Em algum lugar na Terra do Nunca

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TERRA DO NUNCA

          Ryujin nunca se encontrou de verdade onde nasceu e onde vivia, e acreditava que precisava ir para outro lugar para enfim poder viver. Viver de verdade. Uma vez, em uma das visitas sem propósito às estantes da biblioteca preferida de Yeji, ela encontrou um livro que dizia que, se uma casa não é automaticamente um lar, então um corpo não é automaticamente um lar. Ela achou aquilo interessante, porque não lembrava de algum dia ter tido o sentimento de se sentir em casa. Então, sem que ninguém visse, arrancou a página e a guardou no bolso da calça para reler mais tarde e, sozinha, pensar melhor sobre todas as questões que não a deixavam em paz durante os dias.

          Ela sabia que não estava bem; por vezes, nem se sentia normal. Muitas vezes, durante as longas conversas consigo mesma, ela se questionava o porquê de precisar criar um personagem para que os outros vissem. Sozinha no quarto com todas as luzes acesas, ela se respondia.

— Porque ninguém tem nada a ver com os meus problemas. Porque ninguém se importa com meus problemas. Porque ninguém gostaria do meu eu de verdade. Mas qual é o meu eu de verdade? Acho que a última vez que não saí vestindo um personagem, foi...

          E ela passaria horas e horas na própria companhia, recarregando as energias. Ryujin sempre precisou se isolar do mundo para se recarregar e poder voltar a se mostrar com um belo sorriso e uma falsa felicidade, mas ultimamente ela estava precisando daquilo com muita frequência. Ninguém conseguia entender o porquê de a garota desaparecer de repente depois de um dia inteiro de diversão, e só aparecer duas semanas depois, cheia de desculpas e falsas explicações.

          Yeji nunca percebeu que Ryujin tinha problemas, pois a garota nunca demonstrava estar mal perto dela e nem nunca falou sobre coisas ruins de si mesma, por isso, a Hwang não entendia os sumiços repentinos da amiga. Ryujin iria sumir em um dia qualquer, em meio a mensagens de texto, e só iria aparecer de novo na semana seguinte, no portão da casa dela com um pote de sorvete de chocolate com menta e um sorriso sem vergonha no rosto. Yeji teve que aprender que a amiga era desapegada e que tinha aquele jeito mesmo, e que o fato de ela sumir às vezes não significava que gostava menos de Yeji.

          Em uma das tardes monótonas que costumavam passar juntas, Ryujin se interessou pela estante de livros da amiga. Yeji estava sempre lendo pelos cantos, mas um livro estava sempre em destaque.

— Por que esse livro velho do Peter Pan tá em destaque, cara? — a garota perguntou, apontando para a capa mal cuidada e com um sorriso zombeteiro nos lábios ressecados. — Não tinha um mais bonitinho, não?

           Yeji rolou os olhos, sentindo a necessidade de defender o objeto com unhas e dentes.

— Não é um livro velho, é o meu livro preferido. Você conhece a história? É sobre três irmãos que viajam para a Terra do Nunca...

          Ryujin conhecia a história, mas deixou Yeji contar mesmo assim. Ryujin sempre gostou de saber sobre os pontos de vista das pessoas porque cada uma tem uma interpretação diferente da mesma história, e Yeji era sua pessoa preferida. Logo, ouvi-la falar sobre o livro preferido dela era um enorme prazer.

          A ideia de Terra do Nunca de Ryujin e Yeji eram bem diferentes, Ryujin logo percebeu. Enquanto Yeji achava que era um lugar mágico, mas que mesmo assim era uma pena ficar lá preso para sempre, Ryujin via de outra forma. Para a mais nova, a ideia de uma Terra do Nunca era libertadora. Há muito que a garota não acreditava mais em magia ou contos de fada, mas a ideia de fugir para um novo lugar, distante de tudo e todos que conhece, parecia cativante demais. Ela poderia ser o Peter Pan, indo buscar Yeji, sua doce Wendy, e juntas iriam a caminho da Terra do Nunca. Com esse pensamento, ela brincou com aquilo pela primeira vez.

Terra do Nunca • RYEJIOnde histórias criam vida. Descubra agora