Aluno novo

200 23 2
                                    

As brasas invadiam sua visão, o cheiro insuportável da fumaça impregnava em suas narinas e dificultava ainda mais sua respiração já desregulada. A única coisa que podia ver eram os tons alaranjados cobrindo cada vez mais a grande figura de seu pai a alguns metros dali, a labareda o consumia por completo enquanto o grito preso em sua garganta era formado. E de repente, tudo era escuro de novo.

Seus olhos estavam abertos mas nenhum único filete de luz conseguia os alcançar, e ele agradecia por isso, afinal, aquela era uma de suas maneiras para deixar de existir. Mesmo que brevemente, pois em poucos segundos podia-se ouvir o rotineiro toque através da porta.

— Cesinha, sou eu. Abre essa porta, você não pode ficar trancado nesse quarto 'pra sempre. — a voz rouca e familiar soava preocupada do lado de fora do cômodo.

O silêncio permaneceu e depois de longos segundos após ser ignorado a figura bufou sem paciência.

— Ok, então vai ser do meu jeito. — soou mais abafado, indicando uma certa distância e o que se ouviu a seguir foi o estrondo da porta colidindo com seus pés— Argh.

Torceu o nariz ao observar o cômodo bagunçado, diversas latas de energéticos e refrigerantes espalhadas pelo chão, mudas de roupas sujas e limpas fazendo montes pelos móveis e o embrulhado de cobertores que gemeu em indignação.

— Mas que merda, você é o que?! A droga de um policial?! — o grito indignado do adolescente foi ouvido abafado pelas várias camadas de tecido.

— Eu sou a droga do seu responsável. — respondeu sem paciência enquanto rolava os olhos e abria as janelas, deixando os raios de sol entrarem e iluminarem os lençóis acima da cama.

— Você é um pé no saco, Thiago. — murmurou o Cohen, se enrolando mais nas cobertas procurando fugir da iluminação que invadia seus olhos.

— "Você é um pé no saco, Thiago." — imitou de maneira infantil, puxando os tecidos de uma só vez e encontrando a figura cabeluda que se escondia ali — Vamos, você tem aula hoje. Vai se arrumar antes que eu te arraste até lá desse jeito mesmo.

Os murmúrios de indignação e insistência não cessaram nem por um segundo enquanto o Cohen se arrumava para parecer o mais normal o possível, mesmo ainda tendo seus cabelos bagunçados e as olheiras negras abaixo dos olhos.

— Você fez um ótimo trabalho! — disse o Fritz orgulhoso assim que o moreno desceu as escadas, observando os cabelos molhados e as vestimentas diferentes dos outros dias — Viu? um passo de cada vez. Eu tô aqui por você.

O sorriso surgiu nos lábios do mais velho envolvendo Cohen carinhosamente em um abraço de lado o guiando para o carro ao lado de fora da residência. Ainda que desconfortável o moreno não se desfez do abraço, sentindo aquele sentimento quente invadir o seu peito por alguns minutos.

[...]

Joui estava sempre no mundo da lua nas aulas de Álvaro, afinal, sempre que prestava atenção no mais velho falando sobre elementos químicos e fórmulas de forma tão enojada sentia vontade de socá-lo. E aquilo valia para a sala inteira, e talvez até mesmo a escola. O único ser que ainda o aguentava era Anthony, um garoto do primeiro ano que claramente não era muito normal.

Seus pensamentos iam para a tão esperada aula de educação física onde poderia finalmente se alongar e colocar seu espírito competitivo para funcionar, ou até mesmo as incríveis aulas de Alex, céus, qualquer coisa era melhor do que aquele velho estranho que causava desconforto em grande parte da sala.

— Ei, fiquei sabendo que o Cohen vai voltar 'pra escola. — o cochicho alto chamou a atenção do japonês.

— O quê?! — a voz feminina gritou em surpresa, e quando recebeu um olhar raivoso do professor forçou uma tosse falsa como disfarce — Mesmo depois do incidente? Eu não teria coragem...

