Capítulo Único

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Relembrando que essa história pode ser um pouco delicada e conter gatilhos. Tenha a certeza antes de ler. Espero que gostem. Estou me aventurando em contos assim e quero a opinião de vocês se continuo ou não.

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Onde eu estou?

A minha cabeça dói. Está tudo tão confuso. Por que estou no quintal? Eu não me lembro de ter vindo aqui para fora. Se bem que não me lembro de nada. As últimas horas parecem um borrão, ou seriam minutos? Eu não sei. Está entardecendo, mas agora há pouco o sol brilhava forte no céu.

Estou com tanto frio. Cansada, com falta de ar. Preciso perguntar à mamãe o que está acontecendo, talvez ela possa me ajudar.

Um carro de polícia? O que ele faz aqui? Por que a mamãe está chorando?

Caminho vagamente até a sala de estar, onde estão todos sentados enquanto conversam sobre algo que ainda não consegui ouvir. O policial está sério, não sei o que está acontecendo. Eles nem notam a minha presença. Papai olha fixamente para o homem, não deixando passar uma palavra sequer. Mamãe parece sentir dor, mas eu não sei o porquê.

- Foi isso o que aconteceu, senhor Garcia. Sua filha foi encontrada na beirada da estrada, já sem vida. Recebemos uma ligação de um ciclista que fazia trilha. Ele ainda está no hospital, teve uma crise de pânico, não pudemos interrogá-lo ainda.

Eu estou morta? Não... Meus braços, eles estão tão... claros. É como se eu conseguisse ver através deles. Então é isso... Eu estou morta.

Mas como? Como eu cheguei até a estrada? Eu não saí de casa hoje...

Mamãe está tão triste. Inconsolável. Sua expressão é de pura dor.

Oh mamãe. Eu não queria... Desculpe-me por isso. Papai... Ele está com o semblante sério, mas sei que esconde sua dor. Ele quer se manter forte em frente à mamãe. Sempre foi assim.

- Ela tinha alguma desavença? Alguém que não gostasse dela? Alguma briga recente?

Não. Eu não tinha ninguém assim. Eu e a Ana tínhamos brigado por coisa boba ontem, mas hoje de manhã já tínhamos nos acertado... Não podia ser...

- Ela chegou a comentar com a gente que brigou com a melhor amiga dela. A Ana. Não sei... Eu não confiava naquela garota. Ela levava a Sofia para o mau caminho - disse papai, preocupado.

Nossa... Eu sempre achei que papai amava a Ana como uma filha. Sempre tão carinhoso e brincalhão. Não sabia que se sentia assim em relação a ela. Teria sido ela? Mas, por que eu não consigo me lembrar de nada?

- Ana Lívia Rocha? Filha dos donos da mercearia? - questionou o policial.

- Essa - respondeu mamãe, ainda tentando conter as lágrimas.

- Bom, senhor Garcia. Ana foi encontrada poucas horas antes de sua filha, o corpo largado por perto de onde foi encontrado o de Sofia. Pela autópsia, descobrimos que ela foi agredida e estuprada, depois abandonaram o corpo. A garotinha não aguentou e faleceu.

- Oh meu Deus! - mamãe gritou assustada - E como estão os pais dela?

- Inconsoláveis, senhora. A mãe precisou ser hospitalizada com o choque da notícia. Mas sobre a sua filha, nenhuma outra pessoa que vocês suspeitam?

- Não, senhor policial. Ela não comentou mais nenhuma briga. O senhor precisa achar quem fez isso. A minha filhinha... - mamãe soluçava enquanto abraçava o papai. Eu queria tanto abraçá-los também, mas ainda não conseguia me mexer.

A Ana também se foi. Minha melhor amiga... A dor no peito, onde antes batia um coração, aumenta. Uma sensação de vazio maior que a minha própria morte pôde causar.

Então a morte era isso... Uma sensação de perda irremediável, o abandono de tudo aquilo que você mais ama e do que ainda poderia amar. Não teria mais um amanhã. Não tenho mais um agora.

- Nós vamos, senhora. Acalme-se, por favor - o policial tentava consolá-la.

