Chapeuzinho em pele de cordeiro

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Toc! Toc!                     
__ Quem é?                                          
__ É a Chapeuzinho__ disse uma voz pueril.                       
__ Entre, querida. A chave está debaixo do tapete.                                      
  A porta abriu, a vovó ansiava pela visita de sua netinha, arrumou-se para recebe-la bem, sem transparecer que estivesse enferma, apesar de estar.                         
__ Você não saiu do caminho, não é?                     
  A porta do seu quarto abriu e o que viu entrar a fez ficar pálida, estremecer e se encolher entre as cobertas.                                                   
__ O que faz aqui?                                           
__ É assim que fala com um velho amigo?                          
__ Sai daqui, demônio!                                      
  Ele rosnou, o que fez aquela senhora sentir pavor.                                       
__ Fale logo o que quer!__ disse ela quase chorando.                         
  A criatura peluda calmamente pegou uma cadeira de balanço próxima de si, aproximou-se da cama e se sentou.                                          
__ Eu vi sua neta hoje.                                      
__ O que fez com ela?!__ disse ela indo do pavor a fúria ao ver sua neta sendo citada através do hálito quente daquela besta.                                                   
__ Você violou o nosso acordo...__ disse com os olhos caninos fitos nela e com as mãos fortes e peludas agarrando com força os braços da cadeira, que começaram a emitir um ruído.
__ Não... não fiz, por favor, não faça nada a minha neta...__ disse ela sentindo angústia.
__ Eu vi sua neta hoje. Ela salvou minha vida, mas isso custou um preço... um preço bem alto...                         
  "Não saia do caminho, Chapeuzinho. Leve os doces e sob nenhuma circunstância saia do caminho. Prometa-me minha filha, prometa-me"; a garota não conseguia entender o porquê disso, o que havia de tão ruim fora do caminho que sua mãe temia tanto? Pensava Chapeuzinho enquanto andava estrada afora bem sozinha levando doces em direção a casa da vovozinha.                                      
  Um vento forte soprava naquela manhã agradável, mas não parecia que ia chover, no entanto caso chovesse estaria preparada, pois viera com sua capa de chuva vermelha. Todas as vezes que saía de casa aquela capa a acompanhava, se tornou até motivo de apelido. Ela foi um presente de sua avó e foi feita sob medida, aliás já fazia um bom tempo que não a via, não via a hora de contar as novidades: que seu último dente de leite caiu, que ganhou um cachorro novo e que estava saindo sozinha de casa pela primeira vez. Para a preocupação de sua mãe que não se animou nem um pouco com a ideia.                                                                    
  Havia mais do que doces na cestinha, também havia remédios. Sua mãe estava bastante atarefada e seu pai... estava trabalhando como sempre, mas foi ele convenceu sua mãe que já estava apta para sair sozinha. "Ela já é grandinha, tira boas notas, é bem responsável para a idade dela, vai conseguir se virar"; disse ele.                                  
  A mãe concordou e lá estava Chapeuzinho Vermelho...                 
__ Pela estrada afora eu vou bem sozinha levando estes doces para a vovó... 
  Chapeuzinho ouviu um barulho estranho vindo da floresta. Sentiu-se tentada a ir olhar, mas recordou-se das ordens de sua mãe, então continuou a andar e cantar.            
__ Vovozinha, ela mora longe e vou bem depressa, pois ela está...                         
  O som ficou mais forte, ela aproximou-se para saber o que era. Entendia que deveria prosseguir, mas a curiosidade a dominava.                                      
  Eis que ela penetrou floresta adentro, era um som semelhante a um ronco... não, era um ronco... havia um lobo dormindo próximo a belas flores, belas violetas. Talvez sua avó fosse gostar... não! Era perigoso demais, se o lobo acordasse... e lá estava Chapeuzinho se aproximando lentamente das flores.                                
  O lobo parecia estar em um sono bem profundo, o que fez a garota ficar mais tranquila, se descuidar, fazer barulho no momento que pegou as flores.              
