O vento soprava com determinação implacável. Seus cabelos, outrora presos por grampos, se rebelavam, livres. Ela sorria, não sabia ao certo o porquê de sorrir. Mas sorria. Seus dedos se esticavam, soltos e com direito de se movimentarem no ritmo da brisa. Seu vestido se ondulava fortemente, alheio à sua forma padrão, sujeito à vontade da natureza e da dança improvisada de sua dona.
_ É incrível! _ ela gritou, sorrindo com mais força. A gargalhada genuína lhe subindo pela garganta.
Há tempos não sorria como naquele instante. Era libertador.
Ao longe ele a observava, também sorrindo. Admirar a paisagem era seu pretexto, mas se cansou de usar pretextos. Havia feito aquilo por tempo demais. Se levantando e pegando o livro, guardando os óculos debaixo de seu arbusto favorito, ele seguiu em sua direção.
Não sabia seu nome, mas sabia que amava as poesias que recitava para si mesma. Não sabia sua cor favorita, mas sonhava com o castanho profundo de seus olhos intensamente pensantes. Queria dançar ao seu lado, mas não sabia se entenderia a dança em que ela se movimentava ou se seria convidado para estar ao seu lado.
O dia era brilhante, céu azul, nuvens esparsas, vento em abundância, ficar em seu quarto, dadas as características anteriores, seria um erro devastador. Um que poema algum chegaria à altura de remediar ou exprimir profundamente. Fechando os olhos e girando, caindo na grama que nascia verdejante, ela gargalhou com todo o ar de seus pulmões.
Queria poder agir como ela mesma, ser ela independente de seu nome e seu peso, seu jardim no momento lhe fornecia isso. Era seu refúgio. Recuperando o fôlego, e abrindo os olhos para se levantar, imaginou-se uma nova pessoa. Novo nome e história. Uma vida desbravando mundos em continentes livres. Liberdade era tentação e sua carne estava fraca.
_ Quem precisa viajar?! _ gritou para o vento, fechando os olhos mais uma vez. _ Temos nossos próprios navios em nossas mentes! Somos os condutores e colonizadores de continentes de partes nossas que nem ao menos conhecíamos! _ ergueu a voz, rodopiando com a emoção que a transbordava. _ Basta coragem em nossas veias! E a conquista de certa objetividade e logo uma bússola nos guiará até quem devemos ser! Quem realmente somos! _ completou, satisfeita com as palavras lançadas ao vento. Querendo redes para recuperá-las. Para pô-las no papel.
No entanto aquele momento bastava. Aquele momento era seu tudo.
Seu 'incrível'.Um nome; ele precisava de apenas um nome. Então sua musa teria mais substância; seria ainda mais real. Enquanto se aproximava, e ouvia seus novos versos cheios de emoção crua e pulsante, ele sentiu seu coração se acelerar. Era sua poetisa ali, a poucos passos, e ele era seu ouvinte. Seria seu fiel leitor até o último dia sobre a Terra que fosse concedido ao corpo que carregava sua alma e o anseio de observá-la.
Um nome e dormiria em paz.
As tardes passavam mais rápido do que desejava, do que seria justo em instantes de explosões criativas, mas ela aceitou seu destino. Abrindo os olhos e observando a inclinação do sol, sua fuga para o horizonte longínquo sem uma despedida à altura, ela deu adeus ao momento de libertação que tivera. Adiando seu desejo por mais.
Voltar para casa era o que mais queria quando obrigada a conversar enfadonhamente com pessoas enfadonhas em todos os sentidos, mas ali, a natureza sem limites ou delineamento, ela só desejava uma mudança da passagem do tempo. Ansiava a relatividade quando fechou os olhos.
Seu nome logo seria chamado, o encanto acabaria, paredes a confinariam em um ambiente que, raras vezes, era seu lar como deveria supostamente ser. Então abriu os olhos, os varreu pela paisagem colorida com novos tons, e os prendeu em uma silhueta evasiva.
Ela o viu, seu coração zunia, ela o viu e o enxergou. Ele precisava de seu nome, precisava pedir. Sua garganta, instantes atrás repleta de frases belas e pensadas, de repente se tornou seca e vazia de qualquer comunicação. Quem era ela? O que fazia com sua voz? Onde estava sua voz?
