Vieram pelo mar e, desta vez, pelo céu também. Nada de bom vem daquele lado do oceano. Lembro-me ainda dos bons tempos, sinceramente gostaria de saber que vivia nos bons tempos antes que os mesmos terminassem de forma tão trágica. A lembrança, com o resquício de esperança, ainda é dolorosa. Quero deixar um pouco de informação para a posteridade (se houver alguma), mas as novas gerações precisam saber que houve um "antes", que havia um lugar mais seguro, que existiu algo que oferecia conforto suficiente para se chamar de lar, para se chamar de porto seguro.
Em uma manhã de setembro, do ano de 2032, o céu ficou neon. Nada de azul ou cinza nublado, somente um aterrorizante tom que lembrava o roxo oscilante entre duas tonalidades semelhantes. O povo era inocente, algumas pessoas ainda acharam o evento belo. Sem saber das consequências, meus semelhantes viram a beleza na condenação. Em menos de quinze minutos, tudo parou. A energia elétrica desapareceu, as baterias, de todos os tamanhos, explodiram e a internet se escafedeu, a globalização foi a primeira a morrer. O acesso à informação se perdeu e isso foi aterrorizante, ninguém sabia o que estava acontecendo, não havia acesso a nenhum tipo de notícia, tínhamos somente especulações, somente o medo. Acreditei que algo horrível poderia acontecer em seguida.
Lembro de meu pai dizer que era o fim do mundo, minha irmã caçula então achou que fossem alienígenas. Ainda segurando em minha mão, o homem que amo encostou a cabeça em meu ombro e disse "O que pode ser isso?", mas eu não conseguia pensar, somente balbuciei qualquer frase motivacional que eu nem mesmo me recordo, talvez um "Vai ficar tudo bem". Para o conforto dele, disse algo que nem mesma acreditava.
Ainda olhando para o céu, fui requisitada para ajudar, com as baterias explodindo e a falta de energia elétrica, pessoas se machucaram, carros capotaram, aparelhos hospitalares desligaram levando consigo a vida que mantinham. Mesmo em uma cidade pequena de Minas Gerais, com pouco mais de dez mil habitantes, o estrago foi grande demais. Os vizinhos se reuniram na casa do senhor Marcelo, um velho conservador que sempre me olhou torto, ele me odiava somente por existir, mas seu filho era pior, um extremista que se endividara na compra de um revólver para se "proteger de vagabundos". Aos olhos do filho, eu era uma ameaça. Ele fez campanha pela privatização do sistema de saúde, mas foi o próprio SUS que bancou a cirurgia do pai, o qual usava um marca-passo que, assim como qualquer coisa movida à bateria, pifou de vez após o céu mudar de cor.
Talvez eu pudesse ter salvo a vida do senhor, dificilmente conseguiria manter o idoso vivo até o socorro chegar, mas teria ao menos tentado se pudesse encostar no sujeito. O filho dele não deixou que eu, uma enfermeira formada com anos de experiência, pudesse me aproximar do próprio pai. De acordo com o cara o pai dele só precisava de descanso, ele sabia do que falava, havia lido uma mensagem no dia anterior falando sobre a onda de calor afetando quem tinha problema de coração e como beber água de coco com sal resolveria a situação. Antes que eu pudesse fazer algo, como questionar a asneira, o senhor Marcelo morreu.
Sai da casa revoltada, imaginando como poderia estar tão irritada e, ao mesmo tempo, magoada. Segui pela rua de volta para minha família. Meu pai também não estava bem, ele se sentou na cadeira da mesa da cozinha enquanto esperava a água ferver. Sentei-me ao lado dele e, com a voz trêmula, perguntei se sabia de algo, mas foi uma pergunta retórica, ele somente me olhou e deu de ombros, balançou a cabeça e se levantou para preparar o café. Nesse instante meu namorado entrou na cozinha, ele carregava algo mais valioso que ouro naqueles tempos, as preciosas informações.
— Fui até a prefeitura, — disse Tiago, sentando-se à minha frente — eles falaram que receberam um comunicado, mas como ninguém lá sabia ler a mensagem, ignoraram. — Com as mãos trêmulas, ela desdobrou o papel e o ergueu afrente do rosto — eu iria tirar uma foto, mas meu celular já era, acho que a bateria explodiu também. Graças à Deus que não estava no bolso. Aqui tem parágrafos em francês, outros em inglês e alemão também, com internet seria mais fácil traduzir, mas...
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Brasil Neon
Short StoryConto de ficção científica sobre um futuro deprimente. Após o céu oscilar em um tom de roxo, as baterias explodiram e a energia elétrica desapareceu. O Brasil ficou um caos, mas ainda era o começo! Tropas chegaram com a intenção de conquistar, de tr...