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      ⚜️⚜️ Reino da Criméia ⚜️⚜️
            ~ Dezembro de 1900 ~

Sento para descansar à sombra de uma árvore.O sol já vai se pôr e ainda não consegui caçar nada.
Alongo as pernas sob a relva e recosto a cabeça para trás, fecho os olhos...
O dia hoje foi quente, estou suada...
Imagino minha banheira cheia de água fresca e perfumada, meus cabelos sendo lavados com sabonete de flores, colocar um vestido leve, nada dessas botas ou calças, ficar com os pés descalços, os cabelos soltos caindo nas costas...
Depois de pronta, ir até a cozinha, encontrar meus pais e sentarmos para jantar, rindo e conversando enquanto saboreamos a torta de frango, o arroz e a salada que só minha mãe sabe fazer, com um tempero que nunca consegui igualar.

Respiro profundamente, o vento sopra e trás consigo o cheiro dos pinheiros, o ar está pesado, quente, o que torna a caminhada mais difícil.
Abro os olhos, pego o cantil que tenho na bolsa e tomo o último gole de água. Levanto e sigo em frente, mais algumas horas e preciso fazer o caminho de volta, pois vai escurecer.
Só tenho mais duas flechas na aljava, duas chances de meu pai e eu termos carne em nossa mesa.
A vida não está sendo fácil para nós. Minha mãe faleceu a um ano e meu pai ficou doente logo em seguida.
Minha mãe era meu refúgio e meu pai minha fortaleza, ela era doçura, leveza, alegria e meu pai a base, a firmeza, a concretude da nossa família...

Caminho por mais algum tempo, dessa vez bem próximo a cerca que faz divisa com as terras do rei. É lá dentro daqueles campos que estão as melhores caças, todos os animais selecionados para alimentar o palácio, enquanto aqui, do outro lado, a carne é escassa.
Sinto raiva, isso não é justo!
E se... Se eu cruzasse a cerca por somente um momento... Se não fosse longe... Me mantivesse perto do limite e atenta a movimentação dos guardas...
Talvez conseguisse um bom animal, grande, com bastante carne, talvez pudesse vender o couro e conseguir algum dinheiro...
É isso, vou me arriscar...

Atravessei a cerca...

                            ***

Levo a xícara aos lábios na intenção de ganhar um pouco mais de tempo, um pouco mais de ar para respirar...
De repente o salão de café da manhã se tornou um lugar abafado, sem ventilação, as paredes parecem estar muito próximas de mim, como que me exigindo algo... Algo que eu não concordo, que não quero dar, não quero fazer, não quero responder...

- Adalet, diga ao Príncipe que estou aguardando sua resposta.

- Príncipe Yaman, sua alteza a Rainha Canan disse que...

- Eu escutei Adalet, obrigada.

- A Senhora já sabe o que eu penso sobre isso... Com licença.

Me retiro da mesa e saio pela porta que dá acesso aos estábulos, deixando minha mãe com uma expressão pouco amistosa.
Assim que atravesso o batente, consigo encher os pulmões de ar. Minha mãe é sufocante, suceder meu pai é sufocante, cumprir todas as exigências e deveres que todos esperam com perfeição é sufocante.

Ser o Príncipe Yaman nunca foi fácil. Minha infância passou despercebida por mim, nem sei se já fui criança um dia...
Desde que nasci, fui treinado e ensinado a ser um homem honrado, correto, a ter postura e disciplina, falar várias línguas, lutar, atirar, cavalgar, nadar, fazer discursos, cálculos...
Vivo em meio a riqueza e conforto, nunca me faltou nada, nem um bem material, nem comida na mesa ou roupas, calçados e professores. Nada... Exceto carinho, afeto dos meus pais, um abraço, um beijo de boa noite...
O Grande Rei Kirimli sempre foi dedicado às causas diplomáticas e problemas do Reino da Criméia. Todas as vezes que eu o procurei com o meu coração de filho precisando de um apoio, um carinho, um conselho, ouvi dele que um rei não tem tempo para essas coisas, para isso existem as babás.
Com minha mãe a relação sempre foi bem pior, enquanto meu pai pecou pela falta ela foi pelo excesso.
Minha mãe sempre acompanhou de perto toda a minha evolução para me tornar o futuro rei, mas não somente mais um rei, um rei impecável, é o que ela deseja, nada menos que isso, nenhuma falha, nenhum deslize.
Quando eu acertava todas as lições em minhas aulas, sempre procurava seu olhar, esperando sua aprovação, seu orgulho por mim, ou até, quem sabe, um sorriso...
Mas tudo o que sempre ganhei foi um mero levantar de sobrancelha, como quem diz: foi bom mas eu esperava mais...

Um Príncipe de PresenteOnde histórias criam vida. Descubra agora