Meu sonho começou na pracinha em que eu costumava brincar quando era criança, no sonho havia uma garotinha com mais ou menos 4 anos de idade, tinha um lindo cabelo ruivo, seus cachos estavam presos em uma Maria-chiquinha torta e mal feita e suas sardas vermelhas iam até o nariz.
- Não faz isso filha, você vai se machucar - disse o pai esperando a filha no banco do parquinho, ele tinha cabelo Negro, com barba longa e bem feita. A menina estava prestes a descer o escorrega com seu cachorrinho de pelúcia, mas ela era muito pequena e podia cair de lá então o pai correu para a ponta e então segura-lá lá embaixo
-Não se preocupa papai, eu não tenho mais medo - então a garotinha escorregou
-Nossa, você está muito corajosa, nem eu desceria daí, é muuuuito alto - disse o pai a pegando no colo e indo em direção ao banquinho
-O senhor é medroso papai - a garotinha disse, os dois riram, e meu sonho acabouCapítulo 1
-Bom, você está voltando a ter memórias com seu pai, não é erika? - disse a assistente social bem de frente para mim na roda de Psicologia coletiva
-Sim, eu não sonho com ele a muito tempo... Eu... - um relógio tocou, era meio dia
-Bom, nosso tempo acabou hoje, vejo vocês semana que vem!
Recolhi minhas coisas, eram apenas um caderno de anotação e um livro de romance que fui instruída a ler para aprender a me expressar pela escrita, a história era meio brega e óbvia mas, sinceramente, aquilo estava realmente me ajudando, as pessoas estavam saindo da sala e eu também, até eu sentir alguém me segurando pelo pulso.
- Erika? Tem algum tempo? -era a assistente social - Queria me aprofundar um pouco mais sobre seu pai e você - eu não - Sabe, aquela tragédia te deixou além de órfã, abalada
- estou começando a encarar isso novamente sra. Mônica e é um pouco incômodo pensar em tudo o que eu devo fazer e tudo o que aconteceu
-olhe, eu entendo absolutamente mas se quiser conversar é só olhar os horários na Secretaria e me achar
-muito obrigada mesmo - me levantei e fui andando direto para o meu quarto no orfanato, passei pela sala dos debilitados, só 3 pessoas lá, como sempre; ninguém quer adotar cadeirantes nem crianças com síndrome de dawn, não gosto de dizer que sinto pena deles por que pensando bem sinto pena de todos aqui do orfanato. Subi as escadas para o segundo andar e entrei na minha ala, "15 a 17 anos com problemas psicológicos" ou traduzindo: fudidos e loucos. Ninguém quer adotar adolescentes, muito menos com problemas mentais, depressão, estresse, TDAH e outras várias doenças e problemas. Orfanatos despejam quem passa dos dezoito anos pois não é obrigação de ninguém cuidar de um maior de idade, a maioria sabe que quando sairmos daqui morreremos de fome ou frio nas ruas; e no Brasil não tem nenhum tipo de ajuda a estudantes órfãos, ou no mínimo pobres, a única cota pra faculdade é para negros mas tem muita gente aqui que não é Negro então tem que ralar pra competir o enem com ricos que podem pagar a faculdade privada. Entrei no meu quarto passando pelo de Thiago, um skatista de cabelo longo, a pele branca cheia de cicatrizes e uma marca de queimadura que marca o olho esquerdo, a metade da testa e uma bochecha, tinha TDAH, ansiedade e a pior postura que alguém pode ter, ele parece o L de death note em questão de postura, ele é meu melhor amigo desde quando eu cheguei aqui, eu tinha 9 anos quando meu pai morreu e eu vim pra cá.
-Outra sessão da chatisse psicológica?
- Não fala assim, você sabe que eu preciso disso pra me tratar
- Vai se tratar garooota - cantou ele rindo da minha desgraça- Fala sério você sabe que isso não funciona
- Funciona sim, eu até consigo me comunicar melhor, e esse livro tem me ajudado bastante - apontei com os olhos o livro debaixo da minha axila e Thiago leu de relance o nome do livro
- "Flores e amores?" Que coisa brega
- Nem me diga
- Por que as pessoas compram esses livros? Se vc quer viver uma história de amor vai caçar alguém na vida real, não em um livro
Eu comecei a rir porque eu meio que concordo com ele, mas ele não lê nada além dos livros da escola então não deve entender a sensação de se sentir dentro daquilo, de imaginar o que você está lendo acontecendo, ok, eu fui bem brega agora. Um silêncio incomodo se instalou no meu quarto por alguns minutos, eu sentada de pernas cruzadas na cama e Thiago de braços cruzados em cima da mesinha no pé da cama.
