Peixinho (Capítulo único)

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Tobirama ama a rotina. Desde pequeno levava uma vida de intensa disciplina, e tinha tudo muito bem organizado: Hora para dormir, acordar, fazer as refeições, relaxar e trabalhar, de modo que sair desta até lhe trouxesse certo desconforto. 
 
E naquele dia em especial, tudo parecia deixá-lo desconfortável. Pra começo de assunto, por terem tido uma pequena discussão ontem e ciente de tal natureza do namorado, Izuna resolveu tornar a sua manhã um inferno, bagunçando propositalmente toda a sua rotina.
 
O Uchiha demorou mais que o usual no banheiro atrasando o seu banho, decidiu queimar as torradas com sua tecnopatia logo quando era a vez do Senju de comer e até mesmo arruinou seu uniforme ao lançar um comando — que o cínico tecnopata jurou não tê-lo feito —, para a cafeteira no momento em que Tobirama foi tirar um pouco de café. 
 
A cafeteira simplesmente cuspiu para cima, tingindo toda a roupa azul claro com o líquido escuro. 
 
Por não querer estender o assunto, tudo o que o mais velho fez foi bufar e engolir o seu orgulho, conformado em ficar para trás e trocar o uniforme, que deveria estar sempre impecável, antes de ir para o quartel general da Legião de heróis. 
 
Agora atrasado, era o único do lado de fora da sala enquanto TARDIS*, a inteligência artificial, insistia em negar-lhe acesso. 
 
— Tobirama. — A voz grossa e irritadiça tentou novamente pela quarta vez.
 
— Acesso negado.
 
— Atlantis. — Tentou o nome de herói, quem sabe?
 
— Acesso negado. Essa foi sua quinta tentativa, na sexta seu usuário será bloqueado. — A voz mecânica alertou.
 
Já sentia o suor escorrer pela nuca descoberta, apertando os punhos num esforço sobrehumano para não socar o robô. Hashirama e seu adorável cunhado já haviam sido claros quanto a depredação de patrimônio do quartel general desde a última vez em que, num acesso de raiva durante uma discussão com Mito, derrubara uma das paredes com um soco, de modo que certamente só conseguiria mais encheção de saco caso partisse aquela inteligência artificial ao meio como desejava. 
 
Aquilo só podia ser culpa de Izuna! Não satisfeito em arruinar o início de sua manhã, o namorado certamente tencionava fazer do seu dia um inferno, e tudo isso por conta de uma porcaria de votação na qual tiveram uma opinião contrária. Discordar do tecnopata era sempre difícil, afinal, e daquela vez não seria diferente.
 
Suspirou, era sua última tentativa, por isso precisava pensar com frieza. O que faria caso fosse um Uchiha demoníaco, estivesse com sangue nos olhos ao ser contrariado numa votação quando a favor de uma missão quase suicida, e quisesse acabar com a vida do pobre namorado?
 
“Não! Ele não pode ter feito isso!” Tobirama riu nervoso ao negar o pensamento que lhe ocorreu. Era vergonhoso demais, baixo demais até mesmo para Izuna, e o Senju preferia bater em retirada e voltar para a casa do que se expor a algo tão ridículo e humilhante quanto aquilo. Até porque, os outros certamente o escutariam do lado de dentro do QG, o que tornaria a situação ainda mais vergonhosa. 
 
E ele já estava pronto para desistir de tudo aquilo quando  uma voz soou em sua mente. Era uma mensagem de seu irmão, cortesia de seu cunhado telepata. Aparentemente, o metido ainda não havia sido apresentado ao aparelho celular. 
 
"Onde você está, Tobirama? Estamos decidindo algo importante."
 
Mesmo sem poder vê-lo, conseguia notar a preocupação do outro Senju. Hashirama sempre tendia a agir como seu pai, não seu irmão mais velho, e tal pensamento o divertiu. 
 
Agradecia não ser filho do irmão, entretanto, já que isso certamente significasse ter o cunhado também como pai, e somente a mera cogitação já lhe fazia erguer um dos cantos dos lábios numa expressão de nojo.
 
"Pobre criança, aquele garoto do teletransporte" Concluiu. 
 
Mas o conteúdo da mensagem, além da informação desejada, também trazia outro recado, mesmo que sem querer, e com um sorriso aliviado, Atlantis voltou os passos que recuou corredor a dentro. Bom, se Hashirama perguntava por si, era porque, certamente, não se podia ouvir nada do lado de dentro do quartel general, do contrário já teria ciência da sua presença e de seu notável fracasso com o robô. 
 
