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Andava com o rosto afogueado, correndo com a companheira que vinha até em casa, cada chute era um riso e uma distância, a pedrinha ia cada vez mais longe toda vez que seu pé ia de encontro a ela, andou mais um pouco e chegou junto, chutando outra vez. A pedra caiu na água rasa. Seu sorriso morreu, e nem a aula de Estudos Amazônicos que teve aquele dia faria ele voltar.

Tirou o molho de chaves do bolso lateral e abriu o portão, retirando os cadeados do tamanho de maçãs, logo em seguida abrindo a porta, que rangeu, pesada, com um longo ruído que ecoou na água embaixo da casa e seguiu adentrando a mata verde e silenciosa.
Arrancou os sapatos e deixou próximo ao porta-chapéus da entrada, o qual usava para deixar pendurados todos os trecos que tinha. Como um companheiro silencioso que lhe brigava toda vez que chegava em casa.
Tirou a blusa do trabalho, pendurando e logo em seguida tirando a calça também, a deixando no assoalho de madeira e em seguida pulando no rio. A água estava fria, afinal, eram umas seis horas da tarde e isso a fazia sentir como se tivessem jogado ela na frente da geladeira depois de sair para comprar algo ao meio-dia. Era bom, até, esperava. Depois de dar algumas voltas e mergulhos ー sem a necessidade de abrir os olhos debaixo d'água, já que sendo o rio verde escuro, não conseguia ver nada mesmo àquela hora, apenas o reflexo da mata ao seu redor ー resolveu sair, já devia ser mais de sete e ela teria um turno às oito.

Assim que subiu, torceu os cabelos para que eles não molhassem o piso inteiro. A tinta amarela começava a sair demais, manchando as coisas, um intermédio entre o retoque e a necessidade dele. Repentinamente, ouviu a água respingar forte e com um baque surdo, virou-se, com o coração na boca, lembrando das velhas histórias sobre não poder ir ao rio depois das seis. Mas era apenas uma folha de açaizeiro que caíra na água, nada demais.

Mesmo assim, subiu os degraus com mais pressa que seu orgulho permitiria contar a alguém. Penteou os cabelos e todas aquelas parafernálias que se deve fazer antes de sair, ser cheirosa era uma das coisas pela qual prezava bastante. Pegou o casaco — estava afim de dormir no ônibus — e saiu porta afora, e logo depois voltando raivosa por esquecer de bater o cadeado.

As ruas começaram a encher de crianças e adolescentes, saindo ou indo para as escolas. Gostava de observar e catalogar para qual escola ia qual, já sabia até os nomes. Guillhobel, Avertano, aquela era uma aluna do Paes de Carvalho? Quase sentiu pena da moça, era uma viagem e tanto; Alguns perdidos sem uniforme, UEPA ou UFPA, tanto faz. Universitários exalavam sempre o mesmo ar de "Senhor amado, preciso resolver essa apostila..."

Enquanto seu ônibus não vinha — e ô onibuzinho pra demorar, aquele — ia observando um por um. Era engraçado ver o exagero de cada um, ver como pequenas coisas e pequenos dramas enchiam as vidas rápidas deles. Quantas saudades tinha daquelas preocupações que pareciam o fim do mundo quando, comparado ao que ela vivia agora, eram mais como pedras caindo em um lago, não faziam tanta diferença quando se juntavam a tantas outras no leito que era seus problemas. Mas ainda assim, achava uma fase tão bela. Quem dera poder voltar e só se preocupar com a sua nota em matemática e dar uma desculpa pra não fazer educação física.

As luzes dos postes começaram a acender, amareladas e difusas em suas lentes grossas de camelô. Anotação mental pra ir num oftalmologista de verdade. Quando viu, lá longe, um letreiro que dizia "São Brás". Ah, já não era sem tempo! Fez o sinal com a mão, sinalizando para o seu amor parar. Entrou nele, com pressa, notando ser o das 18:45. É, estava atrasada.

— Boa noite! — disse enérgica e saudosa, por ver a cadeira individual vazia.
— Boa noite, loirinha! — disse o motorista, já partindo da parada.
— Égua do apelido, hein? — disse, mortificada pelo apelido mas no fundo rindo dele.
— A loirinha do pop! — completou o cobrador.
— Agora me deu medo. — disse, passando da roleta e acenando pra ele, já sentando em sua amada cadeira. Há poucos prazeres na vida maiores do que a cadeira individual do ônibus e conhecer quem tá operando ele.

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