Único

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Era uma tarde pacata, adornada pelo canto dos pássaros que movimentaram a ilha quase imaculada de Paradis, após a obliteração do restante do mundo.

Hange vivia na floresta das árvores gigantes, ao lado de Levi, onde foi construído um pequeno chalé rústico e pitoresco.

A mulher entra em sua casa, com uma cesta em mãos, preenchida por folhas da horta, o cheiro de frango frito invadindo seu olfato, a conduzindo para o lugar certo: cozinha, onde Levi trabalhava. Panelas ferviam sobre o fogão a lenha, enquanto o ex soldado enxugava alguns talheres, antes de guardá-los na gaveta da pia de granito polido.

Ele percebe a presença de Hange, quando escuta um estalo na mesa, ela havia deixado a cesta equilibrada na borda, enxugando suor da testa com a manga da blusa. Levi se aproximou, Hange, que ouviu seus movimentos, tentou encontrar a figura dele, falhando ao encarar uma das panelas. O homem puxou a cesta pela alça de sisal, pressentindo a queda dela por estar muito próxima da borda. Vasculhando seu conteúdo, ele encontra ramalhetes de couve, misturados com folhas de mostarda e alface. Era compreensível, Levi plantou as hortaliças próximas demais umas das outras, até mesmo ele poderia se confundir, se seu TOC não o fizesse ler as plaquinhas de referência sempre que seus pés tocam o terreno de cultivo.

Avaliando o outro produto, o homem percebe tomates, em sua maioria podres, alguns acompanhados por pequenos caracóis, os quais fizeram o estômago dele se contorcer em repulsa. Ele levou todos os legumes à pia, não tardando em lavar folha por folha. Hange permanecia em frente a mesa, transmitindo relutância em sua postura corporal rígida. Ciente de sua presença contínua no local, Levi decide questionar:

— Precisa de algo, Hange? — Alguns segundos de silêncio procederam à fala.

— Eu colhi corretamente? — Levi pensava em uma resposta simpática, porém sincera. A forma como perguntou, transmitiu fragilidade, como se a resposta fosse algo crucial.

— Na verdade não. Você me trouxe mostarda e couve, — ele não cita os tomates podres. — mas é a minha falta de logística, deveria ter separado os canteiros de uma maneira mais organizada.

O silêncio é preenchido pelo ruído úmido da faca rasgando as partes arruinadas dos tomates que Levi tentava salvar. Um suspiro escapa de Hange, quando ela dá as costas.

— Não me engane com isso. Você sempre foi bom com organização, a causa da má coleta é reflexo da minha incapacidade. — disse categoricamente, antes de se retirar do cômodo.

E então, Levi ficou de pé, estático, mais uma vez. A faca havia cessado o trabalho em cortar, e a vontade de ir atrás daquela mulher para lhe dizer algo útil o consumia, mas a questão era: ele não tinha algo útil a dizer.

A refeição foi servida ao som melódico do silêncio. Desde o acontecido, Hange se calou. Uma companhia que costumava ser extravagante e falante se tornou apenas uma alma perambulando pela cabana deles, construída na floresta, a mesma região em que decidiram ficar juntos naquele dia.

Na hora de aplicar um pouco de sal em sua salada, a qual Levi preferia servir livre de temperos, Hange buscou o pote errado, percebendo o erro, ao levar tomate adocicado à sua língua, cujo paladar rejeitou em primeira mão. Cuspindo no prato, ela se retirou da mesa com o objeto, buscando a cozinha.

Levi seguiu Hange em passos ligeiros, vendo-a descartar as sobras da comida, com o tomate cuspido incluso.

— Eu assumo a louça, pode ir descansar.

Descansar?

Quem ele achava que era pra sugerir algo tão ridículo?

Descansar era algo que Hange estava farta, se sentindo presa num sonho constante, o qual não consegue acordar por não poder abrir os olhos. E pior, por mais que os olhos estejam supostamente abertos, não existe nada em sua vista senão escuridão.

Às cegas - LevihanOnde histórias criam vida. Descubra agora