1 - Morangos e conhaque.

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Já era tarde da noite quando decidi sair de casa e procurar algum bar aberto para matar a sede de álcool que tomava conta de mim, como uma avalanche de sentimentos, os quais não estava nada a fim de enfrentar. Não hoje, dizia a mim mesmo, não hoje. Talvez amanhã. E assim se passava um dia após o outro, todos iguais e inigualavelmente maçantes. Me forcei a levantar da cama em que estivera deitado por horas a fio, sem perspectiva alguma de melhora, calçando meu bom e velho par de botas pretas de caminhada e puxando o casaco jogado sobre a cômoda. De algum jeito, sabia que precisava reagir.

Com as chaves e as mãos nos bolsos do casaco após trancar a porta por fora, o ar gelado me atingiu em uma lufada de vento e me fez tremer até os ossos, provando que apenas aquele casaco não seria suficiente para aquecer um coração gelado. Poucas lágrimas tentaram escorrer de meus olhos, mas pisquei com força e rapidamente as reprimi, caminhando sob as luzes amareladas de postes velhos e gastos em busca do lugar onde costumava ir quando a solidão batia à porta e fazia questão de relembrar as poucas e boas que havia passado, as merdas que tivera de ouvir e o quão abandonado no mundo eu estava. Era tão triste que chegava a dar pena.

Ironia do destino ou infame coincidência, as portas já se encontravam fechadas. Respirei fundo antes que o sangue subisse à cabeça e apertei as mãos firmes em punhos, dando meia-volta, mas em vez de voltar pelo mesmo caminho, passei a andar errante pelas ruas mal iluminadas sem dar uma foda de atenção a qualquer lugar que sequer estava indo. Tudo parecia tão morto e silencioso que apenas o baixo ruído dos meus passos se fazia ouvir conforme seguia pelo caminho, olhos a meio caminho entre o horizonte e o chão e ombros encolhidos pelo frio. Não fazia ideia de onde vagava até notar uma luz ainda acesa do outro lado da rua, vazando por entre quatro vidros jateados de uma janela retangular numa parede de tijolos aparentes. Talvez fosse uma ótima opção para entrar e me aquecer um pouco, e com sorte teria alguma bebida barata de qualidade duvidosa para queimar a garganta.

Uma escrita desgastada na soleira denunciava o que deveriam ter sido dias de glória de um bar em evidência, mas que agora parecia apenas um velho cortiço caindo aos pedaços. Algo me impulsionou a entrar e abri a porta com um rangido de dobradiças em falta de óleo, logo sendo tomado por um burburinho de murmúrios enrolados e o inconfundível cheiro de álcool. Tive a sensação que minha língua secou instantaneamente e se tornou áspera como lixa, não resistindo a adentrar o local e olhar em volta, ainda um tanto atordoado. Para minha surpresa era muito bem organizado por dentro, os copos e taças pendurados acima do balcão brilhavam tal qual o tampo de madeira, reluzindo a ponto de fazer meus olhos doerem. Poucas pessoas sentavam-se às mesas espalhadas pelo salão, uma em especial atraindo minha atenção no mesmo instante. Cumprimentei o garçom com um leve aceno de cabeça e me dirigi para a dita cuja, puxando a única cadeira vazia, sentando sem cerimônia com o braço esquerdo apoiado sobre a mesa.

— Posso sentar aqui?

Os cachos de seu cabelo ondularam enquanto erguia a cabeça, grandes olhos escuros em um rosto inchado e cansado me encarando como se eu fosse a coisa mais bizarra do universo inteiro. Deveria ter chorado por um bom tempo, pois sua voz estava fraca e quebrada quando respondeu.

— Fique à vontade.

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