No Íntimo

Metáfora

"Figura de linguagem em que há uma transferência do significado de uma palavra para outra, por meio de uma comparação não explícita" - Dicionário online de português.

O céu estava nublado, a chuva molhava o asfalto esburacado, enquanto ela andava com seu uniforme de balé, e uma mochila nas costas, sem sentir muito os dedos dos pés já esgotados de terem que suportar 25 quilos a mais do que deveriam.

-Parabéns!!! - Ela disse em voz alta, feliz, extasiada. -Meu sonho está… - Não terminou a frase, ao sentir a pontada em seu coração, confirmando suas paranóias, que insistiam em atormentar-lá.

-Eu disse que seria assim, mas você não quis me ouvir- Disse a pessoa ao seu lado, que até então permanecia muda e serena- Se acreditasse mais na racionalidade, não teria se enganado, afinal a rasteira ainda dói, não?!

O silêncio reinou entre ambas, a ruiva de coque alto, sentia o aperto no peito, enquanto a morena caminhava despreocupadamente, tentando um assovio falho.

-Não é como se…- A morena parou para pensar um pouco em como deveria dizer as coisas, para não piorar as coisas, mesmo sabendo que qualquer coisa que dissesse surtiria um efeito negativo a ruiva- Não é como, se você não soubesse… afinal foi por isso que você saiu, daquele ambiente… certas coisas e pessoas são suportáveis, outras só nos ferem ainda mais- Refletiu.

E mais uma vez o silêncio tomou conta, a ruiva apenas desligou o celular e continuou a andar, com flashes passando pela sua cabeça.  A rua não parecia movimentada, mas haviam pessoas ali suficientes para fazerem a ruiva se afundar ainda mais na tristeza, com as zombarias que mesmo disfarçadas davam para se perceber.
Não apenas em relação à ruiva, mas a morena também, que tentava acenar e sorrir para os outros e apenas recebia dedos apontados para si, seguidos de cochichos.

-O QUE FOI?! NÃO VÃO FALAR NA MINHA CARA?!- A morena disse irritada- É MUITO FÁCIL FALAR PELAS COSTAS SEM OUVIR O QUE EU TENHO A DIZER!!- A morena disse tentando não mostrar o quão exausta estava de ter que ficar se provando, todos os dias, de ter pessoas falando o que não sabem sobre si.

-Você não deveria ligar sabe…- A ruiva finalmente falou de cabeça baixa, seguindo seu caminho, encharcada pela chuva.

-E você deveria parar de ser ingênua!- Rosnou a morena- Pare de deixar seu coração e seu amor por quem você realmente sente isso, influenciarem.

Mais uma vez, silêncio. E como a morena detestava aquele silêncio, sentia vontade de chacoalhar a ruiva, ou talvez esgana-la, talvez uma falta de ar seguida de desespero a fizesse se recompor. Uns puxões de cabelo, também não seriam de todo mal, ou seria melhor que a fizesse se coçar?

A morena tinha tantos pensamentos tentadores que mal percebeu que chegaram ao fim da linha, só então notando que foram parar em um lugar completamente aleatório e escuro, já que não havia uma boa iluminação e a falta de uma lua visível no céu, não ajudava.

A ruiva, encharcada, caminhou até o mirante daquele lugar, de onde podia observar as luzes da cidade, enquanto o vento frio castigava seu rosto.

-Sería tão mais fácil...

-Com toda certeza seria- a morena respondeu se sentando em uma mesa próxima.

-Por quê algumas coisas doem tanto?- A ruiva perguntou, mas a morena não respondeu, porque sabia que não haveria resposta pra essa pergunta- E por que é tão difícil? - novamente a ruiva questionou, ainda não obtendo resposta da outra que apenas analisava a situação. -Sabe… eu deveria pensar mais, seguir mais a minha intuição e deixar o coração de lado.

-E por que ainda não o fez?- A morena Inquiriu.

-Porque não é fácil assim- a ruiva sorriu levemente ao responder. -Não é fácil ignorar o afeto, o carinho. Não é fácil quando você direciona energias, vibrações, orações sempre.

-Faz isso porquê quer!- A morena se levantou irritada-Você não tem obrigação, nunca teve!

-Eu sei- a ruiva sorriu, vendo a altura do mirante. -Tenho esse problema, grande problema, na verdade.

-Você precisa se tratar, sua maluca! -A morena disse, olhando nos olhos da ruiva, se aproximando cada vez mais- Quantas facas nas costas você consegue carregar? Ninguém deveria carregar tanto assim!

-Eu sei!- Respondeu a ruiva sorrindo, sentiu-se pender para trás.

-Eu poderia acabar com tudo, sabe? - a morena sorriu maquiavélica, com o seu nariz quase encostando no da outra- Um empurrão…

-Será que a vista, também é tão bonita, quando se flutua no ar?- Inquiriu a ruiva.

-Por que você não tenta e me conta?- A morena debochou, sem desviar do olhar da amiga. -Ah, já sei… o seu orgulho não deixa, não é? Ele é o que te "salva".

A ruiva gargalhou, segurando na grade de proteção.

-Talvez seja ele quem me arruinará… quem me matara.

-Filha da puta!