Chovia muito naquela noite e Riley entrava no prédio onde morava, encharcando o encardido carpete verde vômito do chão. O prédio era tão velho e sujo quanto o carpete e tão cheio de buracos quanto um queijo suíço. Ratos corriam pelas paredes, mofo comia os cantos e infiltração percorria o teto. Havia uma única escada de madeira lá, que levava aos andares superiores do prédio, e estava no mesmo precário estado do resto. Haviam tantos cupins que a escada parecia viva e nenhuma vivalma fazia nada quanto a isso.
A mulher subiu as escadas e foi para o seu apartamento. Largou a bolsa na mesa redonda pequena que ficava pouco depois da porta e deu um longo suspiro, prendendo os cabelos ruivos com a mão atrás da cabeça, como um coque improvisado. O dia havia sido terrível. Seu chefe estava irritado, sua colega que a ajudava estava doente e o seu assistente continuava a dar em cima dela, mesmo após claras negativas vindas da sua parte. Ela não sabia mais o que fazer. Trancando a porta e tirando o guarda-pó bege, foi se sentar no sofá puído da sala. Sua calça jeans e sua regata branca estavam molhados, assim como seu cabelo, e ela fungou, pressentindo a vinda de um resfriado forte. Passou a mão pelo rosto, pelo pescoço, e finalmente deixou os ombros tombarem. Um segundo, ela se daria, e então iria fazer alguma coisa. Um. Levantando-se, foi para a cozinha e abriu a geladeira, pegando a cerveja barata que comprou semana passada. Voltou a sala e ao sofá, abriu a garrafa e começou a beber fazendo careta. Odiava cerveja e aquela marca não ajudava, mas vodka era pior e o resto lhe dava dor de cabeça.
Perdendo-se nas suas considerações, Riley tomou um susto quando o trovão soou do lado de fora do prédio. Isso fez com que soltasse a garrafa e esta caísse, se partindo em vários pedaços e derramando o líquido amarelado e amargo. Praguejando, ela foi buscar um pano para limpar aquilo antes que empesteasse a casa com cheiro de cerveja. Pouco depois, enquanto torcia o pano na pia, um estouro ouviu-se nos andares abaixo, fazendo o prédio todo estremecer com força. Riley tentou se segurar, mas seu equilíbrio era pouco e ela caiu, batendo a cabeça no canto da pia com força. O prédio continuava a sacudir e, zonza, ela tentou ficar em pé. Fez seu melhor para ignorar a sensação morna que lhe escorria pela têmpora direita. Enquanto o mundo estremecia, girava e a cerveja ameaçava voltar por onde veio, a jovem tomou seu caminho para o quarto. Precisava protege-la.
Tropeçando em seus próprios pés, com o medo e a tontura lhe revirando o estômago, chegou ao quarto pequeno e escasso de mobília que era seu. Abaixou-se, esticando o braço sob a cama de estrado de ferro, e puxou de lá uma pequena caixa, não maior que um palmo, feita de carvalho. Aninhou-a em si, levantando outra vez. Estralos e outros barulhos altos se ouviam do lado de fora do apartamento. O prédio desmoronava. Se Riley quisesse ter alguma esperança de ficar viva, teria de sair. E sair agora. Porém, a desesperança a tomou quando atravessou a porta de saída. Seu único caminho para baixo, a escada cheia de cupis, havia sucumbido aos tremores e jazia no chão. Estava presa ali. Não tinha para onde ir. Fazendo uma prece para quaisquer deuses que a estivessem ouvindo, ela voltou ao apartamento e sentou-se no sofá outra vez. A distância, ouvia sirenes, mas se de bombeiros ou polícia, não sabia. Juntou mais a caixa em seu corpo, sentindo suas bordas afiadas no tecido da sua pele, e fechou os olhos. Não sentiu quando o apartamento caiu sobre si.
Mais tarde, muito tempo depois de tudo o que sobrou do prédio foram cinzas e pó, os bombeiros acharam Riley e a caixa. Um deles, curioso para ver o que a mulher protegia com tanto afinco, abriu a caixa. Mas não havia nada lá dentro.
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A Caixa
Aktuelle LiteraturUma noite chuvosa e uma tragédia. Uma vida ceifada em seu início. O que você protegeria até o final?