ღ Capítulo Único ღ

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Curitiba, 28 de Fevereiro de 1920.

Querida Dulce,

Agradeço pelas condolências e peço desculpas não ter chances de falarmos após o funeral. Eram muitos sentimentos tempestuosos em meu coração. Vim direto para casa na tentativa de repousar. A perda de papai abalou nossa família e tal decorrência me fez tomar uma decisão que preciso que saiba por mim.

Contudo, tenho uma confissão a fazer antes.

Quando papai foi diagnosticado com gripe espanhola e precisou se afastar, me senti tão desolada que não sabia como iria suportar. Porém, sua companhia e apoio nessas últimas semanas, me ajudando a juntar os caquinhos do meu coração foram muito especiais. Você foi como um Sol em meus dias sombrios, com medo do futuro e do que planejavam para mim.

Foi a minha melhor amiga e minha confidente mais fiel. Mas nossa proximidade tomou outra forma. Se transformou em um sentimento confuso e arrebatador. Quando tocou em minha mão enquanto conversamos sobre o amor, senti minha pele arder em desejo. No chá de sábado passado, quando você imaginou nós duas sendo mulheres livres e fugindo para Nova York, em meus sonhos, naquela noite, já estávamos lá. E aquele dia de chuva, quando nos abraçamos para nos aquecer, seu cheiro de lavanda me possuiu. Foi quando... tentaste tocar seus lábios rosados nos meus.

E eu... fui embora. Eu fui embora como uma tola assustada. Eu sinto muito, querida Dulce. Eu sinto muito por ter fugido. Eu sinto muito por te ignorar nos dias após isso. E, principalmente, sinto muito em dizer tudo isso antes de dizer que eu aceitei ficar noiva do Senhor Jorge Castro. O banqueiro amigo da nossa família.

Entenda. Eu precisei aceitar. Nossa família corre risco e eu sou a filha mais velha, devo assumir minhas responsabilidades como primogênita e cuidar de minha mãe e irmãos. E talvez lhe conforte saber que Senhor Jorge não somente garantirá meu sustento e conforto, mas é um homem muito gentil e amigável.

Ah, querida Dulce... nunca pense que eu não queria um destino diferente para nós. Em um mundo perfeito, eu não teria fugido. Em um mundo diferente, teria ficado ali e descoberto se seus lábios são quentes e doces como nos meus sonhos. Teríamos fugido juntas para Nova York e nos juntado àquelas pessoas corajosas que lutam pela aceitação de todas as formas de amor e nossos direitos. Pessoas que são como nós.

Teria escolhido você. E não noiva de outra pessoa e indo para longe. Não tão longe quanto Nova York, mas é uma longa distância. Partirei para Manaus após o casamento com a promessa de retorno nas Festas de Fim de Ano. Se você não estiver me odiando, me procure e me deixe retribuir aquele beijo.

Eu te amo, Dulce. E em outros tempos, em outras estações, vamos nos amar sem medo. Eu prometo. Eu sinto em meu coração.

Enquanto isso... esconda essa carta se ainda me amar. Ou queime se me odiar.

Com amor, Amélia.

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