Podia sentir todo mundo me olhando, mas estava acostumado com isso. Algo que meu pai tinha me ensinado desde cedo, e com freqüência, era a agir como se nada me afetasse. Quando se é especial, como nós, as pessoas devem notá-lo.
Era o último mês antes do final da nona série. O professor substituto estava nos dando as cédulas para a eleição da corte do baile de primavera, algo que normalmente eu achava patético.
-Eh, Kyle, seu nome está nisso. - Meu amigo Trey Parker bateu no braço.
-Acho que não. - Quando virei para Trey, a garota que estava junto a ele... Anna, ou talvez Hannah... abaixou os olhos. Huh. Tinha estado me olhando fixamente. Examinei a cédula. Não só estava ali meu nome, Kyle Kingsbury, para príncipe do nono período, mas era claro o ganhador. Ninguém podia competir com a minha aparência e o dinheiro do meu pai. O substituto era um novo que pode ser que ainda tivesse a falsa impressão de que porque Tuttle era o tipo de escola que tinha uma fila de saladas na lanchonete e oferecia cursos de mandarim... quero dizer, uma escola onde as autenticas pessoas de dinheiro de Nova York enviava seus filhos... não íamos nos meter com ele como os despachos da escola pública. Grave erro. Mas não era como se o substituto fosse nos colocar um exame, só tínhamos que pensar em como fazer para ler a cédula e gabaritar nossas eleições levaria toda a hora. A menos a maioria dos que estavam ali. O resto estavam escrevendo mensagens de texto uns para os outros. Observei os que estavam rabiscando as cédulas olharem para mim.
Sorri.
Qualquer outro podia ter baixado os olhos, tentar parecer tímido e modesto, como se se sentissem envergonhados por seu nome estar ali... mas não havia sentido em negar o óbvio.
-Meu nome também está. - Trey bateu no braço de novo.
-Ei, cuidado! - esfreguei o braço.
-Cuidado você. Com esse sorriso estúpido no rosto, como se já tivesse ganhado e estivesse concedendo aos paparazzi a oportunidade de tirar uma foto sua.
-E estou errado? - sorri mais amplamente, para chateá-lo, e lancei uma saudação como em um desfile. A câmera do telefone de alguém clicou justo nesse momento, como um sinal de exclamação.
-Eu não deveria permitir você viver - disse Trey.
-Ok, obrigado. - pensei em votar em Trey, só para ser amável.
Trey era bom para saídas cômicas, mas não tão dotado no departamento do aspecto físico. Sua família não tinha nada de especial... seu pai era médico ou algo assim. Colocariam os votos totais no jornal do colégio, e seria bastante embaraçoso para Trey se ficasse em último ou se nem sequer conseguisse votos. Por outro lado, seria legal se eu ficasse com o dobro de votos que o candidato mais próximo. Além do mais, Trey me adorava. Um autêntico amigo iria querer que ganhasse o melhor. Essa era outra coisa que meu pai sempre dizia: Não seja bobo, Kyle, não faça as coisas por amizade ou amor. Porque no fim o único que realmente ama você é você mesmo. Tinha sete ou oito anos quando ele me disse isso pela primeira vez, e tinha perguntado:
-E para você, papai?
-O que?
-Você ama...?
- Você me ama?
- Nos ama. Sua família.
Ele me lançou um longo olhar antes de dizer.
-Isso é diferente, Kyle.
Nunca voltei a perguntá-lo se me amava. Sabia que tinha dito a verdade da primeira vez.
Dobrei minha cédula para evitar que Trey visse que eu tinha votado em mim mesmo. É claro, eu sabia que ele tinha votado em si mesmo também, mas isso era diferente. Foi então quando uma voz chegou da parte de trás da sala.
-Isso é asqueroso!
Todos nos viramos.
-Talvez alguém tenha deixado um chiclete embaixo de sua carteira - sussurrou Trey.
-Você? - disse.
