Era a primeira semana do verão, mas o tempo já estava tão quente que eu mal aguentava ficar dentro do meu próprio quarto.
Por isso, naquele dia, eu deixei o conforto do meu cafofo particular e me juntei a Hyelin na recepção do hotel da minha família, onde um ventilador acima da bancada trabalhava preguiçosamente para aliviar o calor.
Como hospedagens tradicionais não eram tão populares entre nativos e o turismo nunca foi um ponto forte de Nam-gu, o movimento de hóspedes era fraco até mesmo durante o que chamávamos de meses de alta estação. Graças a isso, meus pais não viam muito problema em me deixar estudar ali, na recepção, desde que eu não incomodasse os poucos clientes que tínhamos.
— Uh, quero fazer esse — Hyelin anunciou, me mostrando um novo teste numa página de internet no computador do hotel. — "Qual o tipo de cara ideal
pra você?". - Ela leu o título, e depois deu uma risadinha.- O cara ideal pra mim é o novo hóspede.
— Eu achei que você estava namorando aquele que vende pés de galinha — Rebati, olhando ao redor antes de voltar a mexer no celular.
Essa era a verdade. Ela fingia trabalhar, eu fingia estudar.
Mas enquanto Hyelin usava o computador do serviço pra fazer testes online, eu usava o banco desconfortável da recepção para ficar lá sentado, com um livro aberto sobre o balcão, fingindo que estava aprendendo alguma coisa quando na verdade estava vendo o twitter pelo telefone.
— Olha, eu namoro, mas só porque não posso namorar Jeon Jungkook, né? — Ela respondeu, simplesmente.
— Eu não sei quem é Jeon Jungkook, mas espero algum dia ter um relacionamento tão intenso e sincero quanto o seu com o cara da barraca de comida — Provoquei, e ela deu de ombros com alguma displicência.— Pelo menos eu como pés de galinha de graça. — Retrucou, meio convencida de que aquilo realmente fazia o relacionamento valer a pena. — Agora shh, preciso me concentrar!
Eu olhei pra ela pelo canto dos olhos, rindo fraco. Hyelin levava esses testes realmente a sério.De qualquer forma, eu também levava as notícias sobre idols - e tudo que girava em torno deles — como assuntos de maior prioridade em minha vida, por isso não me importei em interromper nossa conversa pouco produtiva e me focar em acompanhar uma nova discussão onde um fandom acusava outro por alguma coisa realmente estúpida.
— O desempenho dessa unidade é o pior de todos. Aplicar matriz SWOT não parece ser a melhor opção. Ouvi alguém dizer assim que guinchei vergonhosamente ao tentar reprimir uma risada quando vi um meme perdido no meio da briga.
— Não, a melhor opção é trocar o diretor dessa filial. — Outra pessoa disse.
— Você é muito radical, Jun — O cara da primeira voz rebateu e eu vi, ainda com a cabeça abaixada, os pés de duas pessoas atravessando a recepção. - Ah, boa tarde. — Ele disse, e eu ouvi Hyelin responder timidamente, o que é estranho porque ela nunca fica tímida.
Curioso, levantei o rosto para ver quem eram, mas os dois homens já estavam
de costas atravessando a passagem que levava aos quartos dos hóspedes.
Ao sentir uma cotovelada em minhas costelas, eu olhei assustado para o lado e vi Hyelin grunhindo de forma muito esquisita.
— É ele! O hóspede que falei, o Jungkook! — Ela conteve os gritos num sussurro.
— Qual deles? — Perguntei, virando o rosto para analisar as costas dos homens antes que eles sumissem de minha vista, mas não fez muita diferença porque não vi nada demais em nenhum dos dois.— O mais baixo. O outro é um tal de Namjoon e ele já quebrou um frigobar, só Jesus sabe como — Respondeu, ainda eufórica. — Ai, eu quero casar com aquele homem e ter quinze filhos com ele!
— Santa mãe de deus, Hyelin, os bebês vão sair de você como se estivessem escorregando num toboágua. - Resmunguei, apavorado com a imagem de uma pessoa tão desnaturada considerando a possibilidade de ser mãe.
Ela apoiou o cotovelo sobre a bancada e depois o queixo sobre a mão, suspirando. — Mas você viu aquelas pernas? Como um cara consegue ficar tão gostoso usando roupa social?
