Chego meia hora depois da ligação no instituto médico legal. Lá fora, havia câmeras, repórteres, todo tipo de gente.
Quando cheguei, me esqueci completamente do sonho bizarro que tive e só consegui lembrar de algo também assustador: eu não havia feito meu relatório de perícia. E meu chefe estava ali, me saudando sorridente.- Beatriz Fernandes - ele diz, com o olhar brilhando - adivinha quem será a perita chefe do caso?
Não. Não. Não. Não.
Atrás de mim, posso escutar um:
Sim. Sim. Sim. Sim.
Mas não tinha ninguém lá.- Beatriz?
- Ah, me desculpe, é o cansaço. Eu serei a perita chefe? Mas eu errei a causa mortis. Disse que era suicídio. Você me ligou e praticamente esfregou na minha cara que eu estava errada. - Ri nervosa.
- Sem problemas, você vai tirar de letra! Na verdade, agora só acompanhará o médico legista e o restante da investigação que será feita depois que ele constatar a causa mortis.
- Geralmente o perito não acompanha...- tentei reclamar.
- Os pais pediram pessoalmente para que um perito acompanhasse. O pai do falecido é um perito aposentado. Nesses casos, podemos acompanhar!
Então o pai de Noah era do nosso ramo. E tinha pedido que eu ficasse. Então, eu não poderia reclamar.
- Bom, enquanto o médico legista trabalha, vou ao banheiro. - falo em voz baixa.
O banheiro ficava depois da sala do médico. Enquanto andava, por descuido do médico, é claro, pude ver, enquanto, ele tranquilamente, removia os órgãos do cadáver. Bom, por descuido do médico pois as portas e janelas da sala específica dos exames post mortem devem ficar fechadas. Aquela imagem não me ajudou nem um pouco, mas consegui chegar ao banheiro.
Me olho no espelho. Pelo menos minha aparência estava boa; meus cabelos crespos estavam muito hidratados, minha pele preta brilhava. Era o resultado de pelo menos uma noite de sono.
Bom, eu não era uma super modelo, mas também não era de se jogar fora. Olhos grandes e negros, cabelos em tranças, um e setenta e cinco de altura. Minha voz interior me dizia o quanto eu era bonita.Lavo meu rosto com a água da pia, pensando em tudo o que estava acontecendo até então.
"Bom, Noah, quem é você?" pensei instintivamente.- Eu sou eu. Ué.
Três pulos pra trás. Um grito abafado. Essa foi minha reação.
O pior daquilo tudo, é que eu conseguia vê-lo. Atrás do espelho. Atrás de mim. Noah sorria - ou ria da minha cara - enquanto meus olhos estavam mais arregalados do que nunca.- Você...é...real?
- Assim como você.
- Como agora eu consigo te ver?
- Eu quero que você me veja, Beatriz.
- Mas por qual motivo? Porquê eu?
- Você me atraiu. Falou comigo antes mesmo de saber que eu conseguia te ouvir. Pediu aos céus que eu fosse recebido bem. Você me fez muito feliz. - ele sorriu - E também porque você vai me ajudar a colocar o desgraçado que fez isso comigo atrás das grades. E vai salvar pessoas fazendo isso.
Tirei um minuto pra pensar. Eu sei, que na minha idade, aos 25, não é comum que as pessoas comecem a ter sintomas de loucura, mas eu precisava colocar uma visita ao psiquiatra na minha agenda.- Beatriz. Você não está louca. A única pessoa que está com problemas aqui sou eu. Pense assim: você está viva, eu estou morto, mortinho da Silva.
- É exatamente por isso que eu estou ficando louca! E nem sei o porquê de estar discutindo com você. Você não existe. É coisa da minha cabeça transtornada.
- Okay. Eu não existo. Mas, como um ser que não existe, ainda posso te fazer um pedido?
Eu podia jurar que todas as vezes que ele falava, a voz vinha acompanhada de um sotaque norte americano quase não notável. Meu subconsciente tinha inventado até isso para o senhor Noah.
Respiro fundo. Uma. Duas. Três vezes.
- Pode - respondo.
- Meus pais irão vir aqui mais tarde. Você pode pedir para meu pai que ele se lembre do acordo que fiz com Felipe Lopes?
- Posso... Mas ele vai me perguntar o porquê de eu saber disso...
- Fale que pesquisou sobre a minha vida, minta. Você é da polícia, Beatriz, você pode descobrir as coisas e não precisar de motivos para provar que aquilo é a verdade. Os policiais sempre fazem isso mesmo, não é?
Ele não estava errado.
- Quem é Felipe Lopes? - pergunto, ignorando sua fala anterior. - Foi ele que te matou?
- Você é inteligente.
- Bom, eu não posso o prender sem provas, você sabe, certo?
- Por isso meu pai vai investigar isso pra você e provavelmente te entregar de bandeja. Você pode ser promovida, sabia? Tipo um daqueles clichês policiais.
Deixei que Noah continuasse falando sobre o quanto aquilo iria me ajudar e tudo mais. Bom, ele estava tentando vender seu peixe, certo?
Eu já tinha saído da negação. Sim, eu podia ver a alma penada de um cara que eu fiz a perícia. E ele era muito tagarela, a propósito.- Noah, eu vou te ajudar. Mas eu também preciso de um favor.
- Faço qualquer coisa pela minha perita favorita - ele forçou um sorriso.
- Não fique o tempo todo perto de mim, isso me dá arrepios. Só apareça quando eu te chamar, e por favor, por favor, deixe meus sonhos em paz!
- Se eu tiver mais coisas pra te contar, como farei?
- Eu sou a perita aqui. E pelo jeito seu pai também era. Não vamos precisar de sua ajuda por enquanto, tudo bem?
- Ok. Aparecer só quando você me chamar.
- Você vai conseguir me ouvir?
- Bom, algo que eu aprendi desde meu infeliz assassinato, foi que se alguém pensar em mim, eu sou automaticamente levado até essa pessoa.
Agora eu não podia mais nem pensar na coisa mais bizarra que já havia acontecido comigo, se não, de repente, voilà, fantasma express.
- Tudo bem. Só te chamarei com novidades a vista, combinado?
- Sim. Não esqueça do que eu pedi. Fale com meu pai.
- Não esquecerei. Agora... Você pode ir? Preciso realmente usar o banheiro.
- Volto só quando me chamar.
- Quando eu te chamar.
E assim, fiz meu acordo com um fantasma.
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Angels Like You
ParanormalBeatriz é uma perita criminal em seus anos iniciais de carreira. Como qualquer novato, ela tem dificuldades de se acostumar com o trabalho, deixando que as vezes suas emoções atrapalhem sua função. Um dia, Beatriz é chamada para a ocorrência de um s...