-Eu não faço mais essas coisas. -Asqueroso - repetiu a voz.
Parei de falar com Trey e olhei para o lugar de onde vinha a voz, a louca gótica sentada atrás. Era uma garota gorda, vestida com um tipo de túnica negra longa que normalmente só se vê em bruxas e terroristas (não tínhamos uniformes em Tuttle; aos pais lhes caberia não poder comprar em Dolce & Gabbana), e seu cabelo era verde. Obviamente um grito de socorro. O engraçado era que nunca antes tinha reparado nela. A maioria das pessoas daqui conheço a vida toda. O substituto era muito estúpido para ignorá-la.
-O que é asqueroso, senhorita... senhorita...?
-Hilferty - disse. - Kendra Hilferty.
-Kendra, algo está acontecendo com seu carteira?
-Está acontecendo algo com este mundo. - Ela se pôs de pé como se estivesse dando um discurso. - Algo muito ruim, quando estamos no século XXI e esse tipo de paródia elitista continua se perpetuando. - Segurou alto sua cédula. As pessoas riram.
-É uma cédula da nona grade - disse Trey. - Para escolher a realeza.-Exatamente - disse a garota. - Quem são essas pessoas? Por que deveriam ser tratados como a realeza? Baseados em... que? As pessoas dessa cédula foram escolhidos único e exclusivamente pela sua beleza física.
-Para mim parece um bom critério - eu disse a Trey, não muito suavemente.
Me levantei.
-Isso é genial. Todos votaram, e são esses que eles escolheram. É um processo democrático.
Ao meu redor se levantaram alguns polegares, houve alguns "muito bem, cara", particularmente de Anna ou Hannah. Mas notei que as pessoas, sobretudo gente feia, permanecia em silêncio. A garota deu uns passos até mim.
-São ovelhas seguindo o rebanho. Votam na assim chamada pessoas populares porque é simples. Beleza superficial, cabelo loiro, olhos azuis... - ela me olhava - ... sempre é fácil de reconhecer. Mas se alguém é mais valente, mais forte, mais pronto, é mais difícil de ver.
Ela me encheu, então fui contra ela.
-Se fossem tão prontos, averiguariam como podem ter melhor aspecto. Podia perder peso, fazer cirurgia plástica e até mesmo conseguir que raspassem seu rosto e branqueassem seus dentes. - Enfatizei o seu na última frase para que soubesse que me referia a ela e não só a um grupo em geral.
- Meu pai trabalha no noticiário. Disse que as pessoas não deveriam ter que olhar para as pessoas feias.
-É isso o que você acha? - arqueou um sobrancelha escura. - Que todos deveríamos nos transformar para ser como você quer que sejamos, Kyle Kingsbury?
Me sobressaltei ao ouvir meu nome. Estava claro que nunca antes a tinha visto. Mas é claro que ela me conhecia. Todos me conheciam. Provavelmente sofria de alguma patética paixão por mim.
-Sim - disse. - Sim. É isso que eu acho. É isso o que eu sei.
Se aproximou de mim. Seus olhos eram de um verde brilhante e seu nariz era longo e aquilino.
-Então será melhor que nunca seja feio, Kyle. Você é feio agora, por dentro, onde realmente importa, e se algum dia você perder seu atrativo, aposto que não estará suficientemente pronto e forte para recuperá-lo. Kyle Kingsbury, você é uma besta.
Besta.
A palavra pertencia a outra época e lugar. Me fez pensar em contos de fadas, e senti uma cócega diferente, como se poros de meus braços tivessem se prendido fogo pelo seu olhar.
Esfreguei-os.
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A fera
FantasyEu sou uma fera. Uma fera. Não exatamente um lobo, ou um urso, um gorila ou um cão, mas uma terrível criatura que anda em duas patas - uma criatura com dentes e garras e pelos surgindo de cada poro de minha pele. Sou um monstro. Você acha que estou...