Mari Lwyd

Capítulo Único

A noite do ano mais esperada pelo pequeno Kendrick se aproximava, as luzes davam a bela árvore de natal o mais forte dos contrastes, enquanto o cheiro dos biscoitos de sua mãe invadia todo o primeiro andar. Mas embora tudo parecesse normal, havia algo errado, algo do qual enchia a mente da jovem criança de preocupações. Sabia que não devia acreditar em nada dito por sua irmã mais velha, isso já lhe havia deixado em situações extremamente embaraçosas no passado, todavia a história contada por Kelly ainda martelava incessantemente em seus pensamentos. Nem mesmo os pulos felizes de seu cachorro sobre o garoto foram o suficiente para afastar aquilo de sua mente.

Enquanto tentava acalmar seu cachorro, Kendrick levantou seu olhar até a grande porta-janela que levava aos fundos, onde podia ver-se o pátio, e além da cerca-viva, onde seus olhos de fato focavam. O grande lago, que nessa época de verão costumava acompanhar o dia das mais diversas pessoas. Grupos de famílias, amigos, namorados, ou até mesmo os sozinhos, afinal, existe louco para tudo.

Hoje, porém, não era nenhuma surpresa o fato do lugar estar vazio. Não só as pessoas estariam em casa aproveitando a véspera de natal, como nesse ano, a lenda sobre Mari Lwyd acompanhou a todos adolescentes da cidade, que obviamente a usaram para amedrontar os mais novos, então os pais tiveram de lidar com várias crianças implorando aos berros para que não se aproximassem do lago. Infelizmente, Kendrick descobriu sobre a história apenas na noite passada, mas questionava-se se, caso tivesse essa informação mais cedo, de fato teria tido uma escolha diferente. Poderia até ter pedido para que fossem todos passar o natal junto aos avós, com sorte os pais gostariam da ideia, mas apesar de temer tudo aquilo e o que era representado, a curiosidade do garoto parecia o empurrar mais afundo na intrigante história. Quando o cachorro finalmente cansou e decidiu por deitar aos pés da poltrona, Kendrick se levantou, tomando o cuidado de não incomodar o cachorro, e caminhou a passos hesitantes até a porta a qual antes observava. Estava um dia quente, temperatura típica no Brasil e em todo o hemisfério Sul nessa época do ano, e faltando cerca de uma hora para o pôr do sol, seus raios apenas serviam como uma massagem morna contra o rosto do garoto, que sequer prestava atenção a esses detalhes.

Ao atravessar o pátio, a criança logo pula a baixa cerca-viva. Seus pais planejavam colocar um muro ali, afinal, nos últimos anos nenhum lugar estava seguro, mas era um projeto para o ano seguinte. Em passos rápidos, o mesmo logo se encontrava de frente para o lago, o cheiro das algas deixava o ar agradável, acalmando o coração da pequena criança. Como um lugar tão agradável seria o lar de algo tão terrível? Mesmo que seus potros tivessem sido levados, não justificava sequestrar os filhos dos outros.

Todo aquele clima ajudou a melhorar o humor de Kendrick, que começa a correr às margens do lago, convencendo a si mesmo que o que sua irmã lhe contou não passava de uma mentira. O mesmo eleva seus braços ao lado do corpo, os movimentando como imaginava que as asas de um avião faziam. Uma risada leve é ouvida, vinda dos lábios da criança. Era apenas outra bobagem de sua irmã e os amigos chatos dela, não havia nada a temer.

A criança segue em sua corrida, até que com um impacto, uma dor leve invade a ponta de seu dedo do pé, e seu corpo cambaleia para frente, logo cedendo ao peso do próprio corpo, e tendo o tempo necessário apenas para levar as mãos para frente, em ordem de não machucar seu rosto. Ao ficar sobre seus joelhos, o menino volta seu olhar para trás, mais especificamente para a área do chão que estava exatamente abaixo de seus pés, onde vê o que parecia uma corrente, que outrora pudesse ter sido preta, mas agora continha o vermelho alaranjado da ferrugem. Parecia ter sido recém desenterrada, como se algo da outra margem da mesma tivesse feito força contraria a pedra na qual ela estava presa e a tivesse tirado de debaixo da terra, além de ter a clara visão de que a mesma adentrava o lago.