Acordar, levantar, banhar, arrumar, despedir, sair, estudar e voltar, rotina, é isso que nos move, que molda nosso dia, nossas palavras, será que poderia moldar nossos sentimentos? E os nossos pensamentos?
Honestamente, sempre fui uma garota cujo qual odiava quebrar rotinas, sempre agia no chamado "modo automático", comandado pela rotina, pelos hábitos e compromissos que nunca saiam dela, até certo dia.
Nasci e cresci no interior, rodada por mitos e lendas, algumas bem bobas, outras nem tanto, mas sempre fui muito pé no chão, muito realista, nunca acreditei em nada disso, aos meus olhos era tudo besteira, espíritos, maldições, deuses, nada daquilo para mim era real, creio que era assim por influência da minha família talvez, mas um dia, tudo mudou.
Em uma sexta-feira pela tarde minha mãe havia saído, beijou a mim e aos meus irmãos como se fosse a última vez, e nos abraçou com toda sua força, quando estava já na porta uma estranha sensação me tomou, como se algo me dissesse "não a deixe ir, não a deixe partir", lembro-me que quando mamãe estava na porta, ela nos disse uma última frase, a última pronunciada por ela, a última que fora dita do coração, "A razão nem sempre pode ser amiga do coração, cuidem um dos outros com atenção." Sorriu e a porta fechou, todos nós ignoramos, parecia bobeira, palavra de mãe, cujo qual nunca deveria ter ignorado.
1, 2, 3 horas haviam se passado do combinado, a madrugada chegou trazendo meu pai, mas nada da minha mãe, então papai tomou a frente e decidiu ir no mercado cujo qual ela havia dito que iria, e nos deixou com a função de ligar para todos os nossos parentes e amigos da cidade, para todos cujo mamãe poderia ter ido visitar, mas nada, nenhuma das pessoas daquela enorme lista telefônica sabia da localização dela, quando meu pai chegou estava cabisbaixo, disse que não a achou, e dissemos que também não tivemos resultado, então decidimos ligar para polícia.
8 dias se passaram quando minha mãe veio aparecer novamente, suas vestes sujas de terra, seu rosto estava praticamente preto de tanta poeira e sujeira, seu cabelo loiro estava totalmente embaraçado, ela estava irreconhecível, chegou pela tarde em casa, abriu a porta e então a vimos, a reconhecemos pela pulseira que tinha em seu braço, pulseira qual havíamos dado a ela de dia das mães, ligamos para a polícia que logo chegou e então ela se esforçou, mas de nada lembrou, por outro lado eu estava aliviada, tudo voltaria ao normal e poderia seguir com minha rotina.
Passaram se dias e tudo voltou ao "normal", cada um com sua rotina, oque nos impedia de trombar uns com os outros por aí, estava terminando minha tarefa quando minha mãe me gritou para jantar, sentei na mesa e finalmente me dei conta, onde estava o resto da família?
Jantamos e fui para o meu quarto, cerca de 22:00 horas decidi por intuição verificar o quarto dos meus irmãos mais velhos, Hanna e Luca, em silêncio, cuidadosamente abri a porta do quarto e espiei, as camas estavam cada uma com pequenos amontoados, já estavam dormindo, no quarto dos meus pais pude ver o meu pai dormindo, com seu corpo completamente coberto, suspirei aliviada mas não durou por muito tempo, um calafrio se instalou no meu corpo quando minha mãe me gritou da cozinha, me mandando ir deitar, meu coração então acelerou, e eu nem sabia o porque, foi quando ouvi seus passos na escada que minhas pernas tomaram seu próprio rumo, me fazendo entrar no quarto dos meus irmãos.
Tranquei a porta do quarto, ainda com a luz apagada caminhei até a janela, abrindo a cortina, que iluminou o quarto com a luz da lua, chacoalhei Hanna na tentativa de acorda-la, nada adiantava, sua respiração fraca, quase parando era a única resposta, virei seu corpo e pude ver sangue no colchão, um corte em suas costas, como uma facada, como se tivesse sido pega de surpresa, minha boca se formou em um grande "O," virei rapidamente para a cama de Luca, e percebi que ele, diferente de Hanna, já não tinha mais vida, estava sem batimentos algum, o corpo gélido e o colchão molhado de sangue, foi ali que entendi, papai também estava morto, aquela posição da cama era realmente estranha e por que ele estaria coberto até a cabeça se ele era extremamente calorento? Mamãe havia matado eles, por isso não estavam na janta, nem no almoço, Hanna foi a última, e por isso ainda teria alguma chance?
Abri a janela do quarto e com cuidado me esforcei para tirar o corpo desacordado da minha irmã da cama, apoiando a mesma na janela, com cuidado passei ela para o outro lado, em seguida pulei junto a ela, com lágrimas rolando pelo rosto, pijama sujo com o sangue da garota que carregava sobre meu corpo caminhei pela rua, tentando andar o mais rápido possível, para minha sorte, morava próximo a um hospital.
Quando dei a entrada da minha irmã no pronto socorro estava em choque, me fizeram muitas perguntas, como se ela tinha alguma alergia, pressão alta ou coisa do tipo, neguei tudo, Hanna sempre foi muito saudável, um touro como dizia meu pai, um dos enfermeiros segurou em minha mão e me levou para a sala de espera, me sentando em uma cadeira e ajoelhando-se em minha frente, todos da recepção me olhavam, deveriam se perguntar o porque uma garota de sete anos estava sentada numa recepção de hospital sozinha com a roupa suja de sangue.
"- Você pode me dizer onde está seu pai?"- perguntou o enfermeiro de forma calma
"- Ela matou ele"- respondi em estado de choque fazendo o mesmo contorcer seu rosto "- quem?"
"- Aquela coisa que matou minha mãe quando ela sumiu."- As palavras saíram da minha boca automaticamente.Quando era mais nova minha vó me contava uma história sobre uma clareira, perto de uma montanha onde as crianças eram levadas e sacrificadas por um velho para logo em seguida trazê-las de volta à vida, ou melhor, para trazer sua aparência de volta já que as crianças nunca mais eram as mesmas, minha vó dizia que era uma entidade maligna, alguma força do além que entrava no corpo das crianças falecidas fazendo-as acordar de seu sono eterno, aprisionando a alma das crianças em algum lugar dentro do corpo dos pequeninos enquanto tomava posse dos mesmos, naquele momento, sentada naquela cadeira gelada pude ter certeza, a lenda era real, e aquilo não era minha mãe.
"- Onde a coisa está?"- Perguntou acariciando minha mão
"- Em casa, junto do meu pai e irmão que acabou de matar, eu ia ser a próxima se não tivesse saído de lá"- respondi firme, em minutos a polícia chegou e me reconheceu, tinham ido todos os dias na minha casa enquanto minha mãe estava sumida, já sabiam o caminho, estava com aquele enfermeiro do lado de fora quando vi aquela coisa no corpo da mulher que mais amei, algemada na parte de trás do carro da polícia, encostei meu rosto no vidro gélido, e olhei no fundo dos seus olhos, onde vi a alma atordoada da minha mãe tentar sair.Acabou, tudo acabou, a vida da minha mãe acabou no dia em que sumiu, ela sabia, ela sabia e nos deu adeus, nos deu um recado e por discuido nosso, meu pai e irmão morreram.
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Contos de terror/suspense
HorrorEla tentou nos avisar, de alguma forma tentou, mas a gente ignorou e aquela coisa nossa paz levou.