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Os medicamentos do espírito
A partir de 1950, as substâncias químicas — ou psicotrópicos modificaram a paisagem da loucura.
Esvaziaram os manicômios e substituíram a camisa-de-força e os tratamentos de choque pela redoma
medicamentosa.1 Embora não curem nenhuma doença mental ou nervosa, elas revolucionaram as
representações do psiquismo, fabricando um novo homem, polido e sem humor, esgotado pela evitação de
suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao ideal que lhe é proposto.
Receitados tanto por clínicos gerais quanto pelos especialistas em psicopatologia, os psicotrópicos têm o
efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem
lhes buscar a significação. Os psicotrópicos são classificados em três grupos: os psicolépticos, os
psicoanalépticos e os psicodislépticos. No primeiro grupo encontram-se os medicamentos hipnóticos, que
tratam os distúrbios do sono, bem como os ansiolíticos e os tranqüilizantes, que eliminam os sinais de
angústia, ansiedade, fobia e de diversas outras neuroses e, por fim, os neurolépticos (ou antipsicóticos), que
são medicamentos específicos para a psicose e todas as formas de delírios crônicos ou agudos. No segundo
grupo reúnem-se os estimulantes e os antidepressivos, e no terceiro, os medicamentos alucinógenos, os
estupefacientes e os reguladores do humor.

A princípio, a psicofarmacologia deu ao homem uma recuperação da liberdade. Postos em circulação em
1952 por dois psiquiatras franceses, Jean Delay e Pierre Deniker, os neurolépticos devolveram a fala ao
louco. Permitiram sua reintegração na cidade. Graças a eles, os tratamentos bárbaros e ineficazes foram
abandonados. Quanto aos ansiolíticos e aos antidepressivos, trouxeram aos neuróticos e aos deprimidos uma
tranqüilidade maior.
No entanto, à força de acreditar no poder de suas poções, a psicofarmacologia acabou perdendo parte de seu
prestígio, a despeito de sua impressionante eficácia. Na verdade, ela encerrou o sujeito numa nova alienação
ao pretender curá-lo da própria essência da condição humana. Por isso, através de suas ilusões, alimentou um
novo irracionalismo. É que, quanto mais se promete o “fim” do sofrimento psíquico através da ingestão de
pílulas, que nunca fazem mais do que suspender sintomas ou transformar uma uma personalidade, mais o sujeito,
decepcionado, volta-se em seguida para tratamentos corporais ou mágicos.

Não surpreende, portanto, que os excessos da farmacologia tenham sido denunciados justamente por aqueles
que a haviam enaltecido, e que hoje reivindicam que os remédios da mente sejam administrados de maneira
mais racional e em coordenação com outras formas de tratamento: psicoterapia e psicanálise.
Essa já era a opinião de Jean Delay, principal representante francês da psiquiatria biológica, que afirmou, em
1956: “Convém lembrar que, em psiquiatria, os medicamentos nunca são mais do que um momento do
tratamento de uma doença mental, e que o tratamento básico continua a ser a psicoterapia.”

Quanto ao inventor desses medicamentos, Henri Laborit, sempre declarou que a psicofarmacologia não era,
como tal, a solução para todos os problemas: “Por que ficamos contentes por dispor de psicotrópicos? Porque
a sociedade em que vivemos é insuportável. As pessoas não conseguem mais dormir, ficam angustiadas e
necessitam ser tranqüilizadas, mais nas megalópoles do que noutros lugares. Às vezes me censuram por
haver inventado a camisa-de-força química. Mas, sem dúvida, esqueceram-se da época eni que, quando
plantonista na marinha, eu entrava no pavilhão dos agitados com um revólver e dois enfermeiros parrudos,
porque os doentes morriam dentro das camisas-de-força, transpirando e berrando (...). A humanidade, ao
longo de sua evolução, foi obrigada a passar pelas drogas. Sem os psicotrópicos, talvez tivesse havido uma
revolução na consciência humana, dizendo: ‘Não podemos mais suportar isso!’ Mas foi possível continuar a
suportá-lo, graças aos psicotrópicos. Num futuro distante, a farmacologia talvez tenha menos interesse, a não
ser, provavelmente, na traumatologia, e é a1é concebível que desapareça.”

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⏰ Última atualização: Feb 23, 2022 ⏰

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