Não que estivesse sendo um período fácil para todos, mas Paolla sentia agora o pesar de estar vivendo o que seria, talvez, o pior momento em sua vida.
Ainda notava os efeitos da Covid-19 em seu organismo, mesmo que mais leves; seu ritmo de trabalho não vinha sendo nem metade do que estava habituada, o que só a angustiava mais; a ruptura recente de seu relacionamento com Douglas, que já vinha em uma derradeira gritante e incômoda, ainda que não houvesse um ponto final definitivo. Precisava resolver isso, aliás. Não estavam bem e nem se vendo mais como antes, mas seria bom para ambos dizer um adeus para fechar o ciclo. Enfim...
Tudo parecia fora do lugar.
Tudo parecia em desordem.
Tudo parecia além de seu controle.
Bom, para Caroline Paola era como tirá-la de si e isso já lhe mexia desde o emocional até o físico; Ao passo em que, isolada, vinha focando mais nos exercícios – pós um relaxamento merecido durante as filmagens do novo longa-metragem que rodara em São Paulo. Sentia que precisava disso para estar minimamente ao eixo novamente. Alinhada, como ela diria.
Não que isso estivesse adiantando grande coisa. Quem lhe cercava, notava como seu brilho, sempre tão incandescente, esmorecera de tal forma que era como se não a reconhecessem. Não aquela mulher sempre tão altiva e enérgica. Ela andava apagada, sem tanto ânimo, sempre preferindo a reclusão. Essa não era mesmo a Paolla que estavam acostumados.
Os amigos, sempre muito fiéis, tentavam de tudo para que voltassem a ter àquela que amavam, sempre fazendo convites para sair e fazer algo, que ela sempre recusava.
"Reage, Paolla!" refletia ela frente ao espelho, fitando a própria imagem como se não reconhecesse o que via.
Apática, com olheiras marcadas e pálpebras inchadas. O cabelo estava sem vida. Seus lábios, sempre motivos para lindos elogios, pareciam murchos e sem cor.
Trajando um short soltinho bem curto e uma regata qualquer, das inúmeras que tinha de Reebok, parecia estar a nada de marejar diante daquele reflexo, procurando com aqueles olhos oliva curiosos em que momento se perdera assim.
Paolla ficou arrastados minutos observando atentamente cada centímetro de seu corpo.
Olhou para os pés descalços e sujos, um deles com um sol desalinhado tatuado na lateral; as canelas com algumas marquinhas de tombos e machucados; as coxas grossas sempre tão elogiadas e algumas celulites que faziam tais elogios virarem críticas de repente; sua barriga...
De repente parou por ali.
Ela subiu um pouco o tecido fino da blusa e analisou seu abdômen. Sua cabeça chegou a inclinar-se um pouco à direita enquanto observava aquela região que já havia sido motivo para longas conversas com seu pai. Ele nunca deixaria de grifar sua idade passando, de listar seus relacionamentos e questionar quando viriam seus netos.
Será que algum dia eles viriam?
Ela desfez aquele questionamento interno, soltando a blusa e retomando o caminho, subindo os olhos para seus braços, sempre definidos mas agora nem tanto; seu colo e pescoço com diversas pintas e sardas, talvez revelando a idade avançar bem como sua expressão facial, agora com ruguinhas naturais ao redor dos olhos e boca. Ali existiam manchinhas naturais de quem claramente esquecia dos cuidados diários e tudo bem.
Paolla seguia se encarando.
Olhava para si e buscava no que via, o motivo para tantos elogios que recebia sempre. Será que os merecia?
Todos os dias ouvia e lia palavras como: mulher mais linda do Brasil, a mais gostosa, meu sonho de consumo... Como era possível que tantas pessoas pudessem vê-la assim e ela mesma estar com pensamentos tão contrários agora? Se era assim tão incrível, por que nenhum relacionamento funcionava? De onde vinha tanta insatisfação? O que havia de tão errado consigo? Os homens pareciam se encantar pelo glamour de sua persona, mas sumir quando a Paola com apenas um L dava as caras. Não lhe parecia justo.
Por sorte, a torrente de maus pensamentos fora interrompido por Marley, adentrando o closet estabanado como sempre, com um brinquedo qualquer na boca, fazendo barulho com as enormes patas sobre o chão.
O cachorro parou assim que topou de frente com ela, pairando com uma expressão intrigada enquanto recebia o mesmo olhar de sua dona.
Eles pareciam conversar em silêncio.
Ela, sempre disposta a bagunçar com ele, quase lhe pedia por socorro com o olhar, quietinha.
Ele, brincalhão e dramático, tentava entender porque não a viu chamá-lo animada de imediato, como aconteceria em qualquer outra situação.
O pet largou o objeto no chão devagar e, na mesma velocidade, se aproximou dela, como quem tentava entender.