Ella

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O vento brinca gentilmente com meus cabelos e o sol aquece meu rosto. A sensação é prazerosa, eu poderia passar mais algumas horas dessa forma, pairando entre o despertar e a inconsciência. Algo se remexe debaixo de mim. Uma mão quente se enrosca na minha cintura e sou puxada contra alguma coisa dura e estranhamente confortável. Um peitoral firme e musculoso, que eu passei a conhecer bem. Bem demais.

- Bom dia, amor.

Aaron sussurra rouco, contra meus cabelos.

Eu me viro, apenas o suficiente para poder olhar seus olhos esmeralda. Eles estão brilhantes e sonolentos. Meu coração se aperta um pouco.

- Bom dia.

Ele sorri para mim e eu sinto meu corpo estremecer. Como eu o amo. Sua voz, seu toque, cada parte dele. Às vezes, sequer parece real. Acordar com ele, assim, todos os dias.

Já fazem quase dois meses desde o casamento, mesmo assim, todas as manhãs eu temo acordar e descobrir que tudo não havia passado de um delírio meu. Talvez eu ainda esteja naquele manicômio, dentro daquele cômodo minúsculo, fantasiando sobre uma vida perfeita, como eu fazia tantas vezes. Mas eu duvido que até mesmo minha mente pudesse criar um cenário como esse.

O amor transbordando eu meu peito não podia ser confundido com ilusão. A felicidade que me preenchia, todas as vezes que Warner olhava para mim, era real. Eu me sinto tonta, embebedada por ela. Ou talvez não fosse apenas a felicidade a responsável por aquela tontura.

As sobrancelhas de Aaron se juntam em preocupação quando meus olhar se torna desfocado. O mundo parece ligeiramente fora de foco, como se eu o observasse através da lente de uma câmera ruim.

- Ella, amor - ele chama - Você está bem?

Eu inspiro fundo.

- Sim, claro.

Tento sorrir. Sem muito sucesso.

- Não se preocupe comigo.

- É como me pedir para não respirar.

Dessa vez, meu sorriso é sincero. A expressão preocupada de Aaron é adorável. A forma como sua testa se vinca em rugas de preocupação me faz querer beijar cada uma delas. Ao invés disso, eu tombo meu corpo em direção ao seu pescoço e desposito um beijo ali, inspirando profundamente.

O cheiro de Aaron é refrescante e suave, algo como madressilvas e jasmim. Sorrio, me lembrando de uma época em que eu me senti tentada a roubar seus sabonetes, grande parte por causa de como ele cheira divinamente bem.

Inspiro de novo e percebo que algo está errado. Meu cérebro ainda sabe que eu adoro aquele perfume, mas meu estômago não parece concordar.

Eu tropeço por nosso quarto. Um espaço grande, com paredes em tons de cinza. Dentro dele há a cama grande e macia em que estávamos deitados a pouco, duas mesinhas de cabeceira - uma de cada lado da cama -, que contém alguns objetos pessoais meus e de Aaron e várias fotos emolduradas de nosso casamento. Nenhum armário de roupas, elas são guardadas no closet gigante - graças a Warner e sua obsessão por roupas -, integrado ao quarto.

Eu abro a porta do banheiro com um empurrão cego. De joelhos sobre a privada, despejo todo meu jantar da noite anterior. Aaron já está ali, segurando meu cabelo e afagando minhas costas. Ele não diz nada.

Quando, finalmente, me recomponho e ergo meu rosto para ele, sua expressão é de profunda preocupação.

- O que há de errado, amor?

Engulo em seco, me arrependendo imediatamente quando o gosto amargo da bile se assenta em minha boca.

Me levanto, trêmula, agarrando com força a escova de dentes. Esfrego minha língua até tirar dela aquele gosto horrível.

- Acho que o jantar não me fez muito bem.

Aaron rosna.

- Kishimoto.

Eu agarro o cós de suas calças antes que ele possa ultrapassar a porta do banheiro.

- Você não vai matá-lo.

- Não.

- Nem deixá-lo gravemente ferido.

Ressalto.

Os ombros dele caem um pouco e ele faz uma careta contrariada.

- Por quê?

- Porque eu o amo - lembro a ele - E porque ele só queria nos agradar, fazendo o jantar.

Aaron bufa.

- Ele não devia cozinhar, se não sabe cozinhar.

Cubro meu sorriso com a mão.

- Chamar aquilo de macarrão é uma ofensa a toda a culinária italiana.

Ele para e se corrige.

- É um ofensa a toda culinária do mundo e ponto.

Irrompo em risadas, mesmo sem querer.

- Tudo bem - assinto - Você está certo. Mas o papel dos amigos é apoiar outros amigos quando eles decidem aprender coisas novas.

- Eu não gosto de ser uma cobaia.

E depois de um segundo:

- E Kishimoto não é meu amigo.

Mordo meus lábios.

- Ele foi seu padrinho de casamento. Parece uma coisa de amigo pra mim.

Aaron aperta os lábios, mas não diz nada. Não há nada a dizer, porque apesar de Kenji e ele não passarem mais que cinco minutos juntos sem trocar ameças ou se provocarem, eu sei que no fundo eles gostam um do outro.

No começo, Aaron pode ter tentado ser seu amigo apenas por minha causa, mas isso não é mais a verdade, porque eu sinto que algo mudou entre eles. E eu quase resplandeço de alegria apenas por pensar nisso.

- Você devia ir até a tenda das garotas. Elas vão saber o que fazer.

Assinto, me agarrando a ele e me aninhando em seu peito. Ele envolve seus braços fortes em torno de mim e posso sentir quando ele aspira meu cabelo.

- Amo você.

Eu suspiro, contente.

- Eu também amo você.

Depois de alguns minutos apenas parados naquela posição eu me obrigo a dizer:

- Acho que eu deveria tomar um banho antes de ir ver Sonya e Sara.

Porque eu me sinto um pouco suja depois de vomitar e talvez um banho quente me faça bem.

- Acho que você, certamente, não está em condições de tomar um banho sozinha.

Ele me afasta um pouco, só para que eu possa ver o sorriso provocante nascendo em seus lábios perfeitos.

- Eu não sou uma inválida.

- Nunca pegaria isso de você, mas como seu marido, eu deveria cuidar de você. Especialmente, quando você está doente, amor.

E sem me avisar, ele me agarra e tira do chão.

- Aaron, o que você está fazendo?

- Apenas ajudando você a tomar banho.

E ele ajuda. E faz isso tão bem que eu consigo chegar a tenda médica apenas três horas depois.

Sussurra-me || Uma fanfic "Estilhaça-me"Onde histórias criam vida. Descubra agora