O camarim era apertado e cheirava a cigarro. Copos vazios estavam largados sobre a mesa de centro, além de restos de comida e outros objetos que facilmente levariam aquelas pessoas presas se a polícia ali entrasse. Era o típico e estereotipado ambiente onde músicos extravagantes esperavam a sua hora de brilhar diante de fãs enlouquecidos e possíveis reconhecedores do talento de pequenas bandas.
Ainda dentro do camarim, Noah brincava com suas mais novas baquetas em um canto, enquanto Hannah finalizava sua maquiagem em frente ao espelho a esquerda.
- Gosto quando você faz a estrela debaixo do olho. – ele comentou a certa altura. Uma banda acabara de começar a tocar no palco e o seu som e da plateia abafavam um pouco a voz do rapaz.
Hannah olhou para ele, esboçando um sorriso travesso.
- Olho direito ou esquerdo?
- Direito.
- Errado. – ela voltou a olhar para frente, inclinando-se para fazer o desenho. – Debaixo do direito, só podemos desenhar corações.
Noah riu pelo nariz, entendendo muito pouco mas com pouca disposição para tentar entender melhor.
Sentados em um sofá a direita, Ian e Eve trabalhavam nos próprios instrumentos. Ele apertava as cordas do seu baixo, orgulhosamente dado a ele por Victor Terentim, a maior estrela da sua pequena cidade natal. Já Eve parecia estar compondo, arrancando notas e arranhando versos em seu próprio canto. O ruivo estava concentrado em sua tarefa, mas não pode deixar de reparar na letra que a outra cantava. Fez uma careta a certa altura, olhando-a em seguida.
- "Você perde seu tempo com meninos tolos e bonitos" ... Animador isso ai.
Eve pareceu notar sua presença só quando ele falou e não pode deixar de rir com o comentário.
- Uma letra escrita por e para Evelyn Ross.
- Faz sentido. Me lembro de cada um que invadiu o nosso camarim procurando por você...
- Pior era quando eu invadia camarins procurando por eles. – ela suspirou. – É sobre isso a música. Pessoas procurando por rostos bonitinhos e companhias rápidas.
- Bom saber que você se acha bonita. É meio difícil dizer com tanto lápis que você passa.
Eve deu um tapa seco no braço do rapaz, que se encolheu mas ainda se divertiu com a situação. Ficaram em silêncio por um breve período de tempo mas Eve sabia que Ian estava pensando demais e aquilo a irritava.
- O que foi? Você está fazendo aquela cara.
- Nada... – ele riu. – Só estou tentando lembrar se eles eram mesmo bonitos.
Eve ia fazer um comentário maldoso mas parou para refletir também, divertindo-se com memórias de seus casos rasos.
- Bonitinhos... Eu definitivamente tenho um tipo... Eles são sempre iguais.
- Cabelos escuros, olhos escuros, magrelos...
- Misteriosos, de poucas palavras, com mãos bobas...
Foi a vez dela rir com a careta que ele fez.
- A variedade no alfabeto também é pequena. Gosto de homens com T. Tadeu, Tales, Timóteo...
- Tapados, toupeiras... Espera, teve um Timóteo?
- Sim. O que me chamou para cantar com ele no palco. Não acredito que você não se lembra dele... Armou um escândalo quando eu disse que não queria nada sério.
- Ah, eu lembro! Coitado, Evelyn, você fez ele chorar!
- Muito emocionado, eu diria. É mais fácil quando eles já sabem que não vai rolar muito. Tadeus tendem a entender isso.
- Foram quantos?
- Três.
- Os diferencia por sobrenome?
- Por experiência. – ela abriu um sorriso malicioso. – Se é que me entende.
- Já teve algum Ian? – ele perguntou para testá-la e desviar do assunto.
- Hum... Teve um. Ele não tem nada de parecido com você. Era loiro e gostava de música clássica. Mas ele tinha a mesma personalidade de Golden Retriever que você tem.
- Personalidade de cachorro?
- Alguém feliz, que me faz rir, sempre de bem com a vida e que é uma ótima companhia. O tipo de gente que gosto de ter por perto.
Ian sorriu de canto e Eve também.
- Algum mais duradouro?
- Não lembra do Leo? Ele até viajou com a gente.
- Algum jornalista?
- Pedro. Revista de descobertas científicas. Tinha um papo cansativo.
- Algum que gostava de verde?
- Não lembro se cheguei a perguntar isso... Mas Lucas usava muito verde.
- Todos bonitinhos?
- Todos. De rosto, todos. De personalidade, ... – ela bufou. – Alguns bem feinhos.
De repente, um dos organizadores do evento entrou no camarim e disse que eles tinham cinco minutos antes de subir no palco. Todos se levantaram e começaram a se arrumar para a apresentação, juntando os instrumentos, vestindo jaquetas e bebendo últimos goles de cerveja.
- Se eu ver um bonitinho hoje, - Ian disse quando já estavam no corredor, caminhando ao lado de Eve. – lembro de te avisar. E aviso a ele como você é um perigo ambulante.
- Ah, mas não são todos os bonitinhos que eu quero que eu consigo ter. Seria muito fácil. – ela voltou-se para ele. – Alguns se fazem de difíceis.
Ian franziu o cenho, entendendo muito pouco da situação e curioso demais para tentar entender melhor. Eve, por sua vez, riu da expressão dele e pressionou os próprios lábios.
- Estou falando de Noah, Ian. Ele se preocupa demais com a integridade da banda pra se deixar levar.
- Ah, claro. Foi para Noah que você se declarou verão passado... – ele disse mas se arrependeu em seguida, com medo da reação dela, mas Eve pareceu indiferente.
- Eu me declarei para você? Eu não lembro... Acho que me declarei até pra Hannah e eu sou hétero. – ela riu. – Nada faz muito sentido, não é mesmo?
- Nossa, ... estou decepcionado agora.
Eles pararam ao lado do palco, acompanhando os últimos segundos da banda que entretia a plateia.
- Não fique emocionado mas... – ela começou, ganhando rapidamente a atenção dele. – mas vai ver você não é só... bonitinho.
- Sou bonitão então?
Ambos gargalharam e Eve deu o caso como perdido. Ian precisaria que ela desenhasse e ela estava pouco disposta a fazer aquilo... mais uma vez.
- Vamos, bonitão. – ela pendurou a alça de sua guitarra sobro o ombro. – Temos um show para fazer.
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bonitinhos
Short StoryOne-shot inspirada na música Daft Pretty Boys, do Bad Suns. História planejada, arranjada e escrita para o desafio mensal da página do Facebook Sodalício das Pétalas.