Os olhos castanhos fixos em mim me fizeram sentir como se o mundo inteiro me observasse, ainda que não fosse nada da verdade. Talvez o mundo estivesse contido naquele olhar, mas de qualquer forma, eu não saberia dado o fato de estar perdido em zilhões de pensamentos e emoções diferentes no momento. Ao mesmo tempo em que não conseguia desviar a atenção da figura à minha frente.
O som distante de passos e um breve pigarro me trouxeram de volta à órbita terrestre, finalmente acordando para a realidade. Enfiado num bar outra vez para encher a cara, não? Nada fora da típica rotina mediana de um coração partido e solitário. Pisquei por alguns segundos e virei a cabeça para o garçom, o qual mencionou algo sobre cardápio, bebidas e pedido na mesma frase. Murmurei vagamente "conhaque... uma dose." antes de então sentar-me à mesa.
Seus dedos magros tamborilavam sobre o tampo amadeirado quando apoiou a cabeça na outra mão, parecendo tão vazio e distante como a mim mesmo. Abri a boca algumas vezes mas som nenhum saiu, não fazia ideia do que dizer ao mesmo tempo em que queria muito muito lhe falar, abrir espaço para que compartilhasse sua aflição e enchesse meu interior com despejos de tristeza até sentir-se aliviado. Uma enorme pena que eu não fosse um belo de um psicólogo com tempo de sobra.
Meu apreciadíssimo conhaque chegou junto de um copo contendo leite batido com morangos para ele, o qual logo foi capturado entre suas mãos e bebido avidamente através do fino canudo listrado de branco e vermelho. Quase me permiti sorrir ao apreciar seu aparente paladar suave para bebidas enquanto estava no fundo do poço, bebericando meu copo em goles minúsculos e trabalhando algo interessante no fundo de minha mente para ser capaz de formular uma conversa decente.
— E aí, cara. Qual a merda de hoje?
Observei a isca ser mordida e os lábios se abrirem em um jorro de histórias péssimas das últimas semanas, escutei atentamente cada parte do inferno que seu antigo companheiro – a pessoa na qual ele havia confiado com a própria alma – havia causado em si.
— Porra, que filho da puta desgraçado. Se eu vir ele na rua, arrebento aquela cara maldita.
Palavras de conforto e apoio meio vazias surtiram efeito e lá estava, aparecendo pela primeira vez sob meu olhar atento. Um pequenino sorriso repuxando o canto de sua boca e o leve riso soprado e caramba, ele parecia adorável nessa expressão. Contive a vontade avassaladora de estender os dedos por cima da mesa e envolvê-los nos dele, apenas finalizei a bebida que agora queimava minha garganta e me deixava estranhamente desconfortável apesar de nem um pouco bêbado.
Já havia perdido a noção do tempo que ficamos ali trocando besteiras e sorrisos esparsos, me dando conta somente quando notei as mesas vazias ao redor e o garçom esperando que saíssemos, a fim de fechar o estabelecimento. Deixamos notas sobre o balcão e saímos juntos, encarando o ar congelante da madrugada; minha mais nova companhia parecia sem destino e determinado a ficar ali até que algum milagre lhe acontecesse.
— Vai para onde agora?
— ... Qualquer lugar aquecido onde não me desprezem.
Esbocei um meio sorriso tal qual o dele mais cedo com sua resposta e estendi a mão, sendo prontamente aceito. Não fiquei surpreso, afinal, éramos apenas dois fodidos sem rumo na noite - por que não vadiar por aí e ver no que dava? Uma ideia brilhante de gênio, sem dúvidas.
Nossos passos bagunçados terminaram em um banco de praça qualquer, largados à mercê da fraca luz do poste central e rindo como dois condenados de alguma piada velha e sem graça. Logo quando o ar começou a me faltar, as risadas frouxas foram interrompidas por miados baixos, como um chorinho quase inaudível de uma criatura pedindo socorro. Rapidamente virei em volta e me pus em pé, procurando de onde vinha aquele som e não demorei a encontrá-lo numa caixa de papelão mole sob a árvore mais próxima. Segurei-a nos braços e voltei para perto dele, me largando no banco para mostrar o achado misterioso.
— Olha só... outra pequenina abandonada.
Disse o rapaz, enfiando as mãos na caixa para pegar a pequena gatinha preta ali; devia ser apenas uma filhote, pelo tamanho e jeito que se enrolou em seu colo, aninhando o próprio corpinho no calor da blusa dele. A observei bem de perto e num instante meu coração estava derretido pela minúscula intrusa da noite, me fazendo sugerir que lhe déssemos um nome. Ela não poderia seguir sendo uma ninguém, como nós dois.
— Seu nome será Pandora, a dona da caixa.
Sorri de forma sincera o vendo declarar de modo teatral, solene, como se nomeasse um bravo cavaleiro com sua autoridade real. Assenti em plena concordância, me dedicando pelos minutos que se seguiram a dar carinho e mimar aquela pequenina chama de esperança nos braços do desconhecido mais próximo de um amigo que um dia eu poderia ter.
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Entre as estrelas.
RomantizmUma história baseada em fatos não tão reais quanto parecem ser e mais verdadeiros do que se poderia imaginar. Dedicada especialmente à minha namorada, mas sinta-se acolhide para pegar uma xícara de chá e ler sob a luz do abajur.