Eu forcei um sorriso e dei dois tapinhas complacentes nas costas dela. — Você provavelmente não vai conseguir nada com ele, mas pelo menos você pode comer pés de galinha de graça, né?
Hyelin me lançou um olhar possesso, arrumando sua postura para uma menos apaixonada e mais agressiva. — Que tal dar um pouquinho de apoio a sua noona, hein?
Eu ergui as mãos num gesto de rendição, risonho. — Se eu pudesse ajudar, ajudaria, mas não acho que possa...
Ela respirou pesadamente, parecendo concordar, mas depois arregalou os olhos e se virou para mim com uma expressão medonha.
— Mas você pode!
Sorri falso, um pouco assustado também. — Ok, primeiro para de fazer essa cara, tá bom? Parece o Macaco Louco assistindo a destruição de Townsville e isso é bizarro.
Hyelin deu um peteleco na minha testa. — Me respeita, menino!
Resmunguei baixo, passando a mão pelo lugar dolorido. Realmente parecia um experimento falho do Professor Utônio, a maluca.— Agora me escuta. — Ela começou, abaixando o tom de voz como se contasse um segredo de estado — Eu vou escrever um bilhete e você vai entregar por mim, entendeu?
Eu apertei os olhos, desconfiado. Porque você mesma não entrega?
— Porque eu sou tímida. — Respondeu, cínica. —Também porque seus pais não podem nem sonhar com uma funcionária paquerando os hóspedes.
A última justificativa parecia mais aceitável.
— E o que eu ganho com isso? Ela pareceu pensativa, mordeu a língua, bateu o dedo no próprio queixo e
finalmente pareceu chegar a uma resposta.
— Eu trago pés de galinha de graça pra você durante uma semana!
— Ninguém aguenta comer tantos pés de galinha assim.
Ela bufou, decepcionada. — Eu te ajudo com suas atividades da escola.
— Você é tão burra quanto eu. — Resmunguei, entediado. — É a mesma coisa que pedir ajuda a um gorila.
Hyelin deu um gritinho, frustrada. — Então diz o que você quer, seu demônio!
Dessa vez, fui eu quem fiquei pensativo. O que Hyelin poderia me oferecer em troca de um favor?
Eu corei com a única possibilidade que passou por minha mente, e ela sorriu ao ver que, afinal, existia alguma coisa que eu podia pedir.
— O que é? — Ela perguntou, e eu neguei com a cabeça porque era constrangedor demais, mas Hyelin é insistente. — Não se envergonhe, diz pra noona o que você quer, diz.
Eu abaixei um pouco o rosto e cocei minha nuca, revelando meu pedido na velocidade de uma metralhadora, mas muito mais baixo. —Euquerodarmeuprimeirobeijo.Ela fez uma careta, confusa. — Como é?
Respirei fundo, me obrigando a não ficar tão envergonhado com um assunto tão bobo. Mas não funcionou.
— Eu quero dar meu primeiro beijo... — Revelei, de forma mais lenta e compreensível, mas me arrependi assim que ela arregalou os olhos, assustada.
— Você nunca...? — Ela parou, chocada. — Uau. Com doze anos eu já matava aula pra dar bitoca nos meninos mais velhos da escola. Que exemplo você é, Chim. Tá de parabéns.
Me encolhi um pouco mais. Porque aquilo era tão constrangedor?
— Tudo bem, eu te ajudo, não é nada demais — Ela voltou a dizer, e eu vi que se forçou a não fazer mais nenhum comentário sobre a minha castidade labial. — Tem alguma menina em mente?
Eu neguei, porque não tinha. Nunca na vida senti atração ou vontade de beijar uma menina e eu já estava começando a acreditar que tinha alguma coisa errada em mim, mas eu estava curioso pra saber como seria.
Talvez eu gostasse da sensação e então finalmente começasse a reparar mais nas garotas.
— Tá, isso complica um pouco, mas eu ainda posso dar um jeito. Tenho umas primas mais novas que beijam qualquer buraco na parede, então beijar você não vai ser um problema pra elas — Hyelin disse, não exatamente me tranquilizando, e estendeu a mão. — Estamos combinados?
Eu olhei para sua mão estendida por um tempo, antes de finalmente selar nosso pequeno e vergonhoso acordo.
Naquela noite, eu iria até o quarto de Jeon Jungkook.