Sexta 19h
Os lábios dela tinham um efeito de outro mundo nos dele. Era como se o tempo parasse por uns instantes... inebriante... mas com a urgência e força que a sua presença sempre emanava. Contudo, os sentidos do médico sempre voltavam e, dessa vez, não foi diferente. Ele lentamente se afastou da garota.
"Flávia... você tá confundindo as coisas" disse ele, encarando seus olhos castanhos confusos e decepcionados "Tudo isso que você falou... não faz o menor sentido" terminou, desviando o olhar constrangido.
"Realmente, Doutor" respondeu ela, endurecendo a voz aos poucos. "Sem sentido mesmo foi esperar uma retribuição desse..." interrompeu se levantando do sofá e pegando sua jaqueta e mochila "...desse sentimento. Principalmente de alguém que saiba tão pouco sobre amar, até mesmo amar a si próprio."
"Não é sobre isso, Flávia. Me deixa te explicar" disse ele pegando o braço da moça e tentando encontrar o início de um bem conhecido discurso.
Não foi preciso, logo foi interrompido pelas palavras da dançarina.
"Tá tudo bem, Doutor. Eu, definitivamente, não tô com tempo pra isso agora." Disse ela se soltando da mão do médico e indo para a porta.
"Eu preciso, de uma vez por todas, resolver essa confusão que virou minha vida" continuou Flávia voltando a encará-lo com aqueles intensos olhos castanhos. "Não se preocupa. O Neném sabe onde eu tô indo, caso a merda fique muito grande..."
"Espera, Flávia. Resolver como?" Disse ele finalmente saindo da inércia em direção à porta. "Espera! Pra onde você tá indo?"
Mas a "aeromoça" já tinha saído com pressa e deixado a sala do médico. Guilherme passou as mãos no rosto... não sabia o que fazer.
A declaração de Flávia o tinha pegado de surpresa.
De início não levou à sério, achou que era alguma piada da dançarina. Mas as palavras de gratidão e amizade da garota tinham ganhado um calor diferente, e, aos poucos, foram dando forma às centelhas que pareciam iluminar os olhos dela.
Mas o que é isso, Guilherme? A Rose saiu de casa mas ela ainda é sua mulher, pensou ele conforme Flávia se aproximava. Você precisa ser racional... isso é paixão de menina... podia ser sua filha, meu deus do céu...
Mas então por que ele não se afastou quando sentiu a respiração de Flávia cada vez mais perto e a certeza eminente do contato dos seus lábios de novo?
Dessa vez, não foi um beijo acidental, por impulso ou por qualquer outra razão que pudesse ser usada como desculpa para ser ignorado... ainda mais difícil seria negar as diversas ondas que passavam pelo seu corpo ao mero toque da dançarina.
Agora, essa maré de sensações já não importava, a garota tinha deixado a sala, e, a confusão que ela tinha trazido deu lugar a uma preocupação imensa sobre os seus próximos passos.
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Sexta 23h30Guilherme mal tinha pregado os olhos quando o celular tocou. Graças a deus, era Neném com notícias, pensou ele.
"Puxa, jogador. Eu estou ligando a noite inteira e nenhum de vocês fez a menor questão de me atender" disse ele no seu conhecido tom ofendido.
"A coisa foi séria, Doutor. Vai pro consultório agora! Nós vamos pra lá te encontrar" disse ele, passando o celular para Paula.
A empresária continuou "Guilherme, a Flávia foi baleada, tem gente bem mais barra pesada envolvida nisso do que os gêmeos do Apocalipse... nós não podemos levar ela pro hospital, você vai precisar retirar a bala na clínica."
Guilherme não conseguiu responder, era como se algo tivesse quebrado dentro dele - em mais fissuras do que seu antigo espelho.
Precisava se recompor. Era Guilherme Monteiro Bragança, ele era mais do que capaz de ajudar sua... amiga? cúmplice? sua... Flávia?... Bom isso não importava agora, precisava arrumar tudo para que conseguisse realizar o procedimento na garota.
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Tudo estava pronto, mas o nervosismo voltou a tomar conta de Guilherme quando viu Flávia ferida nos braços de Neném."Doutor", disse ela baixinho antes de desmaiar de vez.
O jogador e Paula ajudaram no que puderam até ali, mas todo o resto ficou a cargo de Guilherme, cujas famosas mãos insistiam em vacilar e tremer. Pare de tremer, homem. Ela precisa de você. A bala pegou o ombro. Por Deus, não é difícil!
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Sábado 5hComo era esperado, apesar do nervosismo "inesperado", Guilherme tinha conseguido realizar o procedimento com sucesso.
No entanto, Flávia tinha perdido bastante sangue e precisava de acompanhamento.
Paula e Neném se ofereceram para olhar a dançarina para que Guilherme pudesse descansar, mas o médico recusou veementemente a oferta.
Tal comportamento fez com que surgisse uma troca de olhares sapecas (nada discreta) entre a empresária e o jogador, os quais decidiram voltar pra casa e esperar notícias do médico.
Permaneceu Guilherme então, a madrugada toda, deitado no sofá dos acompanhantes.
Observava atentamente a dançarina. Aqueles 30 dias de loucura pós-acidente tiveram a intensidade de um ano inteiro. Os quatro malucos formaram um elo muito forte, principalmente, Flávia e o doutor.
Vai ver a gente tem uma ligação, sorriu ele, lembrando das palavras ditas naquela noite, antes da primeira fuga com a "aeromoça Thaís".
Ele levantou do sofá e foi até ela, movendo as mechas de cabelo de sua testa e juntando sua pequena mão à dele.
Assim, adormecida, Flávia parecia tão frágil, sem toda aquela áurea poderosa de femme-fatale.
O médico não tinha certeza de muitas coisas no momento, mas sabia que nunca mais permitiria que ela se machucasse novamente.
"Não vou deixar você sozinha de novo. Começamos isso juntos e vamos enfrentar tudo isso juntos" disse Guilherme quando foi surpreendido, com alívio, pelo abrir dos olhos castanhos de Flávia.
"E aí, Doutor? Sabia que isso ia ser moleza pro melhor cirurgião desse país" disse ela, sorrindo de forma sedutora e apertando o enlace da mão do médico.
"Parece que a Pink vai se recuperar rapidinho e continuar nos trazendo emoções" disse ele, sorrindo amplo como raramente fazia antes do acidente. Mas sorrir com ela sempre ficava absurdamente mais simples.
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Quanto Mais Vida Melhor [Ones]
FanfictionOneshots (capítulos não relacionados) de Flávia e Guilherme de #quantomaisvidamelhor #flagui