Capítulo 1 - O mergulho

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Lou abriu a porta dos fundos e não se surpreendeu com o que viu: o clima estava frio e o dia chuvoso. Em outro momento, sentaria na beira do lago para apreciar a chuva enquanto as gotas cairiam calmamente em seu rosto... Mas hoje não seria assim. Mais uma vez as dificuldades da vida estavam quase lhe vencendo.

- Deus, eu não aguento mais - sussurrou Lou, num desespero quase silencioso - Não tenho mais forças.

O lago, que se aprofundava a poucos metros da borda, parecia-lhe cada vez mais tentador. Sua superfície, tocada pela água da chuva, tornava-se cada vez mais atraente.

- Como seria mergulhar tranquilamente naquelas águas e pouco a pouco se deixar levar? - perguntou-se, antes de finalmente tomar uma decisão.

Lou entrou na casa novamente e seguiu para o seu quarto, decidida a deixar a casa em ordem. Primeiro planejou a sequência de organização: começaria pelo quarto no qual dormia agora e que um dia fora o quarto de visitas; seguiria para o que antes era o escritório; logo depois para o banheiro; sua suíte, na qual não entrava há meses, seria o último cômodo, após todo o resto. A sala, a cozinha e a lavanderia seriam as próximas, seguidos do lavabo e da varanda. Seria preciso também limpar o quintal, não queria que o encontrassem naquele estado.

Então, deu início ao plano. Durante toda a manhã conseguiu organizar o andar de cima, faltando apenas a suíte, e o andar de baixo, mas, como consequência, esquecera-se até mesmo de comer. Na metade da tarde, acabara o restante da casa e não poderia mais adiar a suíte: subiu as escadas lentamente e abriu a porta do quarto, que rangeu após tanto tempo intocada. O cheiro de mofo quase a sufocou e sentiu vontade de fugir, mas obrigou-se a ser forte.

- Não posso adiar mais. Só mais um passo e poderei descansar tranquila - murmurou.

Abriu as grandes janelas de vidro e iniciou a limpeza. Depois de duas horas, tudo estava impecável. Lou respirou fundo, dirigiu-se para o seu quarto, não conseguia mais pensar na suíte como seu quarto, olhou o vestido floral que havia separado e seguiu para o banheiro. Lavou os cabelos delicadamente, secou-os e deixou-os cair suavemente sobre os ombros. Vestiu o vestido e perfumou-se como faria em um dia especial. Passou uma maquiagem leve, que lhe trouxe de volta o ar jovial.

- O que será isso? - perguntou-se após ouvir um barulho. Olhou pela janela e percebeu que novos vizinhos estavam chegando na propriedade ao lado, mas não se preocupou em observá-los, bastava que não atrapalhassem seus planos, já que as propriedades compartilhavam o lago ao fundo.

Lou procurou seu celular, e antes de sair do quarto pegou a roupa usada anteriormente e a toalha para deixar na lavanderia e certificou-se de que a janela estava aberta. Após observar que tudo estava como queria, Lou dirigiu-se para a beira do lago, olhando a beleza do pôr-do-sol. A chuva havia se transformado em uma fina garoa. Sentou-se no gramado, com os pés na borda do lago, e iniciou as ligações: primeiro a mãe, para acalmá-la e mostrar que Lou estava bem; depois a irmã, que tanto lhe socorrera; então, a amiga, que há tanto tempo não via. Não chorou em nenhum momento, manteve um sorriso - falso, mas convincente.:

- Minha filha, minha menina... - havia murmurado a mãe emocionada - faz tanto tempo que não me liga, mais tempo ainda que não te vejo tão linda...

A irmã, de início, quase não conseguira falar, as lágrimas havia fechado-lhe a garganta, mas depois de três minutos de lágrimas, recuperou as palavras.

A amiga por pouco não a reconhecera. Estava a mesma Lou dos velhos tempos, mas sabia que a essa Lou não existia mais, de alguma maneira ela sabia.

Antes de dar continuidade em seu plano, abriu a playlist do celular, buscou uma música em especial, pôs para tocar e aumentou o volume ao máximo. There ain't no gold in this river, That I've been washing my hands in forever, I know there is hope in these waters, But I can't bring myself to swim, cantava Adele no telefone.

Lou levantou e caminhou lentamente para dentro do lago. Na propriedade vizinha, ouviu vozes e risadas.

- Pelo menos os vizinhos são felizes - murmurou. Em outros tempos, faria amizade com eles e certamente seria muito bom.

Quanto mais afundava no lago, mais fraca ficava a voz de Adele: I had good intentions, And the highest hopes, But I know right now, It probably doesn't even show. E mais forte ficavam as vozes dos vizinhos:

- Não vejo ninguém, apenas um celular tocando - uma voz feminina falou alto.

- Tem algo se movimentando no lago - outra voz, dessa vez masculina, murmurou.

Lou não se preocupou com as vozes, imaginou um dia lindo, com os raios do sol refletindo no lago, e com essa imagem tranquila afundou finalmente na água. Conforme afundava, via os raios solares adentrando as águas, parecia que estavam lhe seguindo para fazer a última companhia. Sentiu-se acalentada. Esticou-se buscando o fundo do lago, para certificar-se de que estava no ponto mais profundo, e atingiu apenas o vazio.

- Está feito - pensou. Pouco a pouco a pressão da água pressionou-lhe o peito, conforme aspirava a água. Tentou conter os impulsos do corpo para evitar debater-se. Já não conseguia respirar. A consciência foi se afastanto cada vez mais. Ao seu lado, flutuavam Trovão, o lindo cachorrinho que tivera na infância, o vovô, que virara estrelinha quando tinha seis anos, e um homem que nunca vira, mas não importava. Seus olhos se fecharam e seu coração parou de bater.

O corpo de Lou foi puxado fortemente para cima, mas ela já não sentiu isso. Um braço forte a segurou enquanto era levada para a margem do lago. Não foi difícil levá-la, estava tão leve, parecia uma menina, vestida no lindo vestidinho floral, com as bochehas rosadas e os delicados cabelos castanhos.

Jake pousou Lou delicadamente no gramado e aproximou-se para perceber sua respiração, mas, apavorado, viu que não mais respirava. Iniciou imediatamente a massagem cardíaca, intercalada com respiração boca a boca.

- Deus, me ajude - murmurava - Aguente mais um pouco, moça.

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⏰ Última atualização: Dec 22, 2021 ⏰

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