ouviu a voz do namorado. Seu tom irritadiço não passou despercebido por si, que tratou de segui-lo, preocupado com o que quer que estivesse perturbando o mais novo.
Ele se surpreendeu, entretanto, ao perceber de quem se tratava a segunda pessoa naquele diálogo.
— Itachi? Sogro? Tá tudo bem aí?
Não. Não estava nada bem. E palavras não foram necessárias para constatar tal fato. A expressão no rosto dos dois já dizia por si só.
— Shisui. — Fugaku o cumprimentou com sua boa educação característica. — Vim conversar com o Itachi.
— Ora, entre! Vai ficar aí na porta, sogrão?
Itachi suspirou. Amava Shisui como jamais amara alguém antes e tinha plena certeza de que era este o homem de sua vida, de verdade. No entanto, isso não impedia que tivesse vontade de matá-lo às vezes. E aquela era apenas mais uma delas.
Ainda mais constrangido, Fugaku adentrou a sala do apartamento, passando por um Itachi de rosto vermelho. Deslocado, sentou-se no sofá antes que pedisse com um gesto de mão para que o filho se aproximasse.
O pai já não sabia se aquela seria uma boa ideia, mas era isso ou ser colocado para fora de casa. E ele não gostaria de pagar pra ver qualquer uma das ameaças da esposa.
— Eu acho que te devo um pedido de desculpas. — Iniciou. — Não devia ter aberto aquela caixa, mas é que eu me confundi. Também esperava uma encomenda naquele dia, filho. — Explicou.
De pé entre a porta e o sofá, Itachi ouvia tudo com os braços cruzados enquanto arrancava um pedaço dos lábios a cada mordida nervosa na carne. Não podia acreditar que Fugaku estava na sua frente lhe pedindo desculpas por algo que era sua própria culpa.
— Pai, eu… — O mais novo se interrompeu, pego de surpresa, precisava de tempo para que organizasse as palavras, do contrário não se faria entender.
Felizmente, por conhecer o filho há vinte e três anos, não foi difícil para que Fugaku decifrasse o que acontecia ali: Itachi não saiu de casa porque estava bravo consigo, mas sim porque estava extremamente constrangido com a situação, e talvez até um pouco temeroso da reação do pai por saber de, bem… Suas preferências.
O mais velho soltou o ar que prendia inconscientemente, estava aliviado. De repente as coisas não seriam tão difíceis assim no final das contas.
— Itachi, eu não me importo com o que você queira enfiar no… Quero dizer! Meu Deus! O que eu quero dizer é que eu… Bom, desde que você não se machuque, eu não me importo com o que você coloca lá, entendeu?
Bom, talvez Fugaku estivesse enganado, as coisas estavam difíceis e, aparentemente, tendiam a apenas piorar com todo aquele seu jeito para palavras. Mas tenha dó, não era todo dia que, ao abrir uma caixa por engano, se deparasse com um brinquedo sexual de seu filho.
Ouvindo a fala do pai e se sentindo ainda mais constrangido por estarem tendo aquela conversa na frente do seu namorado, Itachi cogitava se o melhor seria fugir ou forjar um desmaio. E talvez nem precisasse fingir, já que sentia sua cabeça rodar à medida em que a pressão começava a cair, o suor a escorrer e a temperatura de seu corpo aumentar.
— Shisui, será que você pode deixar a gente um pouco?
Foi quando Fugaku pareceu finalmente se dar conta, com espanto, de que o genro continuava ali, observando de forma divertida a interação entre pai e filho, parecendo segurar o riso.
— Tudo bem. — Ele piscou, quando se ergueu do parapeito da janela, contrariado em perder a fofoca. — Estarei na cozinha tomando café.
E somente quando Itachi teve a certeza de que o namorado já estava longe é que voltou a falar, a voz afinando como lhe era característico em seus momentos de birra:
— Eu não quero falar sobre isso.
— Olha, se está receoso com o que vou pensar, saiba que nada mudou, filho. — Fez questão de deixar aquilo bem claro ao encarar o mais jovem nos olhos. — Continua sendo meu garotinho, mesmo que goste desse tipo de... brinquedo.
— Pai!
— O papai ama você, Tachi! E está tudo bem ter uma... Coisa dessas, eu juro!
— Pai, você tá me constrangendo mais! Eu é que devia estar te pedindo desculpa.
— Pelo que? Não está fazendo nada demais, Itachi. Agora volte pra casa comigo, pelo amor de Deus, ou sua mãe vai me matar! — A voz era de um homem cansado e de no mínimo o dobro de sua idade.
— Não está mesmo bravo pelo que aconteceu? — O filho estava incrédulo.
Aquele homem definitivamente em nada se parecia com o seu pai de cinco anos atrás, quando Itachi se assumira gay.
— Mas é claro que não. Será que agora podemos ir? Já é quase hora do almoço e sua mãe vai fazer lasanha! — O pai barganhou, sabia que era sempre eficaz apelar para os dotes culinários de Mikoto.
Itachi então, agora convencido de que tudo estava bem, ainda que envergonhado, deu o primeiro sorriso genuíno depois daqueles cinco dias:
— Vou falar com Shisui.
— Traga ele com você, vamos os três! — Convidou.
— Espera, então todo esse drama foi por conta de um pau de borracha? — Sasuke perguntou debochado.
— Sasuke, estamos à mesa! — Fugaku repreendeu. A voz grossa como costumava ser nesses momentos em que ralhava com o filho.
Não era como se funcionasse, de qualquer forma.
Estavam os cinco na mesa de jantar, que dessa vez em nada se assemelhava a um funeral. Estando na verdade longe disso, pelas gargalhadas debochadas de Shisui e Sasuke.
Por mais envergonhados que ainda pudessem estar, pai e filho já conseguiam olhar nos olhos um do outro e até mesmo achar um pouco de graça do acontecido, e o clima estava definitivamente mais leve.
Feliz pelo retorno do filho, Mikoto também sorria divertida vendo a interação na mesa enquanto vez ou outra acariciava a mão do marido, orgulhosa pelo seu bom trabalho como pai.
— O pior de tudo foi o discurso do seu pai! — Shisui se aprumou na cadeira, estufando o peito como um falcão, a expressão facial se tornando quase nula ao que a boca se tornava uma linha fina e rígida, numa imitação perfeita do sogro. — Itachi, eu não me importo com o que você enfia no…
— Tá bom, tá bom, já deu! — O primogênito interrompeu queixoso. — Eu preferia quando Sasuke odiava você! — Lamentou vendo o irmão e o namorado trocarem um high five ridículo enquanto o primeiro explodia em gargalhadas.
Itachi revirou os olhos, aquele assunto certamente estaria longe de morrer. Maldita hora em que decidiu comprar um vibrador pela internet!
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Toy (ShiIta)
Fanfiction"Pareciam três estranhos jantando, ou que comiam após um funeral. Funeral este de seu irmão, que estava enfiado na casa do namorado há exatos cinco dias."