Parte 1

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Nos conhecemos porque éramos vizinhos e nossos pais faziam parte do mesmo grupo aristocrático.

Estávamos sempre perto um do outro, nos jantares e festas, mas não nos falávamos muito, as poucas palavras que trocávamos eram cumprimentos.

Morávamos em uma linda e atípica cidade no Sul, era calma e com poucos habitantes. O passa tempo das pessoas eram os bailes e saber tudo sobre cada um que pisasse naquela cidade, até sabiam a história do primeiro morador, que era um senhor bem quieto e reservado.

Tínhamos praticamente a mesma idade, eram poucos meses de diferença. Ele era de uma estatura média e com os cabelos bem escuros e ondulados. Era uma pessoa mais discreta, mas gostava de aprontar. Era muito inteligente, determinado e adorava aprender, principalmente biologia. Também gostava de jogar esportes, em especial polo, e achava bobagem existir tantas regras na sociedade, ou pelo menos na sociedade que ele cresceu, mesmo que ele não se importasse com a existência de algumas...

Eu tinha os cabelos até quase a cintura e crespos num tom ruivo claro. Adorava aprender e estava sempre perdida em meus pensamentos e livros...minha vida era tão normal quanto de qualquer outra menina da época, seguia graciosamente o que todos esperavam de uma menina de 12 anos do século XIX, mas sentia vontade de algo a mais...uma liberdade inexplicável morava em meu peito. Às vezes, tudo parecia sempre a mesma coisa e isso não combinava comigo.

Eu gostava muito de ficar a tarde sentada embaixo de uma árvore perto de um riacho sonhando, era o que eu mais gostava de fazer, imaginava todo o enredo e possibilidades. Aquela árvore era o meu refúgio, meu intervalo de respiro entre os afazeres, que eram muitos, pois eu estava sempre aprendendo algo novo, uma hora uma língua outra hora um instrumento.

Eu também tinha um segredo...adorava animais e quando ganhei um cavalo, no qual eu só podia andar de vez em quando e bem pouco, tive a ideia de as vezes bem no início da manhã ou no fim da tarde correr com ele por um pequeno bosque perto de casa, era liberdade pura.

Era um dia calmo, eu estava lendo um de meus romances favoritos na árvore de sempre e ele apareceu, se sentou ao meu lado e ficou lendo em silencio. Fiquei um pouco curiosa do porquê de ele estar ali, então perguntei e ele respondeu:
-Porque eu quero. -E deu um sorriso.

Mas na verdade, ele tinha acordado meio cansado e entediado, não queria ter que fazer as mil coisas que sua mãe tinha planejado e ter de ouvir as conversas bobas das pessoas...só queria um silencio e ficar tranquilo como se o tempo nunca fosse acabar.

A verdade é que ele sempre via pela janela de sua casa enquanto esperava o professor de piano ela sair de casa com um livro na mão e desaparecer, sempre quis saber para onde ela ia e resolveu que esse seria o dia perfeito para seguir escondido e descobrir.

Graças aquela árvore o lugar era bem agradável e ao lado tinha um riacho que seu som soava como uma profunda meditação. Era um lugar afastado de todos e tinha uma brisa refrescante, principalmente para um dia como aquele, onde o sol sem motivos resolveu aparecer fortemente, e com todas as roupas que usavam estava bem calor.

Tudo estava perfeito e calmo até começarem a ouvir um grito, bem familiar para ele, chamando pelo seu nome e ele falar:
-Vamos! Corra!
-Por quê? -Confusa pergunto.

Mas nem deu tempo de pensar, quando percebo, nós dois havíamos corrido pelas beiradas do riacho e passado por uma ponte de madeira que dava para o pequeno e familiar bosque, rico em arvores, flores e pássaros. Na ponte paramos e ficamos um tempo em silencio recuperando o folego, por fim, nos olhamos e começamos a rir.

-Por que sua mãe estava atrás de você? -Pergunto.
-Provavelmente porque quando terminei a aula de piano simplesmente sai e não voltei mais...
-Por que você fez isso?
-Só estou meio cansado...é sempre a mesma coisa, mesmas pessoas, só as vezes quando viajamos para a capital que muda um pouco e mesmo lá, ainda são as mesmas coisas...
-Entendo...

E ficaram os dois olhando para o horizonte enquanto a água refletia levemente seus rostos perdidos. Até que resolvo falar algo:
-Eu sempre que posso corro a cavalo até aqui, fico passeando por entre essas árvores e observo cada detalhe.
Continuo a observar o horizonte, com os olhos brilhando.

Ele dá um sorriso e diz:
-Eu também gosto muito de andar a cavalo...

Ficamos ali, um tempo mexendo com a água e observando cada detalhe daquele paraíso, até que quebro o confortável silencio, que tão rapidamente tinha tomado conta do ambiente, e digo:
-Acho lindas as flores da vitória-régia são tão delicadas, e é interessante como mudam de cor.

Diante disso, ele desce a ponte vai até as vitórias-régias, pega uma flor, fica olhando e começa a falar várias informações sobre ela, como o tipo de pétala, e eu animada comecei a conversar sobre, afinal eu adorava biologia e estudar a natureza. Depois ficamos de pedra em pedra entre as vitorias regias até escurecer e nossos reflexos desaparecerem na água...

E foi assim que tudo começou...viramos melhores amigos.

Entre um afazer e outro nos encontrávamos, as vezes também andávamos a cavalo juntos e trocávamos cartas. Estávamos sempre cuidando um do outro e acobertando nossas pequenas mentiras dos nossos pais, esses momentos eram como sopros de liberdade. Até planejávamos viagens e conversávamos sobre o futuro. Conversávamos sobre tudo, o que estávamos lendo ou qualquer estupidez que surgia no momento.

Me sentia viva e livre...porque era como se eu pudesse fazer o que eu quisesse, as possibilidades sempre pareciam não ter fim.

Nosso primeiro beijo foi aos 15 anos, mas nem falamos nada sobre, até porque éramos amigos.

Quando fiz 18 anos minha família queria que eu me casasse, mas eu não queria. Eu até que estava conseguindo me escapar, meus pais não eram tão rígidos, apesar de ainda serem, mas sabe como são as regras sociais...
Enfim, era tudo tão bom com o meu amigo que nunca pensei que nos afastaríamos, mesmo sabendo que a vida é feita de ciclos. Entretanto, mesmo assim aconteceu. Ele foi embora.

Era um fim de tarde do último dia de primavera, eu estava dando um passeio perto do mar logo após de voltar de uma aula de botânica pelos jardins da cidade e o reflexo do sol indo embora na água estava tão lindo que decidi parar e apreciar um pouco antes de ir jantar, bem no fundo tinha um navio partindo e eu fiquei imaginando para onde estaria indo e quem estaria nele...sem saber de onde vinha, senti um aperto no peito e uma melancolia. Decidi voltar para casa e mandar embora esse sentimento estranho, mas não consegui, porque seu motivo foi revelado em uma simples conversa na mesa de janta. Meus pais comentaram que ele e sua família tinham ido para outro continente, e um sentimento avassalador invade meu peito.

Me perguntei o porquê de ele nunca ter dito nada...

Além dessa vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora