Único

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Mallory o conhece em um momento de crise.

Ele tem olhos azuis.

Ela está no mercado, escolhendo tomates, atenta ao aroma adocicado e firmeza do fruto, quando esse homem, com seu caminhar compassado e mangas dobradas, atravessa a entrada carregando um caixote vermelho.

De repente, é como se ele detivesse toda a atenção ali.

Talvez seja alguém importante.

– É o último, Maria. – Ela o ouve dizer, direcionando-se à mulher atrás do balcão de madeira. A voz suave e um tanto rouca não vacila a despeito do peso transportado.

– Veja, esse carregamento está tão bonito! – A mulher, de cabelo selvagem tão escuro quanto jabuticaba, exibe os dentes alinhados num sorriso vibrante. Com uma discrição que não a pertencia, Mallory corre os olhos pelo conteúdo do caixote colocado sobre o balcão, somente para confirmar o que foi dito. – Leve meus elogios até Harry, sim? Faz tempo que o meu garoto não vem à cidade.

– De fato, ele se superou na embalagem dos molhos dessa vez. – Ele soa particularmente radiante agora, orgulho cintila em seus olhos quando a luz passa. – Imagino que no próximo mês ele tenha algum tempo pra uma visita. Gostamos de revezar as funções.

Mallory termina de selecionar suas verduras e dirige-se ao caixa.

Enquanto a dona entrega uma grande quantidade de dinheiro ao homem, ela é subitamente assaltada pela lembrança de si mesma, derramando suas preocupações em Maria — que cometeu o erro de perguntar se estava tudo bem ao perceber o semblante absorto da jovem. Constrangimento rasteja na parte de trás do seu pescoço.

– Então, conseguiu pensar em algo interessante, querida? – Pergunta ela, gentil, alheia ao seu desconforto.

O homem move-se apenas o bastante para não atrapalhar a comunicação das duas. Ele não se retira, no entanto.

Mallory lhe dá o que parece ser uma tentativa de sorriso antes de respondê-la. — "O que você aprende após o pedido de demissão do emprego dos sonhos?"

– Não, nada disso, você ainda tem uma semana. E ligar chorando para sua mãe não vai precisar ser uma solução. – Deus, a moça realmente aprendeu tudo sobre sua vida. Por um segundo Mallory contempla a ideia de sair correndo.

Maria troca olhares com o homem, como se implorasse para que ele dissesse algo também.

– Bem... Eu tenho uma plantação impressionante de pimentas. É o máximo que posso oferecer. – Ele limpa as mãos empoeiradas em um pano que leva no ombro e estende uma delas para se apresentar. – Louis.

Veja, é interessante para Mallory, mas ela apenas sabe que seus leitores jamais iriam escolher algo desse tipo — quer dizer, plantação de pimentas? Desastroso.

– Meu marido diz que a ilha é mal assombrada... – Louis acrescenta, se inclinando pra cochichar como se fosse um segredo. Ele é charmoso.

Uma ilha?

Certo.

Mallory considera. Talvez não renda muitos cliques, mas ainda assim pode ser uma espécie de documentário que renderia, na pior das hipóteses, elogios de seus colegas de trabalho.

– Vá, querida. Louis pode te mostrar a ilha e, se não lhe der alguma inspiração, você pode voltar pelo fim da tarde na última balsa.

Sendo honesta, Mallory nunca possuiu nada além da sua vida profissional. É o único aspecto de sua vida que importa no fim das contas, a única validação que ela procura. Então, quando percebe que os dois aguardavam um veredito, Mallory ajeita a postura. – Quando saímos?

Arcanus [l.s]Onde histórias criam vida. Descubra agora