-Quer ir pro castelinho?
-Vamos - aceitei tão rápido como um raio chocando contra o mar em uma tempestade, dei um pulo da cama e Thiago levantou da cadeira, corremos até a parte de fora do prédio de jovens adolescentes do complexo do orfanato e fomos para a parte aberta, lá tinha um lugar redondo com escadas e caminhos para o resto do complexo, chamamos aquele lugar de castelinho pois no meio tinha uma torre pequena na qual só crianças de no máximos 10 anos conseguiram entrar, bom, que conseguiam entrar por dentro porque a maioria dos adolescentes escalavam pela parte lateral pra subir em cima da Torre e sentar na beirada
-A vista daqui é linda, principalmente ao por do sol
Thiago estava certo, era realmente lindo ver o sol se despedindo no horizonte na direção da quadra poliesportiva
-Erika, e se nós não conseguirmos uma casa para morar depois de sair daqui? O orfanato é como um sonho, é gigante e quase todas as pessoas que conhecemos moram conosco.
Eu dei um longo suspiro e olhei pro horizonte como se não tivesse ouvido o que ele disse, ele abaixou a cabeça, triste. Eu não sabia como responder, estávamos ferrados, íamos ser despejados e Thiago era um ano mais velho que eu, ele deveria estar sobre muita pressão nesse sentido.
- Eu não sei - ele levantou a cabeça rápido olhando pra mim, como se tivesse se convencido de que eu não ir responder e tomou um susto por eu falar - já sabe que faculdade você vai fazer?
- Queria fazer artes mas dizem que não se ganha dinheiro nenhum cursando algo artístico, e você?
-Talvez perícia criminal, parece legal ser policial ou detetive de polícia.
-Mentira, você quer é dar uma de CSI!
Ficamos rindo por um tempo, o vento da tarde batia em nossos rostos, eu fechei os olhoa e por um instante eu senti uma sensação de felicidade inesquecível, olhei de canto de olho, Thiago estava de braços abertos, queria que esse momento durasse para sempre,Queria que minha juventude durasse para sempre.
-Vamos andar de skate? - dei a ideia
- Calma, o que?
-Vamos andar de skate!
A feição de Thiago era uma mistura de incrédulo com animado, era como se ele tivesse visto um unicórnio, ou no caso dele um skate gigante elétrico, com glitter que funciona por voz e tem led.
-Erika querendo andar de skate? Você nunca nem apoiou essa minha ideia falando que eu ia me ralar todo e que...
-Eu sei - interrompi o coitado - mas sei lá, vamos, parece ser legal.
- Eu vou espalhar pra todo mundo do prédio, quer saber? Do complexo inteiro - ele não ia fazer o que eu estava imaginando não é? - A ERIKA VAI ANDAR DE SKATEEEE!!!! - ele gritou tão alto que alguns pássaros voaram
-PELO AMOR DE DEUS GAROTO CALA A BOCA!
- Haha, eu precisava, vamos descer.
Como sempre ele descia primeiro, eu sabia subir o castelinho mas nunca sabia descer e, sinceramente, aquele garoto descia com tanta facilidade que eu acho que ele inventava de fazer parkour em algum lugar, não era possível ele descer naquela facilidade.
- Vem logo, mas não se esburracha aqui, você precisa ter pele restante pra ralar na pista da praça.
Eu desci metade do caminho por uns buracos de tijolos soltos.
-Vou me jogar!!
E foi o que fiz, Thiago me pegou e não me largou com um tempo, ele estava me encarando com um meio sorriso, e eu me senti estranha, arregalei os olhos apontando pro chão como se estivesse dizendo "vai, me larga" ele balançou a cabeça como se tivesse saindo de uma hipnose e me largou.
