Prólogo

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Você alguma vez já desejou ter uma vida diferente?
Por mais impossível que seja, Eu queria uma vida diferente. Uma vida com oportunidades que eu não tive, com escolhas que tivessem sido feitas de modo diferente.
Essas escolhas, que nunca me pertenceram, mas que me saquearam, que me deixaram de joelhos, que me privaram de uma vida muito melhor...
Constantemente eu penso no que eu nunca consegui fazer.
Em como eu queria ter tirado minha avó do país e evitado que ela tivesse passado tanto sofrimento.
Em como eu queria que a "Ia" possuísse a escritura de seu imóvel, enquanto estava viva.

Em como tanto sofrimento teria nunca existido.

Mas a escolha nunca me pertenceu, porque com 14 anos, você é só um ninguém, e as escolhas dos outros te atiram de um lado ao outro sem te dar opções e simplesmente arrasam toda a sua vida.

Dizem que temos escolhas todos os dias, que é possível mudar, mas a verdade é que isso é uma romantização bruta e mesquinha.

Porque quando os outros fazem as escolhas deles abruptamente sem analizar as consequências, te carregam para um lodaçal sem te deixar escolher absolutamente nada!

Quando alguém bêbado dirige e atravessa o farol vermelho gerando uma colisão e causando um acidente, não houve escolha que as vítimas pudessem fazer. É só o dano colateral, e o dano colateral por vezes é como uma reação em cadeia, e quanto mais os átomos se tocam, mais danos geram.

E não tem um dia na minha vida em que eu não acorde e não durma pensando em uma forma de fazer uma escolha diferente, em como seria possível... Uma viagem no tempo, por um buraco de minhoca ou um buraco negro, que me levasse a uma resolução diferente.

Começo e fim de ano são épocas ainda mais complexas, afinal mais um ano que se conclui em que eu sinto medo, e mais um ano que se inicia em que eu sinto medo.

Eu não consigo me lembrar de um período na minha vida em que eu não tenha sentido medo. Medo sempre foi o meu companheiro, presente em todos os momentos da minha vida, como uma sombra.

Em 1998 após o falecimento do meu avô, quando decidiram deixar o patrimônio herdado dele e o da minha avó em condomínio e a minha mãe concordou com isso, eu só queria que esse dia, essa droga de dia, essa decisão estúpida tivesse sido diferente.

Quando o patrimônio não é dividido sua totalidade pertence a todos os herdeiros, por isso o nome, condomínio. E quando algo pertence a todos, logo não é de ninguém, ou pior é daquele que ameaça, que chantageia e faz extorsão.

O mais forte nesse caso, é sempre o mais covarde.

E não seria na minha casa, que a regra se tornaria exceção.

E também não dá pra chamar de azar ou infortúnio aquilo que foi imprudência, imperícia e negligência, sobretudo negação temperado com um excesso tosco de otimismo.

Não há charlatanismo maior do que a história do "Pensamento Positivo", esse quando é utilizado de modo irracional, quando se esquece de analizar a realidade e os riscos, é só uma histeria, um estado infantil de negação. E graças a esse excesso de crença estapafúrdia desmedida, vivemos um grande sofrimento.

"Pensamento Positivo" não muda a índole de ninguém, não é transformador no mundo alheio, mas pode transformar a sua vida em um inferno, quando a cautela e a racionalidade sucumbem a ele.

Quando eu conto a minha história pessoal de vida, não é incomum que as pessoas logo façam um paralelo com a história da Cinderela.

Sim, a pobre menina "rica" que tinha seus bens mas que é usurpada pela madrasta e obrigada a trabalhar para esta e suas filhas.

Então, já que naturalmente as pessoas realizam esse paralelo entre a minha história REAL e a história "ficcional" da Cinderela, nomearei essas três personagens femininas indigestas que também são presentes na minha vida, pelos mesmos nomes que receberam na ficção, "Lady Tremaine" para a mãe, "Drissella" para a filha mais velha e  "Anastasia" para a filha mais nova.

Está é uma história real e nesse caso "precisamos proteger a identidade" destas pessoas reais, pois assim funciona o bom cinismo cotidiano, há o dever de proteger os antagonistas, estes podem praticar livremente seus atos diabólicos. Enquanto os que padecem em suas mãos estes possuem o único e exclusivo dever de serem vítimas, a realidade é que a sociedade não se importa com as vítimas, a sociedade de certa forma sombria se alimenta do sofrimento das vítimas.

