"Acho que toda essa bagagem que você precisa começar a se livrar é essa raiva que você sente..."
Sento no sofá de três lugares com o celular em uma mão e a outra mão na consciência. A raiva, que continua aqui, firme e forte, quase me pede um espaço para sentar do meu lado e admitir que não tem planos para ir embora tão cedo.
Me ajeito, abro sua foto. Lembro de quando você me contou ao ter ganhado aquela camiseta e da foto lotada de animação. Parecia que mexia. Talvez mexesse, porém comigo.
Fico pesando o que dói menos, o que é possível, o que cabe no meu orçamento emocional. Da lista de impulsos que eu tento todos os dias não aumentar, da ex insuportável que eu tento todos os dias não ser e de todas as coisas que eu prometi e não cumpri.
Bom, você também não.
Ah, é. A raiva.
Na última vez que fui no mercado, fiquei observando os casais fazendo as contas com a lista na mão. Cheirando amaciante, calculando qual papel higiênico compensa mais, qual requeijão vence primeiro. Lembrei de quando planejávamos dividir essas coisas, já que eu não sei escolher verdura, e como se tornou um consenso que precisávamos aprender essas coisas antes de começarmos a construir a casa.
Eu ansiava pelo dia que eu te mandaria uma mensagem avisando que você não precisaria fazer janta porque eu estava levando uma pizza. Ou você me perguntado se eu ia preferir te encontrar em casa ou te buscar com as compras da semana.
Uma lista enorme de mentiras que eu deveria ter visto antes.
Putz, a raiva.
Quando reparei, estava saindo do mercado com várias lágrimas coladas na cara, fingindo que eu estava emocionada com a promoção de vinho.
O que me fez lembrar também de Feel Good e toda a situação da Mae com a George, especificamente de quando a Mae liga e a George estava com outro cara, então ela pede desculpas e diz "a gente se fala daqui uns dois meses". Eu queria mesmo entender como que ela conseguia ter essa calma e essa sensação de "logo a gente conversa", enquanto tudo que eu sinto é essa frustração enorme que eu fico transformando em rima ou em música. Às vezes em e-mails não enviados, às vezes em crise de choro.
Tem dias que eu me sinto aquelas músicas sertanejas de dor de corno, sabe, que você pensa "nossa, estava complicado aquilo" e que sempre toca no meio de uma balada com gente igual que só manda áudio.
Que raiva que eu sinto por sentir tudo isso e saber que você tem razão...
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A Ex Que Troca Um Rim Por Um Título Novo
RomanceApós levar um pé da namorada, os estágios do luto estão meio confusos e um pouco estagnados