Estranho

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Young Nam olhava pela janela enquanto a neve caía. Era começo de inverno e ainda não havia montes brancos pelas ruas. No quarto a temperatura era aconchegante, mas isso não aplacava a sensação do frio dentro dele.

Percebendo a bagunça dos lençóis, ele se deixou afundar na poltrona e observou aquele quarto de hotel, sua mente divagou para quilômetros sem fim e um oceano de distância. Se sentia um estranho ali, invadindo um lugar que não lhe pertencia, por mais que suas roupas estivessem espalhadas pelo quarto e seus equipamentos  montados na extensa e moderna escrivaninha.

Faltava calor, pois mesmo o número 25 indicado no termômetro, não aplacava o frio que seu corpo sentia, e mesmo que subisse a temperatura do ar condicionado ainda sim estaria frio pra ele. Tudo era meio pálido, acinzentado, blocos de concreto e móveis que causavam estranheza, mesmo que ele tenha passado quase um mês ali.
O contexto formava o que deveria ser um quarto, mas não era, faltava algo... Talvez fossem os tons ensolarados que ele acabava vendo mesmo nos dias de chuva, talvez fosse o aroma de shampoo frutado, que se tornara seu favorito nos últimos anos, ou quem sabe faltava aquele persistente calor em suas costas, acompanhado sempre por mãos que o rodeavam e um rosto que se ajeitava perfeitamente em seu peito, nas horas mais aleatórias, fosse dia ou noite, esse calor era o que aquecia de verdade. Essa mania específica. Dela. Que não estava ali.

Viu a hora no relógio de pulso, e sem ânimo levantou-se para encontrar os outros membros do grupo para uma das últimas reuniões, quase todos os meninos estavam no corredor, esperando Chang Ho sair. Olhou mais atento para Min Jun claramente abatido, com olheiras e um mal humor instaurado quase tátil, os olhos conhecidos quase podiam tocar toda aquela aura, viu-se refletido no amigo e companheiro, ele se sentia exatamente da mesma forma, a mesma sensação de desconforto, não estavam mais acostumados a dormir em quartos separados e muito menos sem Flávia. O faziam por obrigação contratual e para minimizar os rumores sem fundamento e até mesmo evitar exposição, pois sempre havia o risco de um ataque de sasaengs ou paparazzi. Era difícil manter a compostura imparcial quando eles estavam longe dela.

Min Jun passou a mão esquerda pelos cabelos, claramente estressado pela noite mal dormida e a aliança em seu dedo reluziu levemente a luz do corredor.
Existiam 3 anéis iguais aquele, mas só dois estavam ali.

— Parece que tudo ao nosso redor, faz questão de mostrar que ela não está aqui – diz Young Nam girando o anel em seu dedo.

— Só quero que isso acabe logo, quero voltar pra casa. – bufou MJ

— Ainda vai demorar um pouco, você sabe disso, sei que é difícil pra nós, mas só tente não se estressar demais ou vai acabar descontando isso nos outros.

— Eu vou tentar, mas está sendo difícil. Você sente o incomodo também?

— Eu sinto. – responde Young Nam, enquanto abaixa a cabeça.

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A reunião se passou, longa e cansativa e os detalhes da nova tour nos EUA finalmente estavam sendo decididos, durante de quase um mês de negociações, os dois se mantiveram o mais firmes que puderam. Em todas as reuniões, se concentraram ao máximo nos detalhes que precisavam decidir. A rotina era sempre a mesma, chegar às 7:00 da manhã, se sentar à mesa com diversas pessoas diferentes a cada dia e permanecer ali durante horas, conversando, anotando, pontuando questões para em seguida propôr soluções. Faziam pausas para o almoço, lanche e banheiro, se restringindo ao máximo nesse periodo de tempo para maximizar produtividade, as vezes olhavam seus celulares sem notificações. E aquilo realmente era frustante mas não podiam fazer nada, os outros membros notavam, seus suspiros e as mãos no pescoço, ombros tensos, eram usados como despertadores para as pausas. E isso era o que aliviava muito. A tarde chegou e passou, os últimos detalhes foram acertados, passava das 10 da noite quando chegaram ao hotel, enquanto acabava de arrumar suas coisas, Young Nam notou o smartphone tocar, e fez uma dancinha de alegria antes de atender quando viu o nome na tela.

— Amor?

— Nam, Oi, como você tá ? Te acordei?

— Não, não, tô no quarto arrumando as coisas.

— Arrumando? Vocês vão viajar para Manhattan de novo? – diz Flávia.

— Não, estamos indo para Coreia.

— Sério? Jura juradinho?

— Sim, dentro de alguns dias. – Sorri com as covinhas aparecendo.

— Eu não tô acreditando, parece que foi uma eternidade.

— Sim, nós dois já estamos bem saturados.

— O MJ tá aí?

— Não, mas se quiser posso chamar ele.

— Tudo bem, quero sim amor.

Young Nam afoito vai até o quarto de MJ e no caminho acaba batendo o pé na quina da porta. Mas não perdendo tempo com a dor sai mancando...

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A campainha do quarto toca e um MJ irritado olhando para um PSP abre a porta, sem nem prestar atenção em quem era, ele volta para a cama e se ajeita no travesseiro.