Não existe uma única atitude realmente pró ativa para proteger uma vítima, e eu garanto que qualquer pessoa que foi severamente injustiçada e estiver lendo esse texto agora concordará com a minha opinião.

Vamos observar o caso real da Maria da Penha, sim a da lei de violência contra a mulher e homônima da minha avó, o que a sociedade fez efetivamente para evitar o sofrimento e as sequelas dela? A resposta é um cruel e sonoro "NADA"!

"Mas hoje existe uma lei com o nome dela!" Certamente é isso o que você leitorpensou, sim, sem dúvida existe uma lei com o nome dela, mas a Maria da Penha carrega sequelas e lesões IRREVERSÍVEIS das violências que sofreu.

"Mas a Maria da Penha é uma mulher muito guerreira" Certamente esse é o seu pensamento seguinte, sem dúvida ela é mesmo, mas você já pensou o quão cruel é definir alguém como: "Muito guerreira".

Ninguém quer ser "Muito Guerreira", esse título por mais vaidoso que possa parecer é um fardo pesado demais para se carregar, ser "Muito Guerreira" vinte e quatro horas por dia é exaustivo!!

Ter atenção redobrada em tempo integral para não ser MORTA e zelar para que quem você ama não seja "MORTO", é exaustivo, estressante e desgastante de tantos modos que sou absolutamente incapaz de descrever, mas certamente eu já senti na minha própria carne cada um deles.

Eu realmente não sei quantas pessoas vivem situação de violência familiar similares ou piores que a minha, eu não sei onde essas pessoas moram ou o que tem passado, mas se eu junto forças agora para contar essa minha nauseante história de vida é para dar forças a cada um de vocês e para de algum modo, tentar fazer com que a sociedade nos enxergue, não como "GUERREIRAS OU GUERREIROS" mas como pessoas!

Como pessoas que tem direito a uma vida além do medo, além da sequela, além da lesão e além do rótulo! E muito além de um título que eu dispenso "Guerreira"!

Nestes contos seguem as lembranças da minha vida, "AS LEMBRANÇAS INFERNAIS DE QUALQUER UM". Afinal qualquer um pode estar sofrendo violência familiar e se vendo tão sem saída quanto eu me vejo.

A "Lady Tremaine" antagonista destes contos não iniciou sua obra vil de maldades após ver uma oportunidade de usurpar patrimônio com o falecimento do meu avô, não, os meus avós foram inclusive creio eu suas primeiras vítimas, afinal não foram raras as oportunidades em que ela os colocou na mira de bandidos.

Com o passar dos anos "Tremaine" só foi se utilizando de métodos diferentes para alcançar seus objetivos e seu principal objetivo é causar o maior nível de sofrimento possível.

Esta obra não é exclusivamente uma obra literária, mas é também uma obra visual e auditiva, aonde você leitor poderá ouvir em podcast as ameaças que sofri, poderá ver documentos e fotos que comprovam ameaça e extorsões.

Podera ver também que eu, "Drissella" e "Anastasia" fomos criadas como irmãs pelos nossos avós, que ambas receberam deles carinho e devoção incondicionais, mas que não foram o suficientes para lhes moldar as personalidades e tão pouco impediram que ambas desfrutarem do sofrimento que "Tremaine" causava como ainda a auxiliavam a promover mais sofrimento.

Em cada conto você entenderá como a situação saiu de controle, como uma família foi destruída e como eu acordo e durmo todo dia buscando colocar um fim nisso.

Que nós que sofremos violência familiar possamos de algum modo nos unir, que não seja apenas para compartilhar o sofrimento, mas para de algum modo modificar as coisas, por mais que isso ainda soe um tanto abstrato, para enfim deixarmos de sermos "Guerreiras" e "Guerreiros" e enfim sermos pessoas.

Afinal eu só queria uma vida muito diferente desta, aonde eu não tivesse de me preocupar com o injusto mal que posso sofrer, aonde estás terríveis lembranças não existissem. Uma vida aonde "Lady Tremaine", "Drissella", "Anastasia" e seus asseclas não existam!

Inimiga Pública n°1 - As Memórias Infernais de Qualquer UmOnde histórias criam vida. Descubra agora