  Quando arrancou a últimas das flores, o lobo acordou e arrancou-lhe um grito. A garota gritou alto agonizando de dor pela fera ter cravado seus dentes em seu pulso, chorou, tentou puxar, bateu nele e mesmo que o lobo nada tenha sentido, ele a soltou.
  A garota caiu e ficou estirada no chão, segurando o pulso machucado enquanto a fera enorme rosnava acima dela, o Lobo disse:                                                     
__ O que faz aqui invadindo o meu território?                   
__ Eu só queria... pegar flores...__ disse ela nervosa.                        
__ Vai encontrar bastante no cemitério__ disse aproximando-se.                    
__ Por favor... eu só quero dar flores a minha avó doente.                       
  Ele continuou a se aproximar.                               
__ Meu... pai é caçador, se fizer algo comigo ele vai...                         
  O Lobo parou, Chapeuzinho ficou surpresa.                         
__ Ele é caçador? Você tem avó...__ o Lobo ficou pensativo e depois de um longo silêncio perguntou__ quem é sua avó? Responda ou...
__ Como ela salvou sua vida?__ disse a Vovó.                                      
__ O caçador estava nas redondezas enquanto eu dormia, se ela não tivesse me acordado... eu não estaria aqui, percebi isso quando os vi conversando depois do nosso encontro.
__ Filha, está tudo bem? O que faz aqui? Sua mãe avisou que não era para sair do caminho!__ disse o pai em seus trajes de caçador, que incluía pele de lobo, urso e chapéu de ovelha.                         
__ Eu sei, eu só vi algumas... flores e quis pegar para levar a vovó.               
__ Então por que gritou?                                      
  Chapeuzinho escondia o pulso ferido debaixo da capa.  
__ Achei... ter visto... visto... um rato.                      
__ Está tudo bem? Você tá pálida...                                    
__ Tu... do bem, só... me dê as flores, vovó está me esperando, não quero deixa-la preocupada.                                      
  Com hesitação o pai lhe entregou as flores, a beijou e deixou-a partir.      
  Chapeuzinho estava morta... de preocupação pela sua avó, a qualquer momento o Lobo poderia vir ataca-la, deveria ter avisado seu pai, será que daria tempo de voltar atrás e falar com ele?
__ Então você poupou a vida dela, então que preço ela pagou?__             
  O Lobo não respondeu.                                                   
__ Eu juro... juro pela vida de minha neta que não revelei o paradeiro da sua alcateia a ninguém__ disse aflita.                           
__ Então ela ter me encontrado foi só coincidência? Foi graças aos gritos dela que o Caçador rastreou meu bando, meus pelos, meus rastros...__ disse o Lobo indignado.            
__ Sim, foi coincidência, ela é só uma garotinha. Se for para me matar, me mate, mas por favor, poupe a vida dela__ disse aquela senhora quase chorando.            
  O Lobo ficou pensativo, demorou um pouco para responder a fitando atentamente, a analisando através de seus sentidos aguçados e por fim ele disse:                           
__ Acredito em você. Deveria me agradecer por eu estar aqui, minha alcateia queria vir pessoalmente para devorá-la, no entanto eu os convenci a não virem, pois queria lhe dar o benefício da dúvida.                                
  A senhora o olhou confusa, o Lobo percebendo continuou:                        
__ Não pense que eu amoleci, eu o fiz pela sua neta, pelo que ela fez a mim. Ela salvou minha vida, no entanto pôs todo o meu grupo em risco. Era para ela ser perseguida, não você. Mas como ela não me dedurou ao caçador, eu também não a dedurei.            
  O Lobo se levantou da cadeira, foi até a porta, parou e disse:            
__ Vou falar com o meu grupo, mas posso lhe assegurar que hoje você pode descansar em paz, já sua neta...                   
__ O quê?!                               
__ Brincadeirinha__ disse rindo um pouco e foi embora.                      
  Depois disso um longo silêncio se fez até a vovó ouvir a voz de chapeuzinho gritando por ela, entrando em seu quarto bastante cansada e suada, coçando o pulso que parecia estar ferido. Havia algo de diferente no olhar de sua neta.                            
