Um laranja avermelhado, pacífico e agradável. Era a cor do céu naquele momento com o sol cálido começando a se esconder no horizonte. Como se quisessem tocar a composição daquele espetáculo, gaivotas sobrevoavam a costa daquele continente em uma dança sincronizada. Tão alto no céu, aproveitando da liberdade que nunca foi confiscada por serem exatamente o que são. Igualmente com a sinuosidade aquosa do mar extenso à frente, as ondas quebravam suavemente nas areias da encosta da praia. Uma consonância harmoniosa dos elementos naturais em um convite irrecusável para apreciar aquele cenário que remetia calmaria.
E nós vivemos em um belo mundo
É nós vivemos, nós vivemos
Uma calmaria silenciosa.
E oposta ao único pensamento doloroso enraizado na mente de Mikasa. Olhava o mar, sem interesse algum, os olhos fixos e opacos derramavam lágrimas contínuas em um desconsolo mudo. O corpo inerte ao chão não esboçava nenhuma reação. Entre os joelhos dobrados na areia úmida jazia a única parte do corpo daquele que causou todo aquele sofrimento. As mãos seguravam firmes aquela parte escondida entre alguns retalhos de tecido, como uma última tentativa de fugir da realidade sombria em que estava. Queria desesperadamente desconectar-se de si. E permanecer naquele mundo alternativo vazio pela eternidade.
Mas a realidade era sempre soberana.
Um mínimo movimento ocular, suficiente para recobrar a lucidez. Viu a peça de tecido vermelho, encharcada a poucos metros de onde estava. O líquido salgado ondulava retornando a praia, empurrando aos poucos o cachecol na direção da oriental. Em um incentivo reconfortante. Sentiu a vitalidade ganhar espaço novamente, ergueu o corpo cansado e caminhou para pegar o tecido molhado à sua espera. Analisou a peça vermelha, recordando do dia que o objeto tornou-se seu bem mais precioso. Carregava-o como símbolo de presença, peça dada pelo garoto que permitiu a continuidade de sua existência, do dia que foi ensinada a não desistir e continuar lutando.
Arregalou os olhos, soltando com força o ar que ficara preso nos pulmões naquele período de tempo, despertando daquela fantasia melancólica em que desejou permanecer para sempre. Aquela não era ela, uma pessoa deplorável que prostrou-se sem esforço algum aquela aflição real. Não era uma mulher moldada à desistência. Precisava continuar seguindo em frente.
Limpou as lágrimas e pôs-se a caminhar, movida por encontrar sobreviventes de seu esquadrão. Ou qualquer outro civil. Andou em direção aos escombros espalhados por aquele terreno sem fim, a expectativa crescendo em achar alguém respirando. Mesmo que tudo convergisse para o contrário, para onde olhava encontrava apenas destruição e corpos sem vida. Um completo cenário de horror contrastando com o suave sol poente ao longe nas águas calmas do mar. Mikasa riu baixo daquela situação irônica, a vida parecia tirar sarro dela.
Ossos afundando como pedra
Tudo por aquilo que lutamos
Procurou por longos minutos por algo, alguém, algum sinal de que não estava sozinha no meio daquilo que restou do mundo. Gritou em vão para o nada recebendo apenas o silêncio como resposta. Caiu em si, se convencendo de que só ela tinha restado ali. O ar se fez pesado ao seu redor, sentiu a cabeça latejar e a garganta fechar quando tomou consciência que as chances eram nulas de encontrar alguém. O fato pavoroso ao constatar que tinha perdido a todos de seu convívio, não achou nenhum de seus companheiros ao longo daqueles poucos quilômetros de caminhada. Pesou o corpo em um pedaço de concreto, exausta, o desespero tomando conta de si novamente.
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Don't Panic
RandomSim, o mundo era cruel. Tão impiedoso que tudo de mais precioso lhe fora tirado sem hesitação. Mas o mundo também era belo. Pois ainda restara alguém que lhe deu esperanças. E a eles mais um motivo para reerguerem-se e continuar seguindo em frente...