Sempre gostei de bailes de máscaras. Eram oportunidades muito divertidas para conhecer algumas pessoas e reconhecer outras. Existe algo na tensão de não se saber quem está por baixo da máscara que simplesmente me enlouquece de entusiasmo. Meus amigos costumavam dizer que eu tinha um mórbido fascínio em sair por aí "desmascarando" as pessoas durante os bailes da cidade. Naturalmente que tal afirmação tinha um certo fundo de verdade, mas a realidade é que eu apenas me divertia tentando elucidar as verdadeiras faces por baixo das máscaras de papel. Mas, como diria o escritor, não cuidemos de máscaras: cuidemos de bailes.
Este, em especial, estava particularmente esplendoroso: não sei por qual motivo a Primeira-dama havia se decidido por fazer o baile anual de arrecadação de fundos como um baile de máscaras, mas eu não iria reclamar de forma alguma. Afinal, como disse anteriormente, eu adoro bailes, especialmente os de máscaras.
A música tocava e parecia preencher o salão. Casais valsavam e se divertiam, crianças brincavam, havia comida e bebida com fartura e a uma aura de beleza e sonho permeava o lugar. Perfeito, tudo estava simplesmente perfeito.
Enquanto eu andava pelo salão, ia observando os convidados: havia muita gente conhecida ali naquela noite. Dona Alba Camargo trajava um vestido tão branco quanto seu nome, ainda que sua aura fosse incrivelmente escura e pesada em função de sua presunção. Suas filhas, Estela e Rosália, pareciam princesas saídas dos contos de fadas, ainda que todos soubessem da arrogância gratuita de Estela e do fato de que, por trás da cara amarrada de Rosália, havia uma jovem que só queria deixar aquele vestido bufante de lado e se enfiar no meio das vastas plantações da família. Do outro lado do salão, Padre Romão conversava com o seminarista recém chegado da capital: um menino franzino, de cabelos escuros e pele pálida chamado Bernardo. Mal sabia o pobre Padre que Bernardo não tinha lá as maiores intenções de ser Padre e demonstrava os primeiros sinais de uma paixão proibida por Aninha, filha do rígido Dr. Olegário, o advogado da cidade, que apesar de toda a rigidez e frieza para com a maior parte da população, não escondia constantes elogios à Miriam, uma das bailarinas de Dona Belinha.
Me direcionei então para o espaço do salão onde o Seu Amado e Dona Cândida conversavam entusiasmadamente com Seu Paolo e Dona Francesca à respeito do casamento dos filhos, respectivamente Laura e Giuliano. Enquanto eles conversavam, definindo os detalhes da cerimônia, sequer notavam que Laura conversava com as amigas sobre os infortúnios de se casar meramente por dinheiro e que Giuliano fugia para longe das vistas do povo com a disfarçada figura de Diogo. Ser primo de Diogo me permitia conhecer certos detalhes daquela fuga, como, por exemplo, saber que faziam isso para terem um momento romântico depois de quase 1 semana sem se verem. Respirei aliviado por saber que isso faria Diogo parar de ficar resmungando em nosso apartamento dividido sobre a falta que sentia do namorado.
Foi voltando para a parte principal do salão que pude ver ainda as distintas figuras dos anfitriões da noite. O Prefeito Domingos, o qual fazia jus ao nome e transformava toda a semana num eterno domingo, sem mover um músculo para arrumar os problemas da cidade, estava muito elegante em seu terno que seguia a moda francesa, pelo que ouvi dizer. Ao seu lado, a Primeira-Dama, Dona Constância, que como de costume parecia querer ser e fazer mil coisas ao mesmo tempo, usava um traje que seguia todas as modas da Europa de uma única vez. É possível que houvesse quem a achasse, no mínimo, exótica em seu traje, mas o Delegado Antonino Boaventura a olhava como se estivesse diante da mais bela criatura da Terra.
Tamanha foi minha diversão passando por entre os convidados que sequer notei Carlota, a filha mais velha do Prefeito, vindo em minha direção com seu andar perfeitamente calculado para chamar a atenção do Dr. Gustavo, o qual estava um pouco atrás de mim. Enquanto ia na direção do jovem médico, com sua voz de fel que destoava perfeitamente de sua aparência de dama criada no exterior, Carlota polidamente me disse:
- Você não é pago para ficar sorrindo feito um idiota com uma bandeija vazia nas mãos, Tomás. Trate logo de voltar a trabalhar e sirva a champagne aos convidados.
Assim que ela terminou de sussurar as ordens ao meu ouvido, retomou a compostura e o sorriso falso para falar com Gustavo. Quanto a mim, um pobre garçom sonhador, me dirigi novamente à cozinha para encher a bandeija outra vez. Uma vez lá, fingi não ouvir os barulhos que vinham do banheiro dos garçons onde, certamente, o defensor dos bons costumes e banqueiro local, Dr. Policarpo, trocava tórridos beijos com a distinta Dona Belinha, proprietária do cabaré da cidade. Quando voltei ao salão, a Primeira-dama fazia seu ensaiado discurso, para o qual todos os presentes haviam deixado as máscaras de papel de lado, mas exibiam as costumeiras máscaras do dia-a-dia.
Enquanto isso, invisível aos olhos deles, eu continuava a observar, entre uma taça de champagne e outra, como todos perfeitamente fingiam se importar com as arrecadações para a doação. É por isso que gosto tanto de bailes: são ótimas oportunidades de aprender sobre quem são as pessoas e você ainda pode comer e beber de graça!
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Mais champagne, por favor
Short StoryOne-shot inspirada na música "Masquerade", Andrew Lloyd. Conto escrito para o desafio de Dezembro da página Sodalício das Pétalas.