Apego

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Quando eu tinha cinco anos houve uma vez em que quase quebrei o braço e isso doeu bastante, doeu pra caralho, mas houve ainda outra dor pior, e essa foi à vez que eu tive uma queimadura de 2° grau o que eu fielmente acreditava que tinha sido a pior dor da minha vida no auge dos meus 10 anos de idade. Mas nessa noite de sábado, pouco mais de duas décadas depois da dor da queimadura, eu devia estar em um encontro com uma garota que eu conheci em um cardápio humano qualquer, também conhecido como aplicativo de relacionamento, porém estou aqui no meu quarto em ouvindo a chuva bater na janela enquanto fumo um cigarro com a minha taça de vinho pela metade, pensando em como e quando vou me desprender do que um dia fomos juntas, quando eu vou deixar de pensar naquele futuro que você me prometeu naquela nossa primeira noite de outono? Eu tenho muitas lembranças, mas eu tenho ainda mais perguntas que nem você nem eu temos as respostas.

Mas nesse mar de perguntas uma resposta eu tenho, se alguém me perguntar qual foi a maior dor que já senti com certeza eu responderei: Foi perceber que eu tinha que deixa-la ir, foi quando eu percebi que já não era mais suficiente pra ela. Minha maior dor foi quebrar nossa conexão, foi dar adeus a tudo que sonhamos e construímos juntas.

Confesso que minha vontade mais latente nesse momento é de te ligar, ouvir tua voz que é até bem comum e parecida com a de várias outras garotas, mas que se eu parar pra prestar bem atenção enquanto te ouço do outro lado da linha eu consigo sentir as notas frutadas, o tom delicado, a doçura com que você profere uma palavra tão curta e simples como "Alô", eu passei tantas horas em ligação com você que tua voz para mim é quase palpável. Queria te contar coisas bobas, coisas importantes, te contar das bocas que andei provando, contar que nenhum sorriso é tão caloroso quanto o seu, contar das que desejaram meu corpo mas na hora H eu travei pois só conseguia pensar que era para ser nós e não eu e ela.

Consigo ouvir daqui que já é meia noite, desde que você se foi dormir é uma tarefa um tanto quanto trabalhosa, sempre que deito ainda ouço o som da sua respiração, dou uma risada amarga porque sei que é minha mente novamente me pregando uma peça. A incerteza é uma das minhas maiores inimigas depois da solidão, então me pego várias vezes pensando se aí está frio ou calor, se você tem se alimentado nas horas certas, se o whey está dando resultado, se ela corrige teus exercícios como eu corrigia, se ela tem crises de risos do nada no meio da ligação, se além dos olhos claros ela também te olha com ternura, se por estar mais perto de você ela te amará melhor do que eu consegui. São essas incertezas que me matam.

Quando uma peça acaba as cortinas se fecham e as luzes se apagam, eu apaguei as luzes do meu coração, fechei a porta pra arrumar a bagunça que eu mesma causei quando você saiu pela porta, eu gritei, eu joguei coisas, eu quebrei coisas, eu feri pessoas nesse processo eu deitei no chão e chorei em posição fetal por que eu odeio essa sensação de solidão, você preenchia tudo com sua alegria e otimismo e sem você eu sou apenas uma bêbada cheia de textos triste e um coração despedaçado.

Por muitos dias eu quis arrancar as decorações felizes de lojas, praças de alimentação de shoppings, eu queria arrancar as folhas coloridas das árvores das ruas, eu queria tudo cinza como eu estava, eu queria que o mundo se adequasse a minha dor, eu queria que anunciassem no rádio e na televisão o quanto você me machucou o quanto eu estava com raiva e mágoa de você, o quão mentirosa você era.

Eu queria registrar minha indignação por poucos dias depois você já estar desfilando de mãos dadas com ela por ai, eu quero gritar e chorar porque sei que você já está pensando num futuro ao lado dela, você já está pensando no que seus pais vão dizer dela, se vão gostar dela, se vão achar o sorriso dela fofo como você acha, se vão gostar do cabelo longo dela como você gosta. Você arquivou a gente rápido demais.

Mais aos poucos eu venho enchendo a mente com pensamentos rasos e banais pra evitar pensar em você, eu leio horóscopo, assisto séries que sei que você detestaria, leio livros de aventuras, procuro playlists felizes no spotify, apago teus cantores favoritos, evito movimentos e ações que me lembram de você, aos poucos tento ir deletando cada restinho teu que ainda vive em mim.

Coloco minhas mãos sobre o rosto para abafar lágrimas e o som do choro, rezo a deus ou a qualquer coisa mais próxima disso e constato essa não é uma carta de amor.

Por Dentro Do[eu]Where stories live. Discover now