— Aaai.

Young Nam entra pulando numa perna só e senta na beira da cama pressionando o mindinho com uma das mãos enquanto a outra permanecia com o aparelho, agradecendo aos céus silenciosamente  por não ser uma vídeo chamada.

MJ era alheio a toda essa cena, tentou prestar atenção no jogo de FPS que não o apetecia em nada, enquanto sua mente continuava a trazer uma lembrança persistente que fazia questão de se firmar cada vez mais.

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Flashback

O quarto com iluminação amarelada estava quente, era 3 da manhã, páginas de um pequeno livro novo aberto já na metade, um cabelo totalmente bagunçando e solto, caindo em cascatas cacheadas pelo ombro até o meio das costas e um par de olhos castanhos muito atento a leitura, par de olhos esses que o faziam se perder de vez em quando e combinavam de algum modo com o óculos de aro simples que repousava naquele nariz tão amado, uma camiseta cinza gigantesca era a escolhida da vez para servir de pijama, sendo catada aleatoriamente em dos dois closets masculinos da casa. Young Nam dormindo com a cabeça repousando sobre coxas nuas esticadas na cama grande e seus braços enormes a rodeando, como se mesmo dormindo quisessem a proteger. Enquanto uma das mãos dela, apoiava o livro, a outra acariciava um mar de cabelos negros pertencentes a um Min Jun sonolento observando aquela leitora assídua. Tudo isso envolvido num aroma leve de lírio.

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Para MJ aquela era uma das definições de felicidade plena, ele se lembrava de ter observado aquela cena e no dia seguinte com o sol entrando pela janela do quarto ao acordar, se deparar com seus corpos enroscados na cama. Não lembrava de como tinha adormecido, mas lembra que foi uma das primeiras noites na casa definitiva deles.


Ele era diferente de Young Nam, na forma de lidar com a falta de Flávia. Enquanto Nam era estável, silencioso e observava as coisas sem demostrar seus sentimentos em público de forma visível, MJ era o que tentava manter sua postura mas não por muito tempo, conforme os dias iam passando era cada vez mais seu mal humor era claro e era mais difícil se manter indiferente, pois ele era mais sensível do que tinha coragem de admitir.

— Nam? O que foi? – a voz no telefone questiona preocupada.

— Eu bati o dedinho na quina da porta enquanto eu vinha pro quarto do Min Jun.

— Toma cuidado, por favor. – diz ela com a voz doce.

Aquela voz, tirou MJ do modo automático, sua pele arrepiou, e sem pensar desligou a tela e jogou o aparelho para algum canto, um segundo depois ele estava ao lado de Nam, abanando as mãos como um pequeno se ajeitando naquela cama incomoda de hotel, atento a tela do aparelho com o viva voz ligado.

— Amor? – Min Jun chama apressado.

— MJ? Como você tá?

— Tô não, não, aguento mais isso aqui, e você? Tá bem?

— Eu acabei de sair do banho, cheguei agora pouco do trabalho.

— Que bom amor, como foi o dia? – NamJ questiona.

— Nam, foi corrido, mas tudo bem, aquela pessoa da administração tentou me encher a paciência de novo, mas ignorei.

— Espero que troque de emprego logo.

— Eu também – diz MJ

— Eu só tô esperando a lista das transferências sair, também tem a lista da bolsa de intercâmbio, quero sair de um jeito ou de outro.

— Estamos torcendo pra você conseguir, se o intercâmbio sair, vamos poder comprar o apartamento de Seul e ficar lá ao invés de ir só nas férias. – Young Nam diz empolgado.

— Passar o Chuseok com todo mundo ia ser incrível – fala MJ otimista.

— Espero que eu consiga... Tô com saudades de vocês. Alguns dias tem sido difíceis, eu sempre converso com a Adri sobre isso, mas ela também está do mesmo jeito que eu. Acho que o sentimento de estar longe de vocês é o mesmo. Diz Flávia com a voz cabisbaixa.

— Chang Ho está sendo muito maduro nos últimos tempos, mas acredito que ele também está mal longe dela. – diz Nam pensativo.

—  Sempre ficamos mal longe de quem a gente ama. MJ diz suspirando.

Eles conversaram por mais uma hora, falando sobre o decorrer do mês e dos sentimentos de saudade, era nítido ver como estava sendo difícil para os três ficarem separados por tanto tempo. Estavam lidando da melhor forma que podiam.

— MJ, Nam, estou saindo tenho que fazer um monte de coisas hoje, aproveitar meu dia de folga.

— Tudo bem, tenha um bom dia amor.

— Bom dia amor – diz MJ.

— Tchau, eu amo vocês.

Ela diz com voz cansada e desliga em seguida, sentados na cama, Nam pensava nas palavras ditas por ela com tanta facilidade agora, mas que em outras épocas era difícil até mesmo para ele admitir. MJ olhava para o chão, abismado ao perceber que se sentia confortável, em casa. Os dois se olharam, vendo a diferença que aqueles minutos com ela faziam, a voz dela era tão forte dentro deles, ao ponto de que seus corpos estavam aquecidos e revigorados, como se os dois estivessem prontos para correr maratona. Mas era hora de dormir.

Away from home - Longe de CasaOnde histórias criam vida. Descubra agora