— Dizem que aquele cara é um completo 'esquisitão, eu não duvido que aquilo tenha sido proposital. — um dos garotos ao lado acusou.

— Não fala uma coisa dessas, aquilo foi pesado... — repreendeu outra garota melancolicamente.

Jouki não podia negar que estava curioso, o sobrenome não lhe era estranho mas mesmo assim não conseguia se lembrar de onde o tinha visto, e aquilo o deixava frustrado.

— Hey, ragazzo. — ouviu o sotaque italiano soar baixinho e virou-se para a garota na carteira ao lado — Também ficou sabendo do aluno novo?

Carina Leone era uma de suas colegas de sala, e assim como ele era descendente de outro país. Era irônico como sentavam-se próximos um do outro por tanto tempo e  nunca tivessem tido uma conversa longa.

— Mio Dio, parece que ele é um repetente. E alguns dizem que é um delinquente que bem, você sabe... — a voz abaixou-se rapidamente, o incidente sempre parecia pesado demais para ser citado.

O incidente de Cristopher Cohen. Era de lá que o garoto se lembrava do sobrenome conhecido pela cidade inteira como a morte mais perturbadora que já tiveram.

Os pensamentos e sussurros se cessaram assim que o diretor, Veríssimo, passou pala porta da sala sendo seguido por mais dois rapazes.

O homem alto com a barba rala causou alguns suspiros nas garotas, o que causou o rolar de olhos de alguns meninos. O que foi percebido pelo mais velho, lhes soltando um sorriso sarcástico.

— Vocês tem um novo colega de sala, espero que todos o tratem bem. Com licença. — a voz grossa saiu autoritária, passando a palavra para o rapaz ao seu lado e rapidamente o diretor não se encontrava mais no local.

— Bem, eu sou o Thiago, e esse é o Cesar. — o Fritz apontou com a cabeça para a figura escondida atrás de seus ombros largos, que soltava alguns murmúrios irritados e puxava minimamente sua manga — Espero que sejam pacientes com ele, e respeitosos. Mesmo tendo passado por muitas coisas, tenho certeza que bons colegas de sala podem ajudá-lo a tornar tudo isso mais fácil.

O sorriso gentil saiu de seus lábios e um gemido de dor foi escutado em seguida, a mão foi levada ao tornozelo recém chutado e ele tentava passar a tranquilidade de que estava tudo bem enquanto gesticulava para os alunos assustados a sua frente.

A figura emburrada de cabelos longos e rebeldes seguiu em direção a um lugar vago no fundo da sala, sendo perseguido pelos olhares dos alunos por todo o seu percurso.

Quando teve coragem de olhar para cima novamente Fritz não estava mais lá, e o sentimento de vulnerabilidade lhe atingiu. Todos os olhares em si, os cochichos ensurdecedores, a brisa fria que entrava pela janela mesmo no clima de verão, e a voz embaralhada do professor em frente a sala.

Cohen fechou os olhos fortemente, droga, respirar sempre foi tão difícil? Ele sabia que não, os sinais eram claros e os tremores conhecidos o atingiam sem ter piedade. Colocou seus fones no volume máximo qualquer música com gritos altos o bastante para silenciar o mundo lá fora, mas não parecia mais funcionar e a cada batida acelerada de seu coração conseguia sentir o nó na garganta se formando.

Todos olhavam firmemente para o Cohen no canto da sala, o que ocasionou na saída irritadiça de Álvaro no fim de sua aula. Mas foi antes da chegada de Alex que o corpo magro e esguio andou apressadamente para o lado de fora. Os comentários e risadas maldosas começaram e o olhar de indignação da morena em uma das primeiras carteiras da sala foi visto.

— Vocês são uns babacas. — a voz de Beatrice soou furiosa, mas antes de sair completamente pela porta atrás do moreno, o corpo feminino se virou para a direção do japonês — E você vem comigo, Jouki. — ordenou autoritária.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Nov 20, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Play With Fire | Joaiser - JoesarOnde histórias criam vida. Descubra agora