- É bom vocês acharem o culpado logo, oficial. Porque se eu for o primeiro a achar quem enforcou a minha filha, eu mato o desgraçado! - disse papai, bufando de ódio.

- Só um momento, seu Garcia - o semblante assumindo um tom sério e preocupado - Eu nunca disse que sua filha foi enforcada.

- Não disse? Eu me lembro de você ter dito isso - papai começa a suar, e uma onda de compreensão me atinge no mesmo momento.

- Você está preso Rodrigo Garcia! - e apontou a arma para o peito dele.

O quê? Pai!!! Não! Por quê? Olhei para mamãe, que aparentava estar vazia por dentro, parecia ter perdido todo seu sangue. Inconsolável.

Estou desesperada. Quero gritar. Quero que todos me ouçam. Estou sufocando. Sentindo um aperto no meu pescoço. Pai!!! Meus gritos não saem, sufocados pela morte que me rodeia. Meu próprio pai.

Quero chorar, mas já não há lágrimas. Meu corpo não mais as produz. Meu corpo não mais existe. Jogado em uma estrada. Meu próprio pai.

Por que ele fez isso? O que eu fiz? Olho para todos os lados, em busca de uma resposta, enquanto meu pai é algemado pelos policiais. Minha mãe não diz uma palavra, não chora, não grita. Está em choque e tremendo.

E como um estalo, as memórias vêm de uma vez.

"Meu pai. Ele está com a Ana, estão sorrindo. Ele está passando a mão nela. Está passando a mão por dentro do vestido que a menina está usando. Ela não está gostando disso, tenta empurrá-lo. Mas ele é mais forte e a joga no chão. Ele a está machucando e eu corro. Corro para tentar ajudá-la.

- Ana!! - grito com toda a minha força.

- Saia daqui, Sofia! Volte para dentro! - ele ameaça, muito nervoso.

Ana está chorando muito. Papai está machucando-a.

Avanço para cima dele, tentando, inutilmente, ajudá-la, mas ele me joga no chão, bato a cabeça com força e tudo o que vejo é escuridão."

Papai matou a Ana.

"Estou no alto. Onde eu estou? Na nossa árvore... Que aperto é esse no meu pescoço. Vejo o papai no chão, sorrindo. O corpo de Ana está ao seu lado. Imóvel. Sangrando.

Estou sufocando. Não consigo mais respirar. Tento gritar por ajuda, mas nada sai da minha garganta. Mais um sorriso. E tudo fica escuro"

Papai matou a Ana. E depois matou a própria filha. Enforcada. Na nossa árvore favorita.

Então era isso... Agora eu entendia a dor de cabeça e a sensação de sufoco que ainda sentia e só ficava mais forte. Papai é um monstro! Eu sempre o amei. Sempre o tive como meu herói. E ele fez isso.

Eu queria poder abraçar a mamãe, e dizer para ela que tudo ia ficar bem. Que agora ele estava sendo preso e que ninguém a machucaria.

Papai está sendo arrastado para fora pelos policiais. Ele não mais resiste, já aceitou sua sina, e não parece nem um pouco arrependido de sua decisão.

Um último olhar para sua esposa. Um sorriso.

- Ela está em casa - é tudo o que o ouço sussurrar.

Encaro-a, esperando que mamãe volte a chorar, mas o que vejo é ainda mais desesperador. Ela sorri de volta.

Esse sorriso. Eu vi esse sorriso. Ele estava lá, ao lado de papai, enquanto eu agonizava. Não... Mamãe...

Quero gritar para os policiais voltarem. "Levem-na também", é o que tento dizer, mas nada sai. Quando tento correr até eles, meu corpo é arrastado para o quintal e agora vejo tudo de cima. Sinto a corda no meu pescoço novamente, mais forte. Estou... Pendurada? Nossa árvore... Estou presa, e agonizando.

Papai é colocado dentro do carro e levado embora. Mamãe olha para a árvore onde estou, e sorri.

12 anos... Eu tinha apenas 12 anos.

"Aaaaaaaaah"

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