__ O que houve, minha filha?                            
__ O Lobo... o lobo...                          
__ Acalme-se, respire, minha filha.                
__ O Lobo... passou por aqui?              
__ Que lobo?                          
__ O Lobo Mau! Ele disse que iria lhe visitar, ele queria te devorar!                  
  Sua avó deu um sorriso triste e disse:                                       
__ Nenhum lobo passou por aqui, minha filha. Está tudo bem.                   
__ Então ele ainda vai vir, precisamos fugir. Eu vi meu pai hoje, mas esqueci de avisá-lo, mas se o lobo não veio ainda temos tempo de...                             
  Sua avó interrompeu-a segurando gentilmente seu pulso machucado e disse:            
__ Foi o Lobo que fez isso?                         
  Chapeuzinho Vermelho hesitou e disse:         
__ Sim, ele poderia ter me matado mas... mas... mas...                         
__ Mas o quê?__ disse a avó preocupada.                    
__ Que olhos grandes você tem, vovó!__ disse com um certo fascínio.            
__ São para te ver melhor. Mas diga-me, o que ia me dizer?             
__ Que orelhas grandes você tem...__ disse com um fascínio ainda maior.
__ São para te ouvir melhor, ouvir melhor o que tem a dizer. Vamos, diga-me logo o que tem a dizer, minha querida.                                    
__ Que nariz grande...                                                   
__ Chapeuzinho! Está realmente tudo bem? Por que está me olhando esquisito? Há algo de errado com o meu rosto?                                      
__ Estou com fome...__ disse com voz meio rouca e lambendo os beiços.              
__ Certo... você venceu...__ disse tentando abrir um sorriso__ parece que está tudo bem e você está na idade de questionar e perguntar sem parar, e... independente do que tenha passado, vai ficar tudo bem, deixa eu ver melhor esse pul...__ e ao tentar tocar novamente no braço da garota, ela agarrou bem forte a sua mão__ está me machucando, meu amor, pare__ disse firmemente.                                     
__ Estou com fome__ disse a garota emitindo um estranho som semelhante a um rosnado e apertando o braço de sua avó cada vez mais fortemente.                   
__ Nós vamos comer depois que me soltar... me solte...__ o osso da vovó começou a quebrar__ pare... pare agora, me solte...__ olhar de Chapeuzinho estava cada vez mais sinistro.                                              
  As unhas cresceram, orelhas também, nariz e boca aumentaram e uniram-se num só, formando aos poucos um focinho com bigodes, ganhou pelos e ficou maior e maior assim como sua fome.                           
  Chapeuzinho sumiu e agora só havia um enorme lobo e uma velha apavorada e pálida de medo tentando se livrar daquela besta faminta. Um esforço em vão, o Lobo Vermelho puxou-a para si, cravando os dentes caninos permanentes em seu pescoço enquanto a avó gritava de uma maneira que nunca havia gritado antes.             
  Quando o Caça... o pai de Chapeuzinho chegou, era tarde demais. Só havia sangue, o corpo dilacerado de um pobre idosa e uma garota chorando repleta de sangue.          
  Ele não demorou para perceber que... era obra de algum lobo... o Lobo Mau havia passado por ali e ele havia chegado tarde demais, deveria ter percebido antes que sua filha andava estranha, precisou interrogar um lobo para que soubesse o horror que iria ocorrer naquela casa.                            
  O pai foi abraçar a Chapeuzinho fortemente e disse:                           
__ Está tudo bem, minha filha. Vou pegar aquele lobo... ele vai... vai ficar tudo bem, aquele monstro vai se arrepender do que fez.                               
  Foi quando os lobos começaram a uivar.               
__ Não tenha medo, eu estou aqui.                 
  Chapeuzinho Vermelho não sentiu medo, na verdade sentiu-se tentada a uivar também.

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