-Espera ai, vou pegar meu skate
-Ta bom
Fiquei ali parada com minha mão no bolso da minha calça jeans, meu cabelo ondulado já estava bagunçado por causa do vento e já estava escuro, comecei a sentir frio nos braços, por que eu tive que pegar uma regata? Fiquei prestando atenção nas pessoas em minha volta, saiam do prédio de 8 a 11 um casal, a Sra Mônica e uma garotinha de pele negra com lindos cachos afro, ela tinha sido adotada, como metade das crianças daquele prédio, eu senti um vazio por dentro, eu dizia para mim mesma que era impossível ser adotada com 15 anos mas no fundo eu queria tanto estar em uma família de novo
-Cheguei, também trouxe um casaco por que quando eu estava subindo as escadas veio um vento frio tão forte que fez aquele barulho de fantasma
-O que? - Comecei a rir tentando entender o que seria um "barulho de fantasma"
-Você sabe, quando o vento faz "UOOOOOO"
-Ah sim -que moleque estranho- Então vamos?
- Vamos
Pegamos nossos passaporte dos mortos, bom, a gente chamava assim mas na verdade era uma carteirinha para comprovar que eramos do orfanato, nós ganhamos quando chegamos aos 15 anos para ter o direito de sair do orfanato depois de 19 horas mas tínhamos que voltar antes da 00:00.
Passamos na Portaria e mostramos as carteirinhas, fomos andando até a praça que tem a pista de skate, era por volta de 18:30 então ainda tinham crianças brincando, alguns pais sentados nos bancos e os adolescentes começavam a chegar
-Thiaguinho a essa hora? - disse um garoto Negro com cabelo estilo dreadlock, vestia uma camisa cinza suja e uma jaqueta de couro com calça jeans
-E ai? Beleza Arthur? - disse Thiago
- Quem é essa ai? -Ele apontou para mim fazendo Thiago se lembrar que eu existia e abrir caminho para eu dar um passo pra frente
- Essa é a Erika - disse thiago com a mão no meu ombro
-Ahh, bom finalmente conhecer você
O que? O Thiago já falou de mim para os amigos dele?
-Achei que você odiava skate e que nunca tentaria andar
Ah, então foi isso que o Thiago disse pra ele
-Ah gente fala sério - retruquei - Não deve ser tão difícil assim, nem tão perigoso
-Com certeza não...
Arthur deu um ronco e caiu na gargalhada e Thiago o acompanhou, me senti uma idiota depois daquilo.
-Vamos lá Erika? Ou melhor, princesa da segurança - disse arthur
-Senhorita, tem uma poça de água aqui, quer que eu coloque meu casaco em cima dela para você não molhar seus pés? - Thiago entrou na brincadeira de Arthur e eu dei um soquinho de raiva no ombro dele e fomos andando pra pista••••••••
Nunca mais ando de skate na vida - disse eu com os dois joelhos, meu cotovelo esquerdo e um pedaço da minha testa ralados
- Esqueci de te dar os equipamentos Erika, foi mal
-FOI MAL?! COMO SE ESQUEÇE DOS EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO??!?
Thiago riu, aquele desgraçado, meu cabelo tava parecendo um ninho de passarinho de tão desarrumado, eu estava com o sapato desamarrado andando de costas enquanto conversava com Thiago que estava a minha frente me acompanhando
-CUIDADO ERIKA
Eu parei de andar e olhei pra tras mas Thiago me segurou antes que eu fizesse algo, eu só vi um vulto atrás de mim
-Esses idiotas acham que podem dirigir a cem kilómetros em uma rua de bairro, ta tudo bem Erika?
Eu estava paralisada nos braços dele, a mão direita de Thiago na minha nuca e a esquerda né abraçando forte pelas costas
-Ah... To bem, que idiota
- Presta mais atenção, você já ta só a carne viva - se referindo aos meus machucados - vem, o sinal abriu
Ele segurou minha mão e pegou o skate que largou quando foi me "salvar" ele deve estar se achando o super herói, já não basta eu ter tido essa ideia louca
Eu e Thiago entramos no orfanato e fomos juntos até nossa ala
-Boa noite elfo
-Boa noite dabi
Esses apelidos são uma longa história
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orfanato 042
Teen FictionUma jovem garota é órfã desde os 9 anos, ela e seu melhor amigo com problemas psicológicos tem discussões sobre a vida antes e depois do orfanato. uma história sobre as dificuldades de um órfão e os traumas do luto Esse história trata assuntos pesad...