O filho enfadonho da vizinha a encarava, intrometendo-se em seu casulo que a afastava da realidade, e ela o odiou. Quem era ele? Por que a espionava tarde sim, tarde não? Ouvindo suas frases e as engolindo como água? zombava dela? Como ousava? Se ao menos soubesse seu nome. Se o soubesse diria tudo o que lhe vinha a mente como seus poemas de raiva e ódio que incendiavam sua alma. Onde ele estaria? Onde estaria o nome daquele que a encarava? Onde estaria o motivo de encará-la?
Tente, repetiu para si mesmo, apenas vá e tente. Ela não é cruel, é intimidante em mais de um sentido, mas não é um monstro. Converse, fale sobre o clima. Comece, ou um sonho será tudo o que terá ao vê-la recitar poesias ao vento.
Seus pensamentos o atormentavam enquanto avançava, enquanto a observava assumir sua expressão fria, enquanto assistia a emoção abandonar seus olhos escuros.
Por favor, pediu, fique aqui._ Dia lindo, não? _ perguntou, a garganta falhando.
Clima, sempre clima, ela pensou. Mas algo em seu peito decidiu dar uma chance ao rapaz. Algo em seus olhos caramelados a fez reconsiderar, havia bondade ali. Bondade e honestidade; ela tentaria retribuir isso.
_ Sim, mas o sol nunca fica tempo o suficiente. Justo quando o quero _ riu, para si mesma, evitando seus olhos. Precisava de sua mãe ali. Ela saberia como continuar uma conversa.
_ Não... Não aprecia o vento também? _ ele tentou, se odiando pela rouquidão. Mas amando ouvir a voz dela para ele.
Ela o encarou, roupas de veraneio, simples e puídas, assim como as dela. O casaco do avesso. Riu. Observou o livro que levava ao seu lado, poesia, e o admirou mais do que pensou ser possível. De repente interessada em seus pensamentos e em seus olhos caramelados.
_ O vento é incrível _ riu, apontando para seus cabelos desgrenhadamente soltos e para o casado ao avesso que o rapaz usava _ mas desnorteia os sentidos, não? _ brincou.
Deus... Ele pensou ao ouvi-la. Se aquilo era amor, o sentimento que percorria seus nervos de cima a baixo, então ele fincaria seus pés na grama e seguraria o sol para que nunca permitisse que aquele momento passasse.
Quieto... Ela pensou, supostamente ele deveria continuar a conversa. Talvez ela não fosse a única com falhas naquele ramo, concluiu com divertimento. O que não pagaria para que sua família entendesse isso...
_ Eu... Eu gosto de ler poesia _ ele começou, respirando fundo, a encarando na imensidão de seus olhos assustadoramente profundos. _ E... Eu ouvi você recitar poesia mais cedo.
Meu Deus, ela pensou, onde poderia se esconder? Por que a perseguir para zombar dela?
_ Sim _ se limitou a dizer. Não a atingiriam, ele e quem quer que estivesse atrás daquela brincadeira. Não permitiria. Não de novo.
_ Vocêéincrível! _ ele despejou, dando as costas para o bom-senso e sendo sincero. Nunca pensou que olhos, simples olhos, o fizessem se sentir a estar prestes a ser fuzilado.
Aquilo era real? Se perguntou, então encarou seus olhos sinceros e com medo. Sinceridade era escassa, mas ele tinha uma nascente.
_ Obrigada _ ela respondeu, não conseguindo conter o sorriso, ou as bochechas se avermelharem.
Isso poderia durar para sempre, pensaram. Eu queria que isso durasse a eternidade, suspiraram.
_ Elisa!
_ Edgar!
Suas mães gritaram.
Seus olhos se encararam.
Sorrisos foram expressados.
Ambos acenaram.
O jardim deixaram.
Os dois com o que queriam.
Um nome lhes havia sido dado.
Uma noite de sonhos havia começado.
Um verão de poesia semeado.
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Crônicas de verão
Short StoryVeraneios e viagens em versos espalhados na brisa do verão que vem nos visitar.