Storm

3 1 0
                                    

  Vamos te chamar de Storm, porque a escuridão sempre precedeu a calmaria o entre nós.

  De alguma forma, nós nos conhecemos. Não lembro exatamente em que situação nós criamos uma amizade, mas foi tão fácil com você que eu nem liguei. Mesmo colégio, mesma turma, mesmos interesses e mesma quietude. Estava escrito que seríamos bons amigos.

  O tempo começou a passar e nós conversávamos todos os dias. Em aula ou pelas redes sociais. Funcionava. Descobríamos novas particularidades ou coisas em comum quase que sempre. E em grandes quantidades. Eu sentia vontade de me abrir com você e não tinha vergonha de parecer uma boba divagando sobre algum assunto aleatório por horas, como as cores do céu. Era divertido.

  Se existe um erro meu que eu escolheria mudar, é o do contato. Eu sempre exagero sem intenções de ficar. Abraços, toques, sorrisos, olhares. É natural, eu não gosto de ser rasa no carinho de uma amizade. Mas nesse passo esqueço que a pessoa do outro lado tem sentimentos. Não é egoísmo, mas sim uma mistura de carência, amor e ego. E esse erro também te arrastou.

  Nós tínhamos amigos em comum, claro, e essas pessoas já haviam me avisado que teria começado a nutrir sentimentos. Eu sempre fico desesperada ao chegar a esse ponto, porque sei que irei perder alguém que gosto imensamente e isso sempre dói. De qualquer maneira, nós seguimos a amizade, comigo diminuindo o contato, enquanto você escondia o que sentia. 

  O meu aniversário é uma data de espera, de compartilhamento de cuidado e de carinho. Eu adoro ser mimada. Naquele ano, eu ganhei muitos presentes artesanais - os meus preferidos -, como desenhos especialmente para mim e muitos poemas, que eu ainda guardo comigo. Você também fez isso, mas o problema começou quando eu recebi um pacotinho seu pedindo para que abrisse só longe dali. Eu sabia o que era. Sabia que era algum tipo de declaração. E eu me assustei, mas fingi que não era nada, agradeci e fui embora. 

  Claro que não ia esperar até em casa. Eu abri no carro, e era um acessório. Um acessório com significado, com desenhos, e você fez questão de atribuir todos os porquês em uma carta. Eu chorei de agonia em saber que não te correspondia.

  E nós conversamos sobre isso durante a noite. Eu fui sincera com você, e você aceitou, ou fingiu aceitar a recusa. Mas isso passou como uma tempestade, rápido, voraz, e logo a nossa amizade abriu.

  Ficamos mais próximos do que nunca. Eu fiz amizade com a sua família e você com a minha. Você sempre me ajudava nas minhas crises, e me mimava com os doces que gostava. Era uma grande amizade, e talvez para você um amor encaminhado. Eu segurei o que tínhamos por egoísmo, com medo de ficar sozinha. Mas você sempre foi muito paciente, sábio, não demonstrava além do que sabia que eu não aguentaria. Um verdadeiro cavalheiro. E isso não mudou.

  Durante um ano, essa conexão nossa foi muito forte. No próximo, ele esfriou um pouco. Mas ambos éramos pessoas que não mudavam com a distância, e eu fico feliz por isso. No terceiro ano de amizade, quase não nos falávamos, mas quando acontecia, era como se voltássemos ao primeiro. O mesmo carinho, a mesma intimidade. Eu sei que você voltava a nutrir sentimentos quando voltávamos a nos falar.  Mas isso passava.

  No quarto ano de amizade, o atual, nós quase não nos falamos. Eu posso responder uma publicação ou stories seus aqui ou ali. Você pode me mandar mensagem no whatsapp só para perguntar como anda a minha vida, e eu a sua. Nós vivemos aquela calmaria e plenitude de uma velha amizade.

  E com orgulho disso, eu agradeço silenciosamente por você existir. Eu quebrei o seu coração, mas você me ajudou a consertar o meu. Se eu fosse escrever tudo o que vivemos, as viagens que fizemos, as conversas que tivemos, as ligações que você só desligava quando me ouvisse dormir, isso levaria tempo, e talvez uma segunda carta. Mas eu sei que agora está tudo bem. A sua vida é diferente da minha e isso é bom, porque sei que quando mandar mensagens, nós voltaremos a nossa amizade do primeiro ano.

  Com carinho.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 30, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Carta aos meus não-amoresOnde histórias criam vida. Descubra agora