Aquele era o primeiro verão que passaria longe de casa, longe do meu gato, longe do meu computador, longe de redes de Wi-Fi ou qualquer tipo de comunicação. Bom, de um todo não seria tão ruim assim, eu não teria que olhar para cara de tédio da minha irmã mais velha, Elizabeth. Todos os dias ela me olhava como se fosse me matar, mamãe dizia que era por causa da recente mudança, papai dizia que era porque ela deixou seus antigos amigos para trás, e eu, bom, eu digo que é falta de noção mesmo.
Hoje mais cedo, acordei com várias batidas em minha porta, motivo? Meu pai tinha me colocado em um acampamento de férias de verão. Se eu queria ir? Óbvio que não! Pensem comigo, uma garota de 17 anos, indo para o último ano do ensino médio (em uma escola nova) quer mais é dormir nas suas férias, e não ir a um acampamento brincar de escoteiro. Mas, é como dizem, "se você mora no mesmo teto que seus pais, não paga nenhuma conta e não consegue se sustentar sozinha, obedeça-os". E foi exatamente o que eu fiz, eu o obedeci. Claro que, não de imediato, primeiro eu relutei, e relutei muito, porém, ele me veio com uma conversa de: "você vai ter novos amigos antes das aulas voltarem, assim fica mais fácil pra você". E, em um certo ponto ele estava certo, mas em outro, completamente errado. Se eu não sou boa em me comunicar por celular, imagina pessoalmente? Olhando para as pessoas? Tendo que puxar assunto com elas? Isso é muito cansativo e estressante. Foi exatamente por isso que eu trouxe meu inseparável fone e carregador portátil, mas como nada na minha vida é fácil, vou ter que arrumar uma tomada pra regarrega - lo.
Eu estava contando que eu iria passar despercebida por todos daquele ônibus fedido a suor e bafos de adolescentes que não descobriram que se escova os dentes depois do café também, e não só quando acordam. Olhem só, nada contra adolescentes, até porque, bem, eu sou uma..., mas, eu tenho algo que eles não têm, e se chama: bom senso e educação. Naquele ônibus que nos levaria ao acampamento, eu fui uma das primeiras a entrar, graças ao meu nome ser um dos primeiros da lista de chamada. Chamar-se Ana Luíza as vezes era bom, e graças a esse nome eu pude entrar e me sentar em um dos últimos bancos, colocando assim, minha bolsa do meu lado para que nenhum ser humano fedido se sentasse ao meu lado.
E como vocês devem saber, nem tudo na nossa vida é como desejamos, e eu consegui afastar todos que queriam se sentar comigo, bom, quase todos, por último entrou uma garota chamada Rafaela, a garota estava de óculos escuros, cabelos amarrados em um alto e perfeito rabo de cavalo. Estava com um shortinho jeans e uma camisete branca quase transparente. E adivinhem só caros leitores, qual o único banco desocupado daquele ônibus? Isso mesmo, o banco do meu lado! É claro que eu fiz o que eu tinha feito com todos que tentaram se sentar do meu lado: ignorei o chamado da garota colocando uma música em meus fones. Música essa mais interessante que sua voz. Por um momento fechei os meus olhos e sorri internamente achando que a garota tinha desistido, só que eu estava redondamente errada.
Sinto algo ser jogado no meu colo e alguém se assentar de uma vez me espremendo um pouco contra a janela do ônibus, olho pra a garota que acabara de tirar seus óculos e ela olha diretamente para mim, ela fala alguma coisa, mas como eu estava de fone, só conseguia ver seus lábios mexendo sem parar. E quando estava preste a virar meu rosto para a janela novamente e ignorá-la mais uma vez, sinto meus fones serem puxados e de imediato olho para a garota.
-Está ficando louca? - pergunto para a jovem que me encarava com um ar de riso.
-Não, não estou, ainda! - enfatiza o "ainda" - Sabia que é falta de educação escutar músicas enquanto uma pessoa está falando com você, meu anjo? - disse bufando.
-Primeiro, eu estava escutando música antes mesmo de você passar pela porta desse ônibus e segundo, de onde acha que eu te dei toda essa intimidade para me chamar de: "meu anjo"? - pergunto fazendo aspas com os dedos para a jovem ao meu lado.
-Desculpa. - pediu e eu a olhei surpresa. Por que ela está me pedindo desculpa se foi eu quem estava a ignorando?
Aceno com a cabeça e colo meus fones novamente, esquecendo completamente daquela garota ao meu lado e focando apenas nas músicas que saiam dos alto-falantes de meu fone.
Logo percebo que tínhamos saído a algum tempo com o ônibus, aproveito então para fechar meus olhos e tentar dormir um pouco, e eu até conseguiria, se logo após esse pensamento eu não sentisse alguém me cutucar.
-Mas, que merda, o que foi? - pergunto olhando a garota, e então ela aponta com a cabeça para um homem de pé na frente do ônibus.
-Sabe quem é? - pergunto para a jovem.
-Ele é o responsável por nós durante todo o verão, ele vai dar as instruções agora. - diz fechando os olhos e eu a olho perplexa.
-Não vai prestar atenção? - pergunto indignada e ela apenas nega com a cabeça e me diz.
-Não, eu já sei toda essa baboseira, ele vai dizer as regras básicas, os alojamentos que serão divididos em dois, onde fica os banheiros, a cantina e tudo mais um pouco. - diz por fim e eu a encaro com as sobrancelhas juntas em uma típica cara de confusão.
-E quantas vezes você veio brincar de escoteiro pra ter decorado tudo? - pergunto debochando.
-Foi meu pai quem criou essa "brincadeira de escoteiros" - diz me olhando com uma sobrancelha arqueada.
-Oh, perdão... eu não sabia - digo sem graça.
-Não é daqui, não é? - pergunta me encarando. Me deito no banco novamente e a respondo.
-Não, me mudei mês passado. - digo simples.
-Era de onde? - pergunta e eu a olho.
-Primeiro, qual seu nome? - pergunto mesmo já sabendo o nome dela, e então ela me estende sua mão direita e diz:
-Rafaela e o seu?
-Ana, Ana Luíza, mas pode me chamar de Ana ou como quiser me chamar. - digo sorrindo e aperto sua mão.
E foi ali, naquele aperto de mãos que eu sabia que minha vida mudaria de uma maneira extraordinária, eu só não sabia dizer se essa mudança seria boa ou ruim, se me faria bem ou mal. E naquele momento, apertando a mão daquela jovem, eu estava quase certa de que esse "acampamento de escoteiro" me faria mais bem do que meu pai, minha mãe ou mesmo eu imaginei.
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Um Grande Amor (quase) Impossível
RomanceQuando Ana Luísa percebe que para fazer novos amigos seu pai acaba lhe colocando em um acampamento de verão, sua primeira reação como adolescente é ficar extremamente chateada, mas, o que talvez ela não saiba é que nesse "acampamento de escoteiros"...