Então talvez não fosse tão vergonhoso tentar, certo? 
 
Engolindo todo o seu orgulho junto a uma lufada de ar fresco, Tobirama apertou o botão da porta novamente. 
 
— Peixinho do Izuna. — Ele murmurou enquanto sentia seu rosto esquentar em puro constrangimento. 
 
— Sensor incapaz de processar, tente novamente em voz alta. 
 
O Senju soltou uma risada nervosa enquanto revirava, com uma das mãos, o cabelo claríssimo. Mas afinal onde é que Madara estava com a cabeça quando escolheu um sensor de voz para controlar o acesso ao QG? Por que é que não podiam agir como pessoas normais e usar, sei lá, reconhecimento de retina? 
 
"E arriscar que algum de nós perca os olhos para uma possível invasão? Não seja estúpido, Senju" A voz entediada de Madara soou dessa vez, fazendo Tobirama gemer irritado. 
 
"Saia já da minha cabeça, seu maldito! Não te dei essa permissão"
 
"Seu irmão ainda está esperando uma resposta" Justificou. 
 
"Já estou chegando!"
 
Antes que voltasse a falar, ainda foi possível ouvir uma risada rouca e debochada:
 
"Ok, câmbio desligo."
 
O Senju rosnou, sua única esperança cultivada dia após dia era que por algum acaso do destino a legião se separasse e pudesse finalmente quebrar o rostinho bonito de Madara. 
 
Respirando fundo, ele se voltou novamente para a inteligência artificial, que ainda o esperava. Sentiu as bochechas esquentarem pelo que estava prestes a fazer, sendo obrigado a engolir o orgulho. Ele então ergueu a cabeça com os olhos fechados e, após puxar o ar com força, proferiu em alto e bom som:
 
— Peixinho do Izuna. — As palavras saíram com desgosto. 
 
— Acesso autorizado. — As portas se abriram, e quando o Senju passava pelo portal, o robô voltou a falar, sua voz soando por todo o quartel general dessa vez: — Seja bem vindo, peixinho do Izuna. E tenha um ótimo dia! 
 
Sua primeira visão foi a do pequeno demônio tecnopata, que lhe sorria como se nada houvesse acontecido, como se não fosse ele a destruir a reputação do namorado naquele momento. A próxima foi Mito, que era socorrida por Kagami após engasgar com o café, a caneca quebrada devido ao descontrole alheio jazida no tampo da mesa. O Uchiha também não estava muito diferente, gargalhando alto. 
 
Ao seu lado, Madara tinha os braços cruzados e olhava para baixo, um sorrisinho ridiculamente debochado em sua face. E por fim e não menos importante Hashirama, que observava fascinado o que para ele certamente lhe pareceu uma linda demonstração de afeto, emocionado como costumava ser. 
 
Sentiu o próprio rosto pegar fogo, o excesso de atenção recebida o fazia querer sair correndo. Ele devia aprender a não contrariar Izuna. 
 
Tobirama engoliu o orgulho pela segunda vez e ocupou seu lugar costumeiro ao lado do tecnopata, isso não sem antes espirrar água no cabelo meticulosamente bem escovado do namorado, afinal, dois podiam jogar esse jogo. 
 
— Hey! 
 
— Em casa conversamos, Tecno. — Respondeu baixo, um olhar ameaçador no rosto bonito. 
 
Ele então se aprumou na cadeira, cruzou os braços sobre a mesa redonda e voltou a falar como se nada houvesse acontecido, ignorando as próprias bochechas que ainda queimavam em puro constrangimento:
 
— E então, qual é a pauta da reunião de hoje? — A imponência em sua voz de trovão foi capaz de calar a todos, mesmo a ruiva que ainda gargalhava descontroladamente até então. 
 
A não ser por Madara:
 
— Bom, vocês ouviram o peixinho do Izuna, de volta ao trabalho. 

No dia seguinte… 
 
O som oco do pequeno salto das botas se chocando com o chão podia ser ouvido de longe, ritmado devido à pressa do homem que chegava atrasado. Obito estava resfriado, e deixá-lo em casa naquele dia se tornou uma tarefa ainda mais difícil que o normal. 
 
Aparentemente, ter um filho com superpoderes era ainda mais desafiante que salvar o mundo. E Madara se convencia disso mais a cada dia. 
 
Tocando o botão da porta, disse o próprio nome enquanto usava o reflexo do painel da inteligência artificial para arrumar os longos cabelos revoltosos, que não tivera nem  sequer tempo de pentear. 
 
— Acesso negado. 
 
O Uchiha suspirou, fez uma nota mental para pedir que Izuna desse uma olhada naquela geringonça. 
 
— Uchiha Madara. 
 
— Acesso negado. 
 
Madara revirou os olhos, se seu irmão estivesse por trás dessa palhaçada, era bom que se preparasse para uma possível represália. Por vezes tinha a sensação de liderar uma equipe de crianças, e não de super heróis conhecidos e respeitados no mundo todo. 
 
— Mago Escarlate. 
 
— Acesso negado. Você possui mais duas tentativas até que seu usuário seja bloqueado. 
 
"Eu realmente espero que você não esteja por trás disso, Izuna." Madara tentou se comunicar com o irmão sem sucesso. Ao que tudo indicava, Izuna cortara a conexão consigo. 
 
Maldito! 
 
O mago gemeu contrariado. Hashirama também não estava disponível, nem Kagami, Mito ou o demônio do seu cunhado. Seu irmão certamente criara um campo magnético por todo o QG, impossibilitando a comunicação telepática. 
 
— TARDIS, diga ao Izuna que ele está morto. 
 
— Acesso negado. Não estou autorizada a passar recados. Você tem mais uma tentativa. 
 
Dividido entre ceder, quebrar a máquina, invadir a sala e matar a todos ou apenas ir embora dali, Madara estava à beira de um colapso. 
 
— Tudo bem, Izuna. Vamos fazer do seu jeito. — Suspirou cansado. — Gatinho do Hashi. 
 
— Acesso autorizado. — A porta se abriu. — Bem vindo, gatinho do… — Mas o robô não conseguiu terminar a sua saudação, não quando Madara o calou com um soco. 
 
Dentro da sala, Mito estava engasgada novamente, e sua caneca agarrada no teto dessa vez. 
 
— Vocês precisam avisar antes, caras. — Ela reclamou pausadamente entre risos e tosse, lá se ia a sua segunda caneca só naquela semana. 
 
— E perder todo o fator surpresa? — Izuna piscou divertido para a ruiva. 
 
Tobirama e Kagami não faziam questão de esconder o seu divertimento, e o primeiro ainda teve o disparate de cumprimentá-lo como "gatinho" quando foi obrigado a passar por ele para que ocupasse seu lugar na mesa. 
 
Evitava olhar para qualquer lado, muito ocupado em sentir vergonha de si mesmo enquanto planejava uma vingança silenciosa quando sentiu o toque já conhecido da mão grande em seu pulso. E olhando para o lado, Madara ainda pôde ver o ramo de flores crescendo entre as mãos alheias, se transformando num belo arranjo de rosas azuis. 
 
— Você não achou incrível? Izuna fez isso pra mim! — Ele murmurou maravilhado com o próprio feito. — Uma pena que não tenha ouvido até o fim, era uma mensagem tão bonita, Maddy. 
 
O Uchiha apoiou a testa nas mãos cruzadas acima da mesa. Então tudo aquilo era culpa do Senju? Suspirou. Precisava se acalmar, já que Hashirama era um réu confesso e claramente o fizera de boa intenção. 
 
Forçando um sorriso, ao que sentia um nervo pular em seu olho direito, Madara aceitou o arranjo de rosas sob o coro debochado de "awwn" feito pelos demais. 
 
— Obrigado, Hashirama. 
 
— Hey, mas o que aconteceu com o "Não devemos depredar o patrimônio do quartel general"? — Tobirama perguntou sarcástico, os braços cruzados ao imitar a voz do cunhado, tirando mais uma sessão de riso dos demais. 
 
— Calado, peixinho! 
 
Fim

*TARDIS é uma homenagem que fiz à série Doctor Who, ela é a cabine telefônica/nave em que ele viaja no tempo. (A nerdola kkkkkk) 
 
Calhou de ser postado no dia do aniversário do nosso Tobirama, então parabéns pra ele🎂🎉🍻
 
Aqui estou eu com mais um desafio proposto no grupo das fanfiqueiras (Cris e Sunny) e a bola da vez foram os super heróis. Esse hc estava rolando no Twitter, então créditos a quem o criou, ele foi refeito por tanta gente e com tantos shipps diferentes que foi impossível encontrar o pioneiro, hahahahaha! 
 

Peixinho (TobiIzu) Onde histórias criam vida. Descubra agora