O trem da meia-noite para Busan

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Quando eu era criança, minha mãe costumava dizer que a vida só oferece uma segunda chance, para os que realmente aprenderam algo importante ao perderem a primeira.

Eu nunca entendi exatamente sobre o quê ela estava tentando se referir quando dizia essas palavras para mim, até porque, minha mãe me falou a mesma coisa mais algumas vezes conforme eu crescia e me desprendia aos poucos da família. Afinal de contas, filhos são criados para o mundo, certo? Foi o que aconteceu comigo e por sorte, meus pais souberam a hora de me soltar com a certeza de que as portas estariam abertas para me receber quando eu voltasse. Assim como os pássaros que abrem as asas e vão embora do ninho depois que aprendem a voar, eu voei pelo mundo todo em busca da minha liberdade e da minha independência.

E quando eu voltava para casa, minha mãe estava lá me esperando e sempre batendo na mesma tecla da segunda chance. Eu ficava confusa e batia muito a cabeça para conseguir entender exatamente, do que ela estava falando ou se estava tentando me dizer algo que aparentemente, só eu não conseguia enxergar. Mas, hoje eu consigo, e como consigo.

No começo, eu fiquei pensando qual poderia ter sido a primeira chance que eu tive e não aproveitei, mas pude aprender algo importante e por isso não desperdicei a segunda. Nada me vinha em mente até porque, eu nunca fui o tipo de pessoa que criava raízes em algum lugar, nada era fixo para mim e minha vida era um espaço onde só cabia eu e minha imaginação, justamente porque eu sempre evitei essa coisa toda de me permitir ter algo a longo prazo, seja em moradia ou em relacionamentos. Nunca parei quieta em lugar nenhum, rodei o mundo em busca de inspiração e de uma vivência que pudesse fortalecer minha criatividade e depois, dar vida aos meus livros.

Talvez, você deve estar pensando que eu sou aquela pessoa que foge de coisas concretas e definitivas igual o diabo foge da cruz. E bom, isso não é totalmente mentira, sabe? Não é que eu não queira nada disso, mas durante um bom tempo, eu criei um estilo de vida próprio que sempre foi confortável o suficiente para mim e isso bastava, uma zona de conforto da qual eu nunca me arrependi de ter permanecido desde que saí de casa pela primeira vez. E meus relacionamentos nunca duravam mais do que uma noite, porque era apenas de uma noite que eu precisava para aproveitar e me deliciar das sensações que a atração por desconhecidas pode me proporcionar.

Foi na adolescência que eu me resolvi com a minha sexualidade, passei por todo aquele processo de descobertas e aceitação, o medo da reação alheia e principalmente familiar, a insegurança de simplesmente existir sabendo que você é diferente das outras pessoas, enfim, talvez a pior parte é negar aquilo que eu realmente era por não ser o aceitável e comum. Mulheres eram o que eu gostava e nada poderia mudar isso, nenhum homem no mundo conseguia despertar o mínimo de interesse em mim antes mesmo de eu começar a me descobrir, eram sempre mulheres aleatórias que passavam desfilando pelas calçadas que me faziam segui-las com o olhar. E por gostar muito dessas mulheres aleatórias, que ao decorrer da minha vida até um determinado momento, eu me relacionei com várias delas, diversas, em vários lugares diferentes e de vários tipos que possa imaginar.

E todas ficavam nos meus braços por apenas uma única noite, não passava disso.

Digamos que eu seja o tipo de pessoa que não promete aquilo que não pode oferecer e por nunca ter tido vontade alguma de ter uma relação, é que eu nunca me permiti fazer parte da vida de ninguém, nunca deixei que o interesse fluísse mais do que deveria e tudo não passava de desejo e atração que se resolviam entre quatro paredes, bagunçando os lençóis em uma cama de hotel até o Sol nascer. No dia seguinte, eu apenas acordava, me vestia, agradecia e ia embora para outro lugar, sem um destino fixo e sem prometer absolutamente nada, sempre foi assim e sempre seria assim, certo?

Midnight Train to Busan | WinrinaOnde histórias